6/29/2018

Temas Poéticos: CLÁSSICOS - I


D. Quixote

AUGUSTO DE LIMA
“Símbolos” (1892)

Tempo fecundo aquele em feitos bravos.
Triste Figura, a flor dos cavaleiros,
peregrinava a desfazer agravos
com Sancho, o mais leal dos escudeiros.

Do virginal decoro das virtudes
Paladino, ele, às vezes, num momento,
sozinho suplantava, a golpes rudes,
os moinhos ciclópicos de... vento.

Na sombria armadura legendária,
pulava um coração adamantino:
com ela conquistou a Barataria
e o capacete do feroz Membrino.

Se ao puro bem vencia o mal infando,
era vê-lo, na rápida carreira,
fantástico, sublime, galopando
nas estradas em nuvens de poeira.

Sublime e louco heroísmo! Que loucura
é todo o sentimento que transborda:

o crânio, que adormece em noite escura,
não raro cede ao coração que acorda!

Almas às vezes bem equilibradas
deixam, por ser seu sentimento pouco
– o direito à mercê das gargalhadas,
a justiça num cérebro de louco!

Conseguiste o brasão maravilhoso
com que os heróis os séculos aclamam:
foste um burlesco, um doido, um generoso;
ri-se o mundo de ti, mas todos te amam!

★★★

A morte de D. Quixote
(Ao Conde de Sabugosa)

ANTÔNIO CRESPO
"Noturnos" (1882)

Roto o escudo, sem lança, a cota escalavrada,
Sozinho, abandonado e à toa como um cego,
Do crepúsculo à luz dolente e imaculada
Entra na sua aldeia o altivo herói Manchego.

O tênue fumo sai do colmo das herdades,
Riem ao pé da fonte as frescas raparigas,
E à clara vibração sonora das trindades
Juntam-se brandamente as vozes e as cantigas.

E o audaz Campeador, o Justiceiro, o Forte,
Que apelo mundo a combater os maus,
Defendendo a Mulher, desafiando a morte,
Do paterno casal sentou-se nos degraus.

Nos joelhos fincando o cotovelo agudo
E no punho cerrado a fronte reclinando,
Quedou-se largo espaço, ilacrimável, mudo,
Para o inútil passado os olhos alongando...

E ali, na doce paz da sua alegre aldeia,
Sentiu que o avassalava uma tristeza infinda,
Quando esta voz se ouviu: “morreu-te a Dulcineia,
Missionário do Bem, tua missão é finda!”

E ele a ouvir e a cismar! A trêfega sobrinha
Beija-o, fala-lhe, ri, abraça-o, mas o Herói
Destarte lhe volveu “A morte se avizinha,
Levai-me para o leito!” E ouvi-lo pena e dói.

Do leito à cabeceira o Bacharel e o Cura
Tentam ressuscitar-lhe os sonhos e as quimeras;
Pintam-lhe o negro mal triunfante, ó amargura!
O fraco aos pés do forte, o bom lançado às feras...

Contam-lhe o frio horror dos cárceres sem luz.
Que nas torres feudais pompeava o velho Crime.
Que os crescentes do Islã tinham vencido a Cruz,
Que a Injustiça era a Lei... Então feroz, sublime.

Inquieto, seminu, sinistro, o cavaleiro
Bradou como um trovão: “Enverguem-me a loriga!
Selem-me o Rocinante, ó Sancho, ó escudeiro,
Traze-me a lança, presto! e a minha espada amiga!”

Tinha em brasas o olhar, e truculento o aspecto,
E vibrava em redor a imaginária lança...
Logo depois caiu do respaldar do leito,
Morto: tendo no lábio um riso de criança!

★★★

A leitura dos Lusíadas
(A Vicente Pindela)

ANTÔNIO CRESPO
"Noturnos" (1882)

Do moço rei defronte, esbelto e cavaleiro
Camões recita; a corte, silenciosa
Ante a rubra explosão do cântico guerreiro,
Admira essa Epopeia enorme e prodigiosa.

“... Ruge a elétrica voz do Adamastor furiosa;
Nas amuradas canta o alegre marinheiro;
Do Oceano à flor cintila a esteira luminosa
Dos pesados galeões do Gama aventureiro.

Terra! grita o gajeiro; e à praia melindana
Desce doida e febril a gente lusitana
Desfraldam-se os pendões ao claro céu do Oriente...”

Da glória ante o esplendor o olhar del-Rei fulgura;
O Câmara no entanto, alma sombria e escura,
No rei os olhos crava, e ri felinamente.

★★★ 

Mãos de Lady Macbeth
LUÍS DELFINO
“Rosas Negras” (1938)
Como a Macbeth, — eu sei, as mãos manchadas
Não tens de sangue: o coração teu puro
Vai, vem; é como um pêndulo seguro;
Passam-lhe as horas calmas, sossegadas.

Mas quando beijo as palmas delicadas
Encontro aí sempre um ponto, um ponto escuro;
E minhas esperanças sepultadas
Na cova sua deixo, e o meu futuro.

Que dor profunda dentro em mim eu sinto,
Ao vê-la e ouvi-la, alheado, inquieto, absorto!
Digo-lhe então: — Tu crês, talvez, que minto?

E ri: porém com tanto desconforto
Que o riso tem a cor de um riso extinto,
E é túmulo o seu lábio, e o riso um morto...

★★★

Lendo a Ilíada

OLAVO BILAC
“Panóplias e outros poemas” (1888)

Ei-lo, o poema de assombros, céu cortado
De relâmpagos, onde a alma potente
De Homero vive, e vive eternizado
O espantoso poder da argiva gente.

Arde Troia... De rastos passa atado
O herói ao carro do rival, e, ardente,
Bate o sol sobre um mar ilimitado
De capacetes e de sangue quente.

Mais que as armas, porém, mais que a batalha
Mais que os incêndios, brilha o amor que ateia
O ódio e entre os povos a discórdia espalha:

— Esse amor que ora ativa, ora asserena
A guerra, e o heroico Páris encadeia
Aos curvos seios da formosa Helena.


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