
Visão da Morte
CRUZ E SOUZA
“Broquéis” (1893)
“Broquéis” (1893)
Olhos voltados para mim e
abertos
Os braços brancos, os
nervosos braços,
Vens d'espaços estranhos, dos
espaços
Infinitos, intérminos,
desertos...
Do teu perfil os tímidos,
incertos
Traços indefinidos, vagos
traços
Deixam, da luz nos ouros e
nos aços,
Outra luz de que os céus
ficam cobertos.
Deixam nos céus uma outra luz
mortuária,
Uma outra luz de lívidos
martírios,
De agonies, de mágoa
funerária...
E causas febre e horror,
frio, delírios,
Ó noiva do Sepulcro,
solitária,
Branca e sinistra no clarão
dos círios!
★★★
Post Mortem
CRUZ E SOUZA
“Broquéis” (1893)
“Broquéis” (1893)
Quando do amor das Formas
inefáveis
No teu sangue apagar-se a
imensa chama,
Quando os brilhos estranhos e
variáveis
Esmorecerem nos troféus da
Fama.
Quando as níveas estrelas
invioláveis,
Doce velário que um luar
derrama,
Nas clareiras azuis
ilimitáveis
Clamarem tudo o que o teu
Verso clama.
Já terás para os báratros
descido,
Nos cilícios da morte
revestido,
Pés e faces e mãos e olhos
gelados...
Mas os teus Sonhos e Visões e
Poemas
Pelo alto ficarão de eras
supremas
Nos relevos do Sol
eternizados!
★★★
O Coveiro
(A Alberto Braga)
(A Alberto Braga)
ANTÔNIO CRESPO
"Noturnos" (1882)
"Noturnos" (1882)
Ele entrou cabisbaixo e silencioso
Na imunda tasca, e foi sentar-se a um canto;
Deram-lhe vinho, recusou, o espanto
Cresceu no olhar do taberneiro oleoso.
Deram-lhe vinho, recusou, o espanto
Cresceu no olhar do taberneiro oleoso.
Ele era o mais antigo e o mais ruidoso
Dos fregueses da casa: ao obsceno canto
Ninguém prestava mais lascivo encanto
Ao som magoado de um violão choroso.
Ninguém prestava mais lascivo encanto
Ao som magoado de um violão choroso.
Mas o velho sentara-se distante
Da alegre turba, a vista lacrimante
Mergulhada nas chamas do brasido...
Mergulhada nas chamas do brasido...
Disse um da roda: “espanta-me o coveiro!”
— Morreu-lhe há pouco a filha...— distraído
Volveu da bisca um contumaz parceiro.
Volveu da bisca um contumaz parceiro.
★★★
LUÍS
DELFINO
“Rosas Negras” (1938)
“Rosas Negras” (1938)
Um
dia ouvi-lhe a voz chorar... Não tome
O
caso alguém por uma vã quimera:
Em
cada som a lágrima sincera,
E
em cada frase um pranto... Isso espantou-me.
Ela
até ali não fora assim... não era...
E
há dor que esta mulher altiva dome?
Mostrá-la
a dedo aos séculos quisera,
Mas
por piedade guardarei seu nome.
Que
houve então?... Menos triste agora a vejo,
Vestes
de virgem, quase a rir-se ainda:
Tem
parco, mas tristíssimo cortejo.
Na
face, que assim mesmo em morta é linda,
Leva
fundo os sinais de um beijo... o beijo
Largo
da boca azul da noite infinda...
★★★
LUÍS
DELFINO
“Rosas Negras” (1938)
“Rosas Negras” (1938)
O caixão era lindo e pequenino,
Forrado
de cetim branco por fora:
Sobre
cetim azul dormia a aurora
Dentro
na forma esbelta de um menino.
Como
festivo altar, que se decora,
Tinha
o berço galões de ouro o mais fino:
Que
sono fundo o pobre ser franzino
Ia
nele a dormir, dormindo agora.
Quatro
meninas lívidas de susto,
Segurando
as argolas amarelas,
Vão-no
levando a passo lento, e a custo.
Sob
o véu branco e as rosas das capelas,
Acham
que é tudo aquilo iníquo e injusto,
Podendo
ir, depois dele, alguma delas.
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