7/03/2018

Temas Poéticos: MÃE II


Mãe
(A Magalhães Castro)

AFONSO CELSO JÚNIOR
“Devaneios” (1876)

I
Minh'alma quando pensa
Na vida atribulada,
Na chama acerba, intensa
Da luta amargurada,

E vê a luz da crença
De nuvens circundada,
Morrer na treva densa
Da magoa desvairada,

Delira e desespera
Sem ar, sem luz, sem norte
Mais triste do que Jó:

Só nutre uma quimera
— Que a mão da negra morte
Transforme tudo em pó!

II
Mas logo um doce eflúvio
Meu ser inteiro invade:
Sossega a tempestade
Se apaga o meu Vesúvio;

Termina a escuridade
Que foge num deflúvio
E eu nado num dilúvio
De grata claridade!

Então tudo serena:
Ressurge a estrela amena
Num céu azul sem fim:

— É ela a mãe cuidosa
Que reza fervorosa
Pedindo à Deus por mim!

III
Nas asas da lembrança
Me vem seu pensamento:
Transmite-me a esperança
Me infunde o brando alento!

Então nesse momento
Que crença pura e mansa!
Que meigo sentimento
Que paz e que bonança!

E nossas duas almas
Saudosas, porém calmas
E unidas na oração,

Em místico abandono
Se prostram junto ao trono
Do Deus da Criação!

IV
Depois.... a nossa lida
De novo recomeça:
Da crença na promessa
Repousa a incerta vida,

E a prece que não cessa
De ser reproduzida
Me deixa luz querida
No seio d'alma, impressa!

Então choro sozinho
Por ela que distante
No seu contente lar,

Não sabe do carinho
Que em preito delirante
Minh'alma lhe quer dar!

V
Mas breve, em curtos dias
Oh céus! posso abraçá-la
E ouvir-lhe a doce fala:'
Que santas alegrias!

Fugi melancolias
Que o riso me avassala,
Vesti roupas de gala
Serenas fantasias.

Depois de longa ausência
Ditosos nos veremos!
— Folgai anseios meus! —

— E em terna confidencia
Contentes rezaremos
Orando ao Santo Deus!...

★★★
 
Minha Mãe

MARTINS FONTES

Beijo-te a mão, que sobre mim se espalma
Para me abençoar e proteger,
Teu puro amor o coração me acalma;
Provo a doçura do teu bem-querer.

Porque a mão te beijei, a minha palma
Olho, analiso, linha a linha, a ver
Se em mim descubro um traço de tua alma,
Se existe em mim a graça do teu ser.

E o M, gravado sobre a mão aberta,
Pela sua clareza, me desperta
Um grato enlevo, que jamais senti:

Quer dizer — Mãe! este M tão perfeito,
E, com certeza, em minha mão foi feito
Para, quando eu for bom, pensar em ti.

★★★

Minha Mãe

LUÍS DA GAMA

Era mui bela e formosa,
Era a mais linda pretinha,
Da adusta Líbia rainha,
E no Brasil pobre escrava!
Oh, que saudades que eu tenho
Dos seus mimosos carinhos,
Quando c’os tenros filhinhos
Ela sorrindo brincava.

Éramos dois — seus cuidados,
Sonhos de sua alma bela;
Ela a palmeira singela,
Na fulva areia nascida.
Nos roliços braços de ébano.
De amor o fruto apertava,
E à nossa boca juntava
Um beijo seu, que era a vida.

Quando o prazer entreabria
Seus lábios de roxo lírio,
Ela fingia o martírio
Nas trevas da solidão.
Os alvos dentes nevados.
Da liberdade eram mito,
No rosto a dor do aflito,
Negra a cor da escravidão.

Os olhos negros, altivos,
Dois astros eram luzentes;
Eram estrelas cadentes
Por corpo humano sustidas.
Foram espelhos brilhantes
Da nossa vida primeira,
Foram a luz derradeira
Das nossas crenças perdidas.

Tão terna como a saudade
No frio chão das campinas,
Tão meiga como as boninas
Aos raios do sol de abril.
No gesto grave e sombria,
Como a vaga que flutua,
Plácida a mente — era a Lua
Refletindo em Céus de anil.

Suave o gênio, qual rosa
Ao despontar da alvorada,
Quando treme enamorada
Ao sopro d’aura fagueira.
Brandinha a voz sonorosa,
Sentida como a Rolinha,
Gemendo triste sozinha,
Ao som da aragem faceira.

Escuro e ledo o semblante,
De encantos sorria a fronte,
— Baça nuvem no horizonte
Das ondas surgindo à flor;
Tinha o coração de santa,
Era seu peito de Arcanjo,
Mais pura n’alma que um Anjo,
Aos pés de seu Criador.

Se junto à cruz penitente,
A Deus orava contrita,
Tinha uma prece infinita
Como o dobrar do sineiro,
As lágrimas que brotavam,
Eram pérolas sentidas,
Dos lindos olhos vertidas
Na terra do cativeiro.

★★★

Mãe

ANTERO DE QUENTAL

Mãe - que adormente este viver dorido,
E me vele esta noite de tal frio,
E com as mãos piedosas até o fio
Do meu pobre existir, meio partido...

Que me leve consigo, adormecido,
Ao passar pelo sítio mais sombrio...
Me banhe e lave a alma lá no rio
Da clara luz do seu olhar querido...

Eu dava o meu orgulho de homem - dava
Minha estéril ciência, sem receio,
E em débil criancinha me tornava,

Descuidada, feliz, dócil também,
Se eu pudesse dormir sobre o teu seio,
Se tu fosses, querida, a minha mãe!

★★★

À minha mãe

LEONOR POSADA
"Plumas e Espinhos" (1926)

I
Minha Mãe, minha límpida alegria!
Com que orgulho ante os mais eu te proclamo
minha Santa entre toda a liturgia,
do Bem piedoso e perfumado ramo!

Para o amargor do pranto que derramo,
tens sido, Mãe, a mão que acaricia;
e nas ingratidões, em que me enramo,
do sol a doce e deslumbrante estria...

Bela entre as belas, Mãe, tua nobreza
faz do meu Sonho a comovida presa
e os que te cercam, de fulgor fascina...

Pudesse eu te mostrar a todo o mundo
com esse orgulho sem par, grande e profundo,
de Mãe que mostra a filha pequenina...

II
Sempre ocultei meus versos torturados
dos teus olhos de Mãe — perscrutadores!
Eram feitos e em lágrimas banhados
e amargavam com o fel de muitas dores.

Eu, que tinha no rir tantos fulgores
e tanta luz nos olhos deslumbrados,
como mostrar-te, Mãe, meus dissabores
e meus anseios tão mal compensados

Por isso eu tos vedava... Mas agora
dou-tos e sabe Deus como a alma chora
ao desvendar-te tudo quanto fiz;

pois lendo-os, perderás (e eu não queria
toldar uma só vez tua alegria)
— a ilusão de que sempre fui feliz!...


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