7/05/2018

Temas Poéticos: MANHÃ - II


Manhã do Norte

BARBOSA DE GODOIS
“Távola do bom humor, Sonetos maranhenses” (1923)

Manhã do norte! Quanto és linda e bela
irisada de luz ! Quanta alegria
com teu sol fulgurante que irradia
de sublime beleza tantas tela!

Não tens das névoas a sombria umbela
que o sol oculta, e esta algidez doentia
que o coração e a alma nos esfria
com esta temperatura que enregela.

Oh! Quanto a natureza nesta plaga
é diversa da nossa! E quanto esmaga
a quem n'outra viveu e a não esquece!

O teu sol que ilumina benfazejo
a tudo afaga com seu ardente beijo
e a nossa vida com sua luz aquece!

★★★

Manhã de Verão

OLAVO BILAC
“Alma inquieta” (1888)

As nuvens, que, em bulcões, sobre o rio rodavam,
Já, com o vir de manhã, do rio se levantam.
Como ontem, sob a chuva, estas águas choravam!
E hoje, saudando o sol, como estas águas cantam!

A estrela, que ficou por último velando,
Noive que espera o noivo e suspira em segredo,
— Desmaia de pudor, apaga, palpitando,
A pupila amorosa, e estremece de medo.

Há pelo Paraíba um sussurro de vozes,
Tremor de seios nus, corpos brancos luzindo...
E, alvas, a cavalgar broncos monstros ferozes,
Passam, como num sonho, as náiades fugindo.

A rosa, que acordou sob as ramas cheirosas,
Diz-me: "Acorda com um beijo as outras flores quietas!
Poeta! Deus criou as mulheres e as rosas
Para os beijos do sol e os beijos dos poetas!"

E a ave diz: "Sabes tu? Conheço-a bem... Parece
Que os Gênios de Oberon bailam pelo ar dispersos,
E que o céu se abre todo, e que a terra floresce,
— Quando ela principia a recitar teus versos!"

E diz a luz: "Conheço a cor daquela boca!
Bem conheço a maciez daquelas mãos pequenas!
Não fosse ela aos jardins roubar, trêfega e louca,
O rubor da papoula e o alvor das açucenas!"

Diz a palmeira: "Invejo-a! ao vir a luz radiante,
Vem o vento agitar-me e desnastrar-me a coma:
E eu pelo vento envio ao seu cabelo ondeante
Todo o meu esplendor e todo o meu aroma!"

E a floresta, que canta, e o sol, que abre a coroa
De ouro fulvo, espancando a matutina bruma,
E o lírio, que estremece, e o pássaro, que voa,
E a água, cheia de sons e de flocos de espuma,

Tudo, — a cor, o clarão, o perfume e o gorjeio,
Tudo, elevando a voz, nesta manhã de estio,
Diz: "Pudesses dormir, poeta! No seu seio,
Curvo como este céu, manso como este rio!"

★★★

Manhã no campo

AUTA DE SOUZA
“Poesias”

Estendo os olhos pelo prado a fora:
Verdura e flores é o que a vista alcança...
— Bendito oásis onde o olhar descansa
Quando saudades do passado chora.

Escuto ao longe uma canção sonora.
Voz de mulher ou, antes, de criança
Entoa o hino branco da Esperança,
Hino das aves ao nascer da Aurora.

Por toda parte risos e fulgores
E a Natureza desabrochando em flores,
Iluminada pelo Sol risonho,

Recorda um’alma diluída em prece,
Um coração feliz que inda estremece
À luz sagrada do primeiro sonho!

★★★

Uma manhã, no golfo de corinto…

ANTÔNIO PATRÍCIO

Uma manhã, no golfo de Corinto,
comemos grandes cachos-moscatel.
O mar, de leite e azul, tinha veios de absinto;
e o teu corpo, ao sol, como um sabor a mel.

Enlaçamo-nos nus entre loureiros-rosas,
róseos e brancos, alternando, até à praia.
— Não tornam mais a vir as horas dolorosas:
sumiram-se ao cair subtil da tua saia.

E boca contra boca, a sorver bagos de âmbar,
bem brunidos de sol, e sempre a arder em sede,
assim ficamos nós até que veio a tarde
deitar-nos devagar sua mística rede.

Mostraste-me a sorrir, no golfo, uma medusa:
“Queria viver assim, disseste, a vida toda.”
Tínhamos vinho com resina numa infusa,
e bebemo-lo os dois para acabar a boda.

Fomos nadar depois: a água era tão densa,
que nos trazia mornamente, ao colo,
num puro flutuar, beatitude imensa,
entre reflexos, a arrolar, de rolo em rolo…

★★★

Manhãs

MELCHIADES DOS SANTOS.
“Távola do bom humor, Sonetos maranhenses” (1923)

Surge risonha a luz da madrugada
Banhando as flores e banhando as franças,
O céu se enche de fulgidas nuanças,
Corre cantando a brisa embalsamada.

Modula terna a alegre passarada,
Tinem os guizos das garrulas crianças,
Bailam mais longe as ovelhinhas mansas,
Passa ligeira a rude cavalgada.

Essas manhãs bonitas e tocantes
São para ti, de purpuras brilhantes,
São para ti, angélicas serenas:

E para mim pojadas de pavores,
Manhãs que deixam tenebrosas dores,
Manhãs que deixam tenebrosas penas.


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