7/05/2018

Temas Poéticos: SONHO - I


Um Sonho

MACIEL MONTEIRO

Ao embarque e partida de uma Senhora.
Ela foi-se! E com ela foi minh’alma
n’asa veloz da brisa sussurrante,
que ufana do tesouro que levava,
ia... corria... e como vai distante!
Voava a brisa e no atrevido rapto
frisava do Oceano a face lisa:
eu que a brisa acalmar tentava insano,
com meus suspiros alentava a brisa!

No horizonte esconder-se anuviado
eu a vi; e dois pontos luminosos
apenas onde ela ia me mostravam:
eram eles seus olhos lacrimosos!

Pouco e pouco empanou-se a luz confusa,
que me sorria lá dos olhos seus;
e d’além ondulando uma aura amiga
aos meus ouvidos repetiu adeus!

Nada mais via eu, nem mesmo um raio
fulgir a furto a esperança bela;
mas meus olhos ilusos descobriram
numa amável visão a imagem dela.

Esvaiu-se a visão, qual nuvem áurea
ao bafejar da vespertina aragem;
se aos olhos eu perdia a imagem sua,
no meu peito eu achava a sua imagem.

Ela foi-se!... E com ela foi minh’alma
na asa veloz da brisa sussurrante,
que ufana do tesouro que levava,
ia... corria... e como vai distante!

★★★

Sonho

JUNQUEIRA FREIRE

Era um bosque, um arvoredo,
Uma sagrada espessura,
— Mitológica pintura
Que o romantismo não faz.
Era um sítio tão formoso,
Que nem um pincel romano,
Nem Rubens, nem Ticiano
Copiariam assaz.

Ali pensei que sonhava
Com a donzela que me inspira,
Que põe-me nas mãos a lira,
Que põe-me o estro a ferver;
Que me acalenta em seu colo,
Que me beija a vasta crente,
Que me obriga a ser mais crente
No Deus que ela julga crer.

Sonhei com a visão dourada,
Que todo o poeta sonha,
— Ideia gentil, risonha,
Tão poucas vezes real!
Que só, com o peito abafado,
Se vai de noite em segredo
Contar no denso arvoredo
Ao cipreste sepulcral.

Mas, despertando do sonho,
Que aos homens não se revela,
Achei comigo a donzela,
Me apertando o coração,
E ainda presa a meus lábios,
Entre um riso, entre um gemido,
Murmurou-me ao pé do ouvido
— Que não era um sonho, não. —

E não mais, enquanto vivo,
Deixarei esta espessura,
— Mitológica pintura
Que o romantismo não faz.
Era um sítio tão formoso,
Que nem o pincel romano,
Nem Rubens, nem Ticiano
Copiariam assaz.

★★★

Dentro do Sonho

ALBERTO DE OLIVEIRA

Tanto de sonho lhe hão chamado a vida
Que por sonho eu a tenho e me convenço
Que tudo nela é sonho, breve ou extenso,
Pouco importa, querida.
Foi sonho aquela vez primeira que nos vimos,
A última sonho foi; sonho o primeiro abraço
Em que os dois nos unimos;
Sonho o dia em que tu entraste por meu braço
Num templo, e logo após na casa que foi nossa;
Sonho o ver-me então moço e o ver-te também moça...
Vinte anos todos de felicidade!
E de improviso tudo acaba, tudo...
Mas esta dor sem fim, esta saudade,
Aquele golpe rudo,
Tredo e medonho,
- Devo-me conformar - não passou tudo
De um sonho que sonhei dentro do grande Sonho.

★★★

Balada do Sonho
(A Ceci Pessoa)

LEONOR POSADA
"Plumas e Espinhos" (1926)

Sonhei-me castelã. Dos meus domínios
de léguas em redor, eu era a prenda
dos sonhos, dos ridentes vaticínios,
a princesa gentil de uma legenda.
Versos de amor, em perfumada renda,
vinham a mim, como o maior tesouro,
e eu preferia à límpida oferenda:
meu castelo feudal, meu pajem louro.

Cavaleiros audazes, apolíneos
deixavam a meus pés doces comendas,
e invocavam, em ternos patrocínios,
meu nome, meu olhar, à morte horrenda.
E eu alheia, nos olhos tendo a venda
de um sonho azul, — um lindo sorvedouro,
preferia à ardorosa referenda,
no castelo feudal, meu pajem louro.

Mas um dia (meus sonhos examine-os
quem ao ler estes versos se arrependa)
um dia, pondo o sol os seus flamíneos
raios por sobre o eirado da fazenda,
um corpo viu tendo uma larga fenda
no peito; e o olhar parado — uns olhos de ouro
E eu perdi a alegria de uma lenda
vendo a morte levar meu pajem louro.

Desci a ponte eril. E esplêndida vivenda
abandonei, deixando o meu tesouro...
E busquei esquecer, de um claustro, à tenda,
meu castelo feudal... meu pajem louro...

★★★

Sempre o Sonho

CRUZ E SOUZA
“Últimos Sonetos” (1905)

Para encantar os círculos da Vida
É ser tranquilo, sonhador, confiante,
Sempre trazer o coração radiante
Como um rio e rosais junto de ermida.

Beber na vinha celestial, garrida
Das estrelas o vinho flamejante
E caminhar vitorioso e ovante
Como um deus, com a cabeça enflorescida.

Sorrir, amar para alargar os mundos
Do Sentimento e para ter profundos
Momentos de momentos soberanos.

Para sentir em torno à terra ondeando
Um sonho, sempre um sonho além rolando
Vagas e vagas de imortais oceanos.

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