7/05/2018

Temas Poéticos: TARDE - II


Ao cair da tarde

EMILIANO PERNETA

Agora nada mais. Tudo silêncio. Tudo.
Esses claros jardins com flores de giesta,
Esse parque real, esse palácio em festa,
Dormindo à sombra de um silêncio surdo e mudo…

Nem rosas, nem luar, nem damas… Não me iludo,
A mocidade aí vem, que ruge e que protesta,
Invasora brutal. E a nós que mais nos resta,
Senão ceder-lhe a espada e o manto de veludo?

Sim, que nos resta mais? Já não fulge e não arde
O sol! E no covil negro desse abandono,
Eu sinto o coração tremer como um covarde!

Para que mais viver, folhas tristes de outono?
Cerra-me os olhos, pois, Senhor. É muito tarde.
São horas de dormir o derradeiro sono.

★★★

Tarde na praia
(A Leal de Sousa)

EMÍLIO DE MENEZES

Quando, à primeira vez, lhe via grandeza,
Foi nos tempos da longe meninice.
E quedei-me à mudez de quem sentisse
A alma de 'pasmos e terrores presa.

Depois, na mocidade, a olhá-lo, disse:
É moço o mar na força e na beleza!
Mas, ao dia apagado e à noite acesa,
Hoje o sinto entre as brumas da velhice.

Distanciado de escarpas e barrancos,
Vejo-o a morrer-me aos pés, calmo, ao abrigo
Das grandes fúrias e os hostis arrancos.

E ao contemplá-lo assim, tristonho digo,
Vendo-lhe, à espuma, os meus cabelos brancos:
O velho mar envelheceu comigo!

★★★

De tarde

CESÁRIO VERDE

Naquele “pic-nic” de burguesas,
Houve uma coisa simplesmente bela,
E que, sem ter história nem grandezas,
Em todo o caso dava uma aguarela.

Foi quando tu, descendo do burrico,
Foste colher, sem imposturas tolas,
A um granzoal azul de grão-de-bico
Um ramalhete rubro de papoulas.

Pouco depois, em cima duns penhascos,
Nós acampamos, inda o sol se via;
E houve talhadas de melão, damascos,
E pão de ló molhado em malvasia.

Mas, todo púrpuro, a sair da renda
Dos teus dois seios como duas rolas,
Era o supremo encanto da merenda
O ramalhete rubro das papoulas.

★★★

Coisas da tarde

LUÍS DELFINO
"Algas e Musgos" (1927)

Era o disco do sol, no poente, um forno
Aberto, a chama calma, e cor-de-rosa:
E a lua, uma camélia branca, adorno
Que tinha a tarde azul na trança ondosa.

Criara o amor o acaso, e a voluptuosa
Hora, e o lugar, e o monte escuso, em torno
Do qual as vagas, num marulho morno,
Gemiam, como quem ou sofre ou goza.

Profundamente um cheiro glauco e amargo
Aspirávamos nós, num beijo insano...
Num beijo insano, demorado, largo.

Fugia ao longe um barco a todo pano...
E era uma dor sumir-se... sem embargo
De quanta verde luz enchia o oceano...

★★★

Pela tarde

LUÍS DELFINO
“Algas e Musgos” (1927)

...quoedam flere voluptas...
Ovídio

Num assento de mármore, que doura
O tempo, e o sol, que vai passando, olhá-la
É ver a tarde triste e cismadora
Diante de um verde, que flutua e a embala.

Velho raio de luz desce a animá-la:
É a brancura numa sombra loura,
Como num quadro, cujo fundo fora
Pensado adrede por quem quer pintá-la.

Arfa o silêncio no seu rosto lindo,
Enquanto os olhos seus pairam pregados
No azul, mais forte sempre, o céu tingindo.

E ao barulho dos leques espalmados,
Vê, sem ver, os pavões, que vão subindo
Dois a dois, beira a beira dos telhados...


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