9/30/2018

Leôncio Correia - "Rosas Negras" (de Luís Delfino)


Acerca do "Rosas Negras"

O último livro de Luís Delfino, Rosas Negras, constante de cerca de quinhentos sonetos do grande poeta, lê-se num contínuo enlevo espiritual, de tantos deles ressaltam belezas e originalidade.

Luís Delfino fez de sua casa, o velho casarão de dois andares da Rua do Lavradio, quase fronteiriço da maçonaria, durante os anos de 1883 a 1889, o tempo onde se reuniam os sacerdotes da harmonia. Valentim Magalhães, em Notas à margem, seção que sustentava diariamente nas colunas da Gazeta de Notícias, foi quem, em crônicas sucessivas, chamou a atenção dos intelectuais para a interessante figura desse poeta que, tendo já espalhado o nome através dos jornais e revistas cariocas, vivia — astro solitário — "envolvido no seu orgulho como num manto de rei". E eis, dentro em pouco transformado em parnaso a sala de visitas do lírico das Três irmãs. E ele começou a crer no amor e na admiração do mais notável grupo literário com que já condecorou o Brasil, e as suas poesias principiaram a entrar em voga. Olavo Bilac e Emílio de Menezes, que sabiam, ao dizer versos, dar-lhes toda a vida e todo o encanto que escapam ao comum dos intérpretes, declamavam do mestre as poesias e os admiráveis sonetos. Alberto de Oliveira, com a sua voz pausada e grave, declamava carinhosamente os versos do cantor de Fornarina. Raimundo Correia e Artur Azevedo dedicaram-lhe magníficos sonetos. Osório Duque Estrada — o guarda noturno da literatura nacional — levou, posteriormente, o nome de Luís Delfino a várias partes do país através de uma conferência que fez época. Era a consagração da arte pela arte. Delfino, porém, a despeito de ser um vitorioso, mantinha-se todo dentro das colunas de jornais e revistas. Somente em 1889, logo após a proclamação da República, aparece, em elegante plaquete, um conto messiânico da grande revolução política e social, que ele impregnou de surtos audaciosos e de uma profunda emotividade.

Não fora, pois a comovida e enternecida piedade filial de Tomás Delfino, e — quem sabe? — estaria possivelmente perdida uma safra de ouro dos mais ótimos frutos espirituais.

Rosas negras são o cetim dos volumes de obras póstumas do glorioso poeta, feitos publicar pelo seu ilustre filho. Mas, em Rosas Negras só o que não há são negras rosas. Tudo aí é claro ou flamejante. Rosas dignas de ornar eleitos das Musas e ornar seios de santas. Rosas sem espinhos. Rosas de aromas suavíssimas.

Lá está, entre elas, aquela que todos nós aspiramos com delícia:

UBIS NATUS SUM

Na Rua Augusta, em Santa Catarina,
A cama em cima de uns pranchões de pinho,
Aí nasci, aí foi o humilde ninho
De uma criatura mórbida e franzina.

Nos fundos de uma loja pequenina,
O lençol branco a arder na luz do linho.
Da minha mãe, da minha mãe divina
Tive o primeiro tépido carinho.

Meu pai foi sempre a honra em forma humana.
Tinha a virtude máscula e romana,
Não era austero só, era feroz,

Trabalhava incessante noite e dia,
Como um leão seu antro defendia,
E era uma pomba para todos nós...

Não há eufemismo nem excesso de pompa vocabular na afirmação categórica de que Luís Delfino, romântico, lírico, condoreiro, parnasiano, teve, em todas as batalhas artísticas, um indisputável posto de comando. Ele foi a opulenta fonte em que se abeberaram muitos dos nossos mais consagrados tangedores de lira. E ficará na história da nossa evolução no lugar de relevo ao qual somente atingem os diletos da glória.


LEÔNCIO CORREIA
Revista “O Malho”, 1 de dezembro de 1939.

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