Chegávamos a 1881.
O cartaz literário do ano festejava um nome novo: B. Lopes, —
nascido Bernardino da Costa Lopes, a 19 de janeiro de 1859, em Rio Bonito,
Município de Boa Esperança, no Estado do Rio de Janeiro.
O livrinho com
que se estreara — Cromos — mostrava um poeta amante da
natureza, encantado da vida simples. Versos perfeitos, ideia singela.
Eram pastorais em quadros bucólicos, e interiores, em cenas familiares.
Como a maioria dos nossos homens
de letras. B. Lopes era de condição
humilde, o que mais o enobrece na situação em que o talento o distinguiu. Foi
caixeiro e fez com sacrifício o curso de humanidades.
Uma grande paixão deliberou a sua vida: fora sua prima Chandoca
Lopes, moça e bonita, violinista e poetisa,
— alma-irmã do poeta, — a cujo destino não pudera unir-se devido a
escolhas de família e preconceitos de raça.
Por essa ocasião abandonou Sant'Ana de Japuíba, onde residia,
transportando-se para o Rio.
Ali prestou exames num concurso
para o Correio Geral, sendo brilhantemente classificado.
Casou-se com D. Cleta Vitória de
Macedo, que lhe sobreviveu, morrendo em 1932. Desse consórcio houve cinco filhos:
André Gil, Pedro Paulo, Alcides, Amaro e Bernardino.
A princípio bom esposo,
apaixonou-se, mais tarde, por aquela a quem chamou "Sinhá Flor". À filha de sua amante apelidou
"Sinhá Botão".
Desde essa época deu-se à bebida.
B. Lopes teve um destino infeliz. Na repartição em que trabalhava foi vítima de uma queda,
tendo ficado gravemente ferido na cabeça.
Não restabelecido ainda do ferimento, para aumentar-lhe a desdita,
sobreveio-lhe a epilepsia, que o martirizava em ataques que duravam, às vezes,
três dias.
Mesmo assim continuava na vida boêmia: mulheres, versos e vinho.
Condena-se em B- Lopes a sua
admiração pela nobreza, fazendo quase sempre da imagem feminina de
seus versos uma aristocrata, tal fora ele próprio um fidalgo.
A poesia de B. Lopes, acoimado
de ignorante pelos seus desafetos, coloca-o
entre os bons poetas da nossa terra.
Nada lhe falta para justificar
esse título, pois que, além do apuro da linguagem
e da forma, as comparações fidalguescas fazem-no exceder-se em imaginação.
Grande poeta é aquele que, dormindo em mansarda, pobre e sem
carinho, é capaz de traçar uma página em que se diga recostado em coxim de
púrpura, contemplando, nas espirais do fumo, uma princesa na mulher amada, que é
na maioria dos casos uma simples costureirinha que nem sequer o olha.
Pois não é o poeta que transforma em maravilhas os
objetos vulgares?...
Para que se conheça quanta admiração despertavam os versos desse a
quem João Ribeiro incluiu no rol "dos maiores poetas da nossa geração",
basta dizer que a coleção de poemas e sonetos — Cromos — em nova edição (1896), foi em pouco tempo, completamente
esgotada.
B. Lopes, acusado falsário do gênero em que vitoriosamente se estreara, não fez mais
que seguir a evolução do pensamento e subordinar-se à corrente literária então
em voga — a dos parnasianos brasileiros, que, na generalidade, não puderam
fugir aos arroubos da emoção, nem ao luxo das imagens históricas.
B. Lopes, porque amasse duquesas
em seus poemas, era considerado um perjuro da simplicidade que primeiramente
louvou.
Alberto de Oliveira, todavia,
caiu, também, nesse pecadilho, embora se regenerasse
depois.
Apesar de não nos parecerem gemas preciosas, mas simples
aquarelas, as produções de B. Lopes têm um característico próprio. É o seu
maior mérito.
Já agora, bem encaminhado na burocracia, como 1º oficial do Correio Geral,
passa a ser invejado. Vê-se nele, porque nascera no interior, o jeca que se
enfatiota na cidade, sem se ajeitar ao trajo novo.
Essa estranha maneira de vestir,
— bombacha, grande laço de gravata, chapéu
de abas largas, — dá-lhe na verdade a aparência de um roceiro querendo ditar
elegância.
"Alto, moreno, forte, não mostra na máscara rija e semibárbara de sua bem
marcada face, a alma de um vate ou de um sonhador. Seus olhos vivos demais,
verrúmicos, coriscam". Assim o retrata Luís Edmundo. E a pena por excelência
do poeta e historiador acrescenta: "Falta ao físico do poeta certa expressão
de candura lírica".
B. Lopes era, realmente, a
figura de um Otelo provinciano.
Foi o autor de O Rio
de Janeiro do meu tempo quem nos contou este interessante episódio em que, mais uma vez, vemos B. Lopes caricaturando.
Emílio de Meneses, tendo tido com ele uma rusga, desenhou-lhe o perfil:
Empertigado
malandrim pachola
De polainas, monóculo e bombachas,
Mandou pôr nas botinas meia sola
E abandonou de vez Porto das Caixas.
De polainas, monóculo e bombachas,
Mandou pôr nas botinas meia sola
E abandonou de vez Porto das Caixas.
B. Lopes era um homem de espírito. Nada ficava a dever aos que o feriam com ironia.
Com a mesma felicidade, retrucou
ao nosso boêmio número 1:
Esse
que a forma lembra de uma pipa
Das que vazam cachaça em vez de vinho,
Esse monstro de palha e de toucinho,
De pouco cérebro e de muita tripa...
Das que vazam cachaça em vez de vinho,
Esse monstro de palha e de toucinho,
De pouco cérebro e de muita tripa...
Diz Afrânio Peixoto: "B. Lopes, poeta de quem aqui ninguém faz
caso, é uma admiração minha!".
Em 1886, publicou Pizzicatos — esgotado.
Em 1890 escreveu o poemeto Dona Cármen.
Brasões, oferecido
a seus pais, ilustrou o ano de 1895, com a tiragem de 2.000 exemplares.
O autor teve a glória de vê-lo esgotado, quinze dias após a publicação.
Em 1899, veio a lume Sinhá Flor, — "pela
época dos crisântemos".
É uma homenagem à "mais bonita flor de Pernambuco", para
quem burilou "uma régia coroa de sonetos".
A musa cabocla do poeta
enflora-lhe o estro:
Quando
consertas os cabelos pretos
Abre-se em lírios e harpas todo o solo.
Toda a minha alma em rosas e sonetos.
Abre-se em lírios e harpas todo o solo.
Toda a minha alma em rosas e sonetos.
"Sinhá Flor", que o arrebatou da esposa, teve a
glória de ser cantada, imortalizada .
No soneto nº VI do livro que lhe dedicou, B. Lopes expande todo
o seu orgulho de homem amoroso:
Certo,
ao lerem-me, dizem: Quem é
esta
Criatura fragrante, elfo risonho,
Flórida argila, realidade ou sonho.
Que a alma deste cantor põe tanto em festa?
Criatura fragrante, elfo risonho,
Flórida argila, realidade ou sonho.
Que a alma deste cantor põe tanto em festa?
Que
o Estro lhe torna em víride
floresta
Com orquídeas e pássaros?... Oponho:
É um ser eleito, pálido e tristonho.
Com o diadema de Flora sobre a testa;
Com orquídeas e pássaros?... Oponho:
É um ser eleito, pálido e tristonho.
Com o diadema de Flora sobre a testa;
Toda
a expressão
da Forma, o alto requinte
Da graça helena, que não há quem pinte.
Nem cinzel mestre que lhe apanhe a linha;
Da graça helena, que não há quem pinte.
Nem cinzel mestre que lhe apanhe a linha;
Fatia
estranha e gentil de mãos
de prata
Que para o amor e a glória me arrebata
Num bailado de crótalos. É minha!
Que para o amor e a glória me arrebata
Num bailado de crótalos. É minha!
Nos primeiros meses do século XX, sua alma, ânfora de lirismo, espargiu em Vale de Lírios — "Nec semper lilia
florent" — perfumes extraídos do Simbolismo.
Notam-se em B. Lopes
rasgos crescentes de carinho:
Mãe! Só no estado de Graça Plena
Desenhar posso tua feição,
Sobre uma hóstia, molhando a pena
No coração.
Mãe! Só no estado de Graça Plena
Desenhar posso tua feição,
Sobre uma hóstia, molhando a pena
No coração.
Vale de Lírios é,
por vezes, monótono, inexpressivo, onde ele ama com reticências como querendo
ocultar-se do mundo exterior, fruindo "a volúpia de um caracol".
O amor era coisa tão estranha para a sua alma vária que, diante dele,
não se julgava mais que "miserável verme".
Depois que Sinhá Flor o abandonou, arrependido, tornou ao lar.
Em 1901 publicou Helenos (sonetos) que subdenominou: "Lírios de catorze pétalas" .
Despetalou-os em carícias, amor, enlevo e graça, sobre Cleta Vitória. Nem
poderia ser outro o livro que dedicasse à esposa tão boa.
É então que a alma do poeta se posta de joelhos ante o
santo amor conjugal:
JURAS
Tenha
eu vermes na boca, se algum dia
— Após beijar-te da cabeça às plantas —
Diante de outra, a não ser aos pés das santas,
Deixou ela de estar cerrada e fria;
— Após beijar-te da cabeça às plantas —
Diante de outra, a não ser aos pés das santas,
Deixou ela de estar cerrada e fria;
Tenha
eu treva nos olhos, se algum dia,
Desde que os olhos para mim levantas,
Outra notei no turbilhão de tantas
Cheias de mocidade e louçania.
Desde que os olhos para mim levantas,
Outra notei no turbilhão de tantas
Cheias de mocidade e louçania.
Tenha
eu puas no ouvido, se algum dia,
Ainda a escutar o teu romance triste,
Outra voz o acordou, franca ou discreta:
Tenha eu garras ao peito, se algum dia,
Depois que ao meu o teu no abraço uniste,
Bateu por outra o coração do poeta!
Ainda a escutar o teu romance triste,
Outra voz o acordou, franca ou discreta:
Tenha eu garras ao peito, se algum dia,
Depois que ao meu o teu no abraço uniste,
Bateu por outra o coração do poeta!
Em 1905 editou Plumário, do gênero delicioso adotado em nossos dias por Júlio
Dantas, transformando vultos femininos quaisquer em perfis aristocráticos.
São cenários de amor em versos, como plumas sobre a sensibilidade.
O poemeto Punhal é
de muita vibração. Tudo faria pelo
amor, como Herodes — se sua Salomé lhe pedisse algo.
O punhal é de prata,
Tem meu nome no cabo e na bainha,
Com sinistros lavores de obra minha.
Triste daquele, triste do mortal
Que ela apontando me dissesse — mata!
— Eu lhe traria, como flor exangue,
Eu lhe traria, bêbedo de sangue,
O coração na ponta do punhal!
B. Lopes é na verdade um poeta, o poeta dos lírios.
Repetimos: Como conseguiu
distanciar a vida privada, horrível, infeliz, dos
versos meigos, alegres, felizes, faustosos!?
Foi invejado, apesar de epilético, desgraçado.
A humanidade tem dessas incompreensões!
Quem o visse na rua não o reconheceria em suas estrofes encantadoras. O
parnasiano perfeito, correto, era o boêmio agitado, incorrigível, insensato.
De uma feita, querendo prestar
uma homenagem a certa pessoa de projeção
no cenário político do país, B. Lopes dedicou-lhe alguns versos, usando de
expressões impróprias.
Devido a essa leviandade, foi
tido como louco, tendo passado alguns dias no Hospício.
Voltando à sociedade, tornou a
embriagar-se como para apagar a dor de uma existência sem rumo, agitada.
O poeta colaborava em O Cruzeiro, Gazeta da Trade, O País, Gazeta
de Noticias.
Já aposentado, corroído pelos anos e pelos males, faleceu numa segunda-feira,
18 de setembro de 1916, na casa da Rua Cesária nº 12, no Engenho de Dentro.
É patrono da cadeira de Maurício de Lacerda na Academia Fluminense de Letras.
Foi um espírito interessante, irônico, contraditório, sem
controle como todo talento exuberante.
No testemunho desse mestre
ilustre de medicina legal e de literatura, que é Afrânio Peixoto, nota-se quanto era displicente, em vez de
orgulhoso, o pobre sonhador, sem ambições maiores.
Contou-nos o autor de Maria Bonita que ao ser convidado para
participar do grupo de membros da Academia Brasileira de Letras, — a maior honra que pode almejar um intelectual, B.
Lopes respondera, laconicamente:
"Não
quero, não! Já sou do Correio Geral!"
ÁLVARO F. SALGADO
Revista Cultura Política, fevereiro de 1942.
Pesquisa, transcrição e adaptação ortográfica: Iba Mendes (2018)
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