11/15/2018

A involução do homem (Conto), de Iba Mendes



A INVOLUÇÃO DO HOMEM 

Milhares de anos nos separam dos remotíssimos primórdios do século XXI, quando se deu o pavoroso vaticínio do grande oráculo de Darwin, cognominado à época de o Dedolucionista: “E boa parcela da população terá menos dedos nos pés e nas mãos!...”

O presságio, outrora desacreditado e ridicularizado por seu aspecto supersticioso e vaticinador, cumpre-se finalmente ante os olhos estupefatos de uma nova era da humanidade! O mundo, hoje, gira em torno dos dedos!

Nos grandes meios de comunicação, nas banais conversas entre amigos, nas sérias discussões acadêmicas, nas escolas, nos sermões nos templos, nos diálogos corriqueiros das esquinas, nas artes em geral, um só assunto impera: os dedos! Dramaticamente, os prolongamentos articulados conduziram o mundo para a mais letal das guerras!

Não obstante a sociedade esteja composta por quatro grupos de pessoas biologicamente distintas, dois deles se destacam pelo seu poder de influência, e, mais acentuadamente, por serem os monopolizadores populacionais: os dedolucionistas e os dedonormalistas.

Os primeiros são identificados por portarem apenas dois dedos, daí serem conhecidos também por bidedistas; o outro grupo, os dedonormalistas, igualmente chamados pentadedistas, por possuírem cinco dedos, é a maioria da população, a antiga reminiscência que ainda predomina entre os povos.

Além desses grupos dominantes, outros dois correm por fora na disputa por um espaço no governo mundial: os dedotransicionistas e os dedosprogressistas.

Os dedotransicionistas são aqueles que estão em processo de transição mutacional, estando evolutivamente entre os dedosnormalistas e os dedolucionistas. Já os dedoprogressistas são os que mais sofreram os efeitos das mutações evolutivas, vindo diretamente do grupo dos dedolucionistas.

O mundo, que na época do grande vaticínio, estava dividido entre várias nações, hoje está centralizado num único bloco, conhecido por Dedópolis, que tem como supremo mandatário o Dedotário, como é chamado o presidente da organização mundial.

Desde que se formou o bloco, amiúde foi liderado pelos dedonormalistas; contudo, com o constante crescimento da população dedolucionista, o poder centralizador dos dedonormalistas principiou a abalar-se.

Os dedolucionistas fortaleceram-se política e militarmente, e agora estavam prontos para a guerra; não suportavam mais o peso de tão grande opressão, recusando-se veementemente a fazer parte do jogo governamental e monopolista dos dedonormalistas opressores, contando inclusive com o apoio dos outros grupos minoritários, todos eles unidos na luta pela ascensão ao poder.

O palco da guerra estava assim armado. Esgotaram-se os discursos; evadiram-se as propostas; dissiparam-se os acordos e as alianças; dilapidou-se, enfim, o senso de irmandade, outrora tão bem cultivado entre os homens. Agora é a luta pela prevalência do mais forte; é o império da lei de Darwin!

A batalha tem início. Os dedonormalistas sofrem, já nos primeiros dias, uma considerável baixa. Os dedolucionistas e seus aliados marcham ferozmente rumo à capital dedonormalista. Pede rendição imediata. Não há saída, os dedonormalistas entregam as armas e rendem-se. A capitulação é incondicional.

Agora no poder, os dedolucionistas ditam as normas, alteram a Constituição e decretam, por maioria de votos, a amputação dos dedos excedentes de todos os povos. Pela nova lei, nenhuma pessoa poderia ter mais que dois dedos, tanto nos pés quanto nas mãos. Havia ainda uma cláusula que ordenava o extermínio do cidadão que não se apresentasse espontaneamente, conforme calendário médico, para a remoção, num ato cirúrgico, dos dedos inúteis.

O êxito foi total. Em poucos meses, o mundo estava, enfim, bidedista. Era o triunfo final da ciência!

Todavia, como já dizia o velho Darwin, a evolução é um processo lento e contínuo, que se dá aleatoriamente por mutação mediante seleção natural, sem a intervenção humana ou de supostas forças sobrenaturais. Algumas gerações depois, foram constatados casos isolados de pessoas apresentando um só dedo, que passaram a ser chamadas de unidedistas. Aos poucos esses foram se multiplicando, passando a exercer grande influência na nova ordem mundial. Concomitantemente aos unidedistas, surgiu um outro grupo de seres humanos sem nenhum dedo, os arquidedistas. Embora pequeno, tornou-se este um grupo elitista, formado de homens influentes, intelectuais e grandes capitalistas. Acreditavam ser o resultado final do processo de aperfeiçoamento evolutivo, o estágio mais avançado de evolução do Homo sapiens.

Mediante pesados investimentos propagandistas, chegaram eles rapidamente à liderança do bloco. Já no poder, suprimiram as antigas leis e elaboraram uma nova Constituição, fundamentada no conceito de superioridade racial. Organizaram imensos campos de concentrações, para onde enviaram todos os que portavam dedos, sem exceção. Mais tarde puseram em prática um plano de extermínio universal. Era preciso higienizar o mundo, fazia-se necessário purificar a terra, diziam tomando por fundamento os avanços da nova ciência.

A continuidade do processo evolutivo, entretanto, não cessava, culminando em novas e distintas mutações. Agora havia os sem-braços, os sem-pernas, os sem-orelhas, os sem-bocas, os sem-cabeças, entre outros muitos casos bizarros e desconhecidos.

O insólito fato chegou às universidades e aos mais avançados centros de pesquisas. Cientistas de toda parte do mundo reuniram-se para estudar o estranho fenômeno. A conclusão foi uma só: o ser humano estava involuindo, e a ciência não podia interferir no processo. A Natureza suplantava assim o poderoso dístico darwiniano Natura non facit saltum, e ao seu reverso. Tudo era questão de tempo, e o homem, enfim, retornaria ao oceano primordial, no seu lendário estágio de ancestral comum universal.

Para os místicos, era o glorioso regresso do homem à sua unidade absoluta e divina, quando, por fim, abandonaria seu estágio de criatura mortal e se tornaria em eterno criador; para os céticos, contudo, tratava-se tão somente de um processo decorrente da ordem natural das coisas, sendo exclusivamente regido pelas estritas leis da natureza, e nada além disso. Seja como for, o fato é que o homem seguiria assim contra sua vontade para sua própria extinção.

Novos grupos de pesquisas foram organizados em várias nações. Objetivavam descobrir uma fórmula genética que pudesse preservar a espécie humana e desta forma reverter a involução do homem. A medida era urgente, visto que tal processo seguia-se surpreendentemente acelerado, contrário a tudo que se conhecia sobre evolução humana.

Na Inglaterra adeptos da nova Teoria da Involução anunciaram com estardalhaço uma nova descoberta que poria fim a tão anunciada e inevitável degeneração do ser humano. A notícia espalhou-se como um vírus pela face da terra. Os noticiários anunciavam que era iminente a clonagem do famoso naturalista Charles Darwin, o único com cabedal suficiente para reverter a história da involução humana.

E, de fato, clonaram Darwin! A quantidade de dedos era a única característica visível que tornava o clone distinto daquele nascido em Shrewsbury, em 12 de fevereiro de 1809. De resto, era tal qual o inglês.

O maravilhoso acontecimento fez rolhas de champanha espocar em todo o mundo. Dias seguidos os noticiários traziam detalhes daquilo que denominaram de “o retorno triunfal do grande Darwin”. Decretou-se feriado internacional durante quinze dias. Aplausos, delírios e desmaios faziam parte da rotina transmitida diariamente nos meios de comunicação. Os historiadores e os homens da ciência anunciavam o evento como o mais importante em toda a história da humanidade.

Com o andar dos anos, substituíram a estátua da liberdade pela do libertador, como passou a ser chamado o novo personagem da ciência. Realizaram-se em sua homenagem grandes produções cinematográficas, que faziam lotar as salas de cinemas. Cunharam moedas e estamparam seu rosto barbudo nas diversas cédulas emitidas pelo governo central. Grupos religiosos trataram de incluir seu nome na Bíblia, acrescentando o quinto evangelho: o Evangelho Segundo Darwin, que era uma adaptação do Evangelho de João: “No princípio era Darwin, e Darwin era o princípio. Todas as coisas serão feitas por ele, e sem ele nada poderá ser feito...”.

Em suas frequentes aparições na TV, proclamava ele com voz retumbante a chegada de uma nova Era para os remanescentes da humanidade. “Só há uma forma de preservar nossa espécie”, dizia num acalorado discurso em praça pública: “é combatendo e eliminando as espécies degradadas e inferiores, as quais, se mantidas vivas, conduzirão fatalmente as espécies dedistas à sua total extinção.” Gritos de “apoiado” e aplausos incessantes se faziam ouvir mundo afora.

Logo se tornou por aclamação geral o líder político absoluto de toda a Terra. Em seu discurso de posse, parafraseou o velho Darwin, descrevendo-se, não o clone, mas a própria encarnação do inglês. “Declaro concorrência aberta para todos os homens e faço desaparecer todas as leis e todos os costumes que impeçam os mais capazes de conseguir seus objetivos e de criar o maior número possível de infantodetistas.”

Não cessavam, porém, as novas formas de mutações, que eram imediatamente eliminadas pelos “caçadores de monstros”, nome atribuído aos que se engajavam na luta do grande Darwin, os quais manejavam com exímia habilidade as mais avançadas máquinas de extermínios.

O processo involutivo, contudo, já não podia mais ser controlado, movimentando-se cada vez mais rapidamente. O libertador parecia de dedos atados. O último censo demográfico listava apenas um milhão de pessoas na face da terra, e a Natureza continuava dando seus surpreendentes golpes. Com o decorrer dos anos, o derretimento das calotas polares tornava o espaço terreno cada vez menor. O espetacular fenômeno forçou os remanescentes a se refugiaram numa grande montanha, onde fundaram uma cidade a que deram o nome de Darwinópolis, em homenagem ao célebre libertador.

Poucos, porém, sobreviveram. Entre estes estava o próprio e poderoso clone do grande Darwin. Não havia esperança para os sobreviventes. A morte era uma questão de tempo. Com a extinção generalizada dos animais e a degradação total do solo fértil, esgotaram-se as fontes de alimentos, restando apenas a possibilidade do canibalismo, que foi posto em prática tão logo se apoderou deles a sofreguidão da fome.

A prática da antropofagia, aliada às inúmeras catástrofes naturais que assolaram a crosta terrestre, aniquilou, por fim, a espécie humana do seio da terra. O clonado, porém, por suas singulares vantagens adaptativas, resistiu aos embates, tornando-se o último sobrevivente de todo o planeta. Se não pudera salvar o mundo, ao menos nutria o grande gozo de ser o derradeiro a contemplá-lo e admirá-lo. Na atual circunstância, isso já era tudo.

Numa tentativa desesperada para escapar da morte, escalou ele o topo de um enorme penhasco. Já velho e com suas barbas longas e brancas, observava lá de cima a imensidão maravilhosa dos mares, o mover incessante das ondas, o fantástico pôr-do-sol, a chegada da noite tenebrosa... Para ele o mundo agora era um grande oceano. Deixou-se então encantar pela majestade das águas. E assim, imbuído desse encantamento e deslumbrado com a imensidão do Oceano, precipitou-se subitamente sobre ele... Ainda nadou alguns metros antes de afundar-se no abismo.

Findava-se ali a vida... Iniciava-se ali o caos primordial...

Um comentário:

  1. O Brasil precisa ur-gen-te voltar a qualidade de sua música. Desde os governos com ministérios da cultura oba-oba e porralouca, em 13 anos nossa cultura musical piorou muito. Acabaram com o tradicional e a tradição.
    O PT deu vazão para o péssimo Sertanejo Universitário, via gestão Gilberto Gil (PT).

    PT venera a Indústria Cultural. Melhor para dominar.

    Literatura e alta cultura é de que o Brasil necessita a tempo nas nossas escolas e na educação das curuminhas. E de música boa. Esteticamente boa. A frente de tudo a qualidade de 1ª. Estética. O Jogo de Cartas da Educação Infantil: Seria o bom gosto nas escolas. Tal qual Tarkovsky. Ou como o cinema antigo (de qualidade brasileiro). Eis: 1º lugar educação dos mais jovens, para se ter solidez no futuro próximo. Necessitamos muito de bons hospitais. E escolas boas para os curumins. Precisamos de alta-cultura. Alta literatura; Kafka, Drummond, Dostoievski, Machado de Assis, Aluísio Azevedo do Maranhão. De arte autônoma. E educação verdadeira nas escolas dos pequenos. O que não houve. O Brasil vive consequência de nosso passado político bem atual (2 décadas). Fome, falta de moraria, atraso, breguices, escolas ruins, falta de hospitais: concreto… O resto são frasinhas® poderosas: Eis aí a pura e profunda realidade sociológica e filosófica: A “Copa das Copas®” do PT® em vez de se construir hospitais, construiu-se prédios inúteis! A Copa das Copas®, do PT© e de lula©. Nada se fez em 13 anos para esse mal brasileiro horroroso. Apenas propagandas e propagandas e publicidade. Frasinhas. Qual o poder constante da propaganda ininterrupta do PT®? Apenas um frio slogan, o LUGAR DE FALA do Petismo® (tal qual “Danoninho© Vale por Um Bifinho”/Ou: “Skol®: a Cerveja que desce Redondo”/Ainda: “Fiat® Touro: Brutalmente Lindo”). Apenas signos dessubstancializados. Sem corporeidade. Aqui a superficialidade do PETISMO®: Signos descorporificados. Sem substância. Não tem nada a ver com um projeto de Nação. Propaganda..


    Livre do Estado nos controlando... Também!

    Todo Petista e seus puxadinhos (Renan, amante do Petismo©, o amazonense chefão lá, analfabeto, o Voz-Fina puxa saco da religião cujo nome é Petismo©, PCdoB© etc.), inclusive os puxadinhos secretos que a mídia não revelam!, ruminam direto, e sem exceção, uma vez que são GADOS do aPedeuTa lula© — o picareta — e da medíocre dilma®. Eles em vez de construírem hospitais durante a “Copa das Copas®” do PT®, construíram foi prédios inúteis. O Petismo© é puro vigarismo. E truculência.

    E o fundamentalismo do petismo? Ninguém fala ou analisa. Adoram destruir reputações como Marina, Ciro Gomes etc.

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