
Tinha acabado
de me levantar e, como diria Bandeira, tomado o café que eu mesmo preparei.
Abrir a porta, e eis ali uma estonteante surpresa! Um australopithecus sentado
sobre um velho muro, na mesma posição do “Pensador” de Auguste Rodin.
E agora?
ponderei mentalmente perplexo: telefonar para a polícia ou chamar um darwinista
especializado nesse tipo de bicho?
Não era a
primeira vez que via um australopithecus. Quando tinha cinco ou seis anos de
idade e morava no meio do mato, lembro-me de ter visto um ente igualzinho
aquele, com a diferença de que outro não estava assim tão introspectivo e com
ares de um antigo pensador grego.
Não, não irei
acionar a polícia. Talvez seja o caso de convidá-lo para tomar café e, quem
sabe, saborear mais tarde um bom churrasco ao som de “A Conquest of Paradise”.
Os australopithecus devem ter um gosto muito especial por churrasco!
Uma dúvida,
porém, veio aguçar ainda mais o meu desorientado espírito: e se ele, no seu
instinto ainda animalesco, arremessar contra mim suas garras afiadas? Meu Deus!
Um turbilhão
de ideias aflorou então minha mente confusa. Não obstante temeroso e
apreensivo, pus-me em sua direção, na expectativa de que ele fosse, se não o
próprio neandertal, ao menos seu ancestral mais próximo. Sim, quem sabe não
estaria ali a prova cabal de que tanto precisa a ciência para provar de uma vez
por toda a ancestralidade comum universal? Aproximei-me então dele e com um
sorriso de temor cumprimentei-o:
— Bom dia,
senhor australopithecus!
Neste momento
sentir minha voz embargada pela satisfação inesperada de topar com a figura de quem
tanto estudei nos livros de minha saudosa juventude.
Ele, no
entanto, permanecia estático e todo absorvido em si mesmo, assim tão excêntrico
quanto os velhos filósofos. Então insistir:
— Bom dia,
senhor australopithecus!
Encarando-o
ergui minha mão para cumprimentá-lo. Ele, porém, esquivou-se para trás, numa nítida
demonstração de que não estava disposto a monólogos ou cortesias. Que fazer?
pensei aflito.
Neste instante
um pardal, que disputava com os pombos os restos de um pão, deslocou-se voando
sobre sua cabeça:
— A vida do
homem é como a sombra de um pássaro que nos sobrevoa, balbuciou ele
introspectivamente.
Fiquei
atônito. Estava bem diante de um australopithecus filósofo! Sim, um
australopithecus filósofo!
Perguntei-lhe
então se tinha lido aquela meditação no Talmude ou se a havia extraído de algum
dos antigos filósofos gregos. A partir daí entramos no mundo dos livros, e
muitos nomes foram citados. Estranhamente, porém, em nenhum instante ele fez
menção da pessoa do naturalista inglês Charles Darwin, nem do seu livro “A
Origem das Espécies”. Curioso, indaguei-lhe:
— E Charles
Darwin, o que tens a dizer deste eminente filósofo?
Súbito ele
ergueu-se e caminhou apressadamente na direção do vento, desaparecendo logo em
seguida como um zumbi numa noite de sexta-feira.
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