RESSUSCITADO EM SÃO PAULO
Não
se sabe como, mas o fato é que, depois de cem anos enterrado, viu-se em carne e
osso e de paletó e gravata bem no centro da Avenida Paulista, na cidade de São
Paulo.
Morreu
exatamente no mesmo dia em que fora inaugurada a famosa via pública paulistana,
a oito de dezembro do ano de 1891, precisamente às 23 horas e 12 minutos,
vítima, segundo obituário da época, do “Cholera-morbus”. Fora sepultado no
Cemitério da Consolação, em cuja lápide se via escrito:
Aqui
jaz
Sebastião Alves,
homem íntegro e temente a Deus.
No
tempo em que outrora era vivo residia naquela mesma região, numa belíssima
mansão construída por obra de um famoso arquiteto italiano, inspirada nos
antigos modelos barrocos. Era homem de posse, um próspero fazendeiro, dono de
imensos cafezais na região de Ribeirão Preto, interior da Capital.
Estava,
agora, ali trajado à moda do remoto tempo, havia já alguns longos minutos. Seu
semblante fazia transparecer uma mescla de tristeza e confusão. Que havia
ressuscitado tinha poucas dúvidas, porém, sua maior hesitação consistia em
saber se estava no céu, se no purgatório ou se no inferno.
Inicialmente
acreditou que estava ali para purgar seus pecados. Quando vivo, era um homem
religioso, que frequentava regularmente à missa e que, vez ou outra, compadecia
dos necessitados com suas esmolas. É bem verdade que nos tempos passados fora
um assíduo frequentador dos lupanares, das chamadas "casas de
tolerância", as quais circundavam em abundância a imensa cidade. Este
comportamento, contudo, era naqueles idos tempos uma prática tolerada e bem
comum entre os homens sérios de família. Por isso, se não se achava digno do
paraíso, também não se via merecedor do inferno.
Em
frente a um enorme arranha-céu contemplava aquele vaivém de pessoas apressadas,
que falavam sozinhas portando estranhos objetos ao pé do ouvido; observava,
atônito, aquelas máquinas que circulavam velozmente de um a outro lado com
gente estranha dentro; escutava aquele barulho estarrecedor que incomodava seus
tímpanos e que pareciam anunciar a chegada do juízo final. Então imaginou que
poderia está no mundo subterrâneo das almas perdidas. Para se certificar disso
procurou encontrar algo que se assemelhasse à figura do demônio, com chifres,
rabos, olhos fumegantes e asas. Neste instante um enorme objeto com asas
cortava os céus da imensa Avenida, foi quando aventou a ideia de que poderia
está entre anjos em alguma parte do éden celestial.
Um
turbilhão de pensamentos desordenados aflorou sua mente perplexa, ficando ali
quase que imobilizado, sem saber o que fazer, para onde ir e a quem pedir
socorro, se é que poderia fazê-lo. Não podia conjecturar a hipótese de estar no
lugar onde outrora vivera com a mulher e seus oito filhos, e onde construíra um
patrimônio que lhe rendera títulos e méritos...
Enquanto
andava notou, por fim, alguma coisa que lhe parecia ser familiar. Era o belo
Parque Trianon, um oásis verde bem no meio do caos de concreto de São Paulo.
Ficou ainda mais perplexo, e já não podia atinar com alguma razão se ali era o
purgatório, se o céu ou o inferno.
Calado
e se sentindo totalmente exposto ao abandono, andou mais um pouco e,
estupefato, leu numa placa azul os seguintes letreiros: Avenida Paulista. Neste instante ponderou mentalmente que de fato poderia
está no lugar onde vivera e morrera, e então seu coração se alegrou
sobremaneira.
Mas
o que fazer?... Se realmente estivesse voltado ao mundo dos mortais,
encontraria ele algum parente vivo?... E os herdeiros da sua linhagem, por onde
andariam? Logo, porém, estremeceu ao julgar, segundo certas probabilidades
mentais, que não encontraria mais ninguém de sua família, e chorou
copiosamente.
Seguiu
adiante e entrou na Rua da Consolação. Andou mais um pouco e parou em frente ao
portão do cemitério, reconhecendo-o como o local provável de seu antigo sepultamento.
Já dentro do campo santo, percorreu todos os recintos, até que, estupefato, parou
diante de sua própria tumba. Durante alguns minutos conservou-se ali na mesma
posição, com os olhos arregalados e fitando bem o sepulcro. De repente um raio
rasgou o céu, e um enorme trovão o fez despertar daquele lúgubre letargo. Então
seu coração acelerou, suas mãos frias tremeram, seu rosto empalideceu e sua
respiração cessou... Súbito! tomba no chão úmido e morre pela segunda vez...
Excelente!
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