Em caminho do Sertão
Bardo ou Poeta, cujas
rimas
são da poesia o
tesouro,
que cantas em rimas de
ouro
a tua consagração,
fecha os cristais dos
ouvidos,
não ouças, por
caridade,
a virgem rusticidade
desta viola do sertão.
Esta linguagem bravia,
como aquela natureza,
não contém essa beleza
paciente do teu buril I
São os versos deste
livro
como as águas das
cascatas
e o vento, açoitando as
matas
das florestas do
Brasil.
Tange as cordas da tua
lira
nos seus dulcíssimos
trenos!
Entoa canções à Vênus
no teu ritmo lapidar,
mas deixa-me a
liberdade
de descantar numa prima,
sem arte, sem voz, sem
rima,
uma cabocla a sambar.
Quisera ser ignorante,
como um cantor
sertanejo!...
Era esse o meu
desejo!...
Não ter nenhuma
instrução,
mas ter o dom do
improviso,
para dizer, de momento,
as dores do pensamento
e as mágoas do coração.
Excelso, divino poeta,
que levas um mês
inteiro,
beliscando no tinteiro,
para um soneto compor,
deixa um momento a
Avenida,
vai lá nos matos
sombrios
ouvir esses desafios
de um cabra improvisador.
Não vais sentir a
rijeza
de eretos alexandrinos!
Vais ouvir os dons
divinos,
que Deus concede a um
mortal!
Não te importes com a
sintaxe,
que isso é coisa sem
valia!
Sorve somente a poesia,
que é um licor
celestial.
Basta de Pã, de Netuno!
Deixa a Grécia! Deixa a
Itália!...
Deixa a fonte de
Castália,
que, de há muito, já
secou!
Vai beber as águas
frescas
de uma cacimba, que é
tua,
onde, à noite, a nívea
lua
seus versos brancos
deixou.
Musset, D'Annunzio e
Leconte,
Byron, Hugo, Campoamor,
já te imploram, por
favor,
que os deixes lá
descansar.
Demos um pouco de
tréguas
a tanta coisa
estrangeira,
que esta terra
brasileira
tem muito e muito que
dar.
Eu bem sei que esses
poemas
nunca serão recitados
nos salões opulentados,
por um moço de altivez.
Seria um crime
ultrajante
dizer estas frioleiras
nessas rodas brasileiras,
onde se diz em francês.
Mas, que importa? Nada
aspiro
neste país, nesta
terra,
que tantos bardos
encerra,
e tanto filho abandona!
Eles têm a lira
ebúrnea!
São Orfeus!... São
divindades!
E eu só sei cantar
saudades
nesta inefável sanfona.
Se não traduzo, a
contento,
as queixas lá da viola,
uma coisa me consola: —
é cantar tudo o que
ouvi!
E embora vilipendiado
com inofensível fereza,
pertencer à natureza
desta terra em que
nasci.
Nada achareis neste
livro,
Narcisos afrancesados!
Vós estais acostumados
com essas liras de além
mar!
Este instrumento que eu
trago
aqui, por cima do
peito,
é tão bárbaro e
imperfeito,
que só eu posso
escutar.
Nesta floresta de
versos,
nesta espessa mataria
não se escuta a melodia
de um Chantecler de
Rostand!
No sertão destes
poemas,
não canta um galo
estrangeiro,
mas um galo brasileiro,
saudando a luz da
manhã.
Quereis saber de que cor
são estes meus pobres
trenos?
São da cor das folhas
verdes,
pisadas pelos serenos!
Nos dedos rudes que
escrevem
estas cantigas
bucólicas,
não reluzem os fulgores
de anéis de pedras
simbólicas.
Qual seria o anel do
poeta,
se o poeta fosse um
doutor?
Uma Saudade brilhando
na cravação de uma Dor!
.....................................
E vós, gentis
senhoritas,
que falais o italiano,
como o francês
soberano,
as línguas em que
cantais,
cuidado com a língua
bárbara
desses sertões lá do
Norte,
trescalando o cheiro
forte
dos gigantes vegetais!
Fechai meu livro,
senhoras!
Com o vestido decotado,
com o cabelo penteado,
e esses finos
sapatinhos,
voltareis arrependidas,
trazendo os vossos
sapatos
cheirando a folha dos
matos,
e as vestes cheias de
espinhos,
Nada, pois, de
sacrifícios,
sem colher um
resultado!
Cuidado! Muito cuidado
com os acúleos... do
espinheiro!
Em vez de um terno
"je t'aime"
de um moço guapo e
bonito,
ouvireis somente o
grito
da paixão de um marroeiro.
Nada, pois, de
sacrifícios!
Nas margens de uma
Avenida,
não se vê "Terra
caída",
coisa que não tem
valor!
Não crescem árvores
rudes
que depois de
decepadas,
nós já vimos revoltadas
contra um fero
"lenhador"!
Fechai meu livro,
Senhoras!
Certo, eu sei, não
interessa
a história de uma
''Promessa",
uma flor do coração!
Um meigo e simples
transunto
das saudades sertanejas
das noites de São João.
Que há num
"passador de gado",
(direis vós) um homem
rude,
com sua bronca virtude,
que vem ver a Capital,
e volta vociferando,
comparando esta cidade
com a rudeza e a
soledade
da sua terra natal?!
Não! Lede-a com dor,
com mágoa,
essa história, essa
romança
de um homem feito
criança,
esse "Quinca
Micuá",
alma pura, nobre e
santa,
como uma flor
redolente,
que, talvez, tão
inocente,
não exista igual por
cá.
Não reciteis,
senhoritas,
o poema religioso
de um
"cangaceiro" extremoso,
o matador das estradas,
porque vereis, sem
surpresa,
esses moços que
escutarem,
as gargantas rebentarem
em tremendas
gargalhadas!!
Vós, que lágrimas
verteis,
lendo a insulsa
serenata
de um poeta nefelibata,
um poetastro verlainal
admirai, na
"vaquejada",
como um rude boiadeiro
respeita o seu
companheiro,
mesmo sendo um animal!
......................................
Com prazer ouço uma
orquestra
no multicor dos sonidos
e, logo após, os
carpidos
da viola, cantando a
dor,
assim como, lendo o
Dante,
logo depois ouviria
um canto dessa poesia,
que tem cheiro de
verdor!
Tenho lido, desde
Homero,
tudo o que se tem
escrito
em versos de ouro e
granito,
de impecável perfeição,
mas, (talvez seja
ignorância),
às vezes fico encantado
com um verso
imetrificado
de um Manoel do
Riachãol!!
.....................................
Formosos, doces
Narcisos,
que andais vestidos de
Imprensa,
cheios de orgulho, a
doença
dos ''Grandes",
dos ''Imortais",
que de cinco em cinco
dias
tendes o rosto gravado
sob um soneto plagiado,
nas colunas dos
jornais!...
Vates, Poetas
principescos,
vestidos de seda e de
ouro,
a minha veste é de
couro,
são rudes os versos
meus!
Mas só reconheço um
Príncipe
da Universal Monarquia,
Rei e Papa da Poesia,
cujo nome é — Deus!
Só Deus!
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