Emílio de Menezes foi uma individualidade interessante. É verdade que se exagerou excessivamente o seu valor e a sua significação na nossa literatura. Ele nunca foi um grande poeta. Como poeta, teve mesmo, quer no movimento simbolista, quer no tempo do parnasianismo, um lugar secundário. A sua poesia era um simples jogo verbal de frases frondosas e sonoras. E é impossível descobrir nos seus versos, cuja pirotecnia fraseológica dava às vezes vagas ilusões de beleza a qualquer significação lírica. Eram simplesmente uma ginástica habilíssima de palavras refolhudas, impressionando o aparelho auditivo, sem impressionar a sensibilidade, nem falar à inteligência. Como no tempo do parnasianismo era pouco mais ou menos isso o que se queria, ele fez sensação e chegou até ser considerado como grande poeta. Compreende-se.
O que Emílio de Menezes foi, porém,
sobretudo, foi um grande poeta satírico. E isto, sim, ele foi grande de fato.
Não houve, no Brasil, com exceção de Gregório de Matos, ninguém que o sobrepujasse
no gênero. Dentro dele, escondido nas enxúndias burguesas daquele corpanzil de
gigante balofo, o demônio da malícia dava cambalhotas terríveis. Era um curioso
criador de epigramas. E possuía a volúpia do epigrama. Não foi humanista. Nem
foi também repentista. Foi um grande fazedor de frases epigramáticas. Ruminava
longamente as frases, para depois gozar-lhes o efeito com diabólica volúpia. E
os seus epigramas tinham sempre uma dose homicida de veneno. Contam-se dele
algumas anedotas interessantíssimas. Aqui vai uma que é típica.
Havia no Pará um seringueiro rico que
amava o prazer de conviver com escritores e poetas. Era o coronel Avelino
Chaves — um homenzinho pequenino e vivaz, que tinha na cara, como estigma da sífilis
implacável, a cicatriz de uma goma que quase lhe devorara o nariz.
Tendo ido certa vez ao Rio, o coronel Avelino
Chaves quis à força conhecer Emílio de Menezes.
Amigos comuns levaram-no, numa tarde,
à Confeitaria Paschoal, à hora do aperitivo, para ver de perto o "grande poeta".
Apresentado a Emílio de Menezes, o
coronel Avelino pagou-lhe imediatamente, com grande ostentação de generosidade,
copiosos aperitivos.
Depois de ter ingerido vários grogues,
o grande epigramatista que desde o começo ruminava a sua perfidiazinha, olhou
de frente o seu Mecenas, e tomando o ar mais amável deste mundo, exclamou:
— Eu já o conhecia muito, coronel.
— A mim, Dr. Emílio! respondeu,
radiante, o seringueiro.
— Sim, senhor. Conhecia-o de fotografia.
— Mas, então?!... interrompeu o
coronel Chaves, sentindo calafrios de orgulho ao contato daquela insuspeitada celeridade
que Emílio lhe revelava.
— É exato. Vi muitas vezes a sua fotografia,
coronel, em todos os jornais do Rio.
E, com gravidade, rematou:
— Nos anúncios do Elixir de Nogueira.
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PEREGRINO JÚNIOR
Revista
"Careta", 22 de setembro de 1934.
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