1/13/2019

Emílio de Menezes, o iconoclasta



Emílio de Menezes, o iconoclasta

Emílio de Menezes foi um dos grandes poetas de que se orgulha o Brasil. Nenhum outro da sua geração o excedeu no cuidado de burilar o verso. A sua arte tem pompa, majestade e beleza. Os seus sonetos, de uma forma impecável, representam uma das expressões mais altas da escola parnasiana. Muitos deles, pela nobreza do pensamento, sempre luminoso, alto e engastados em rimas raras e ricas, lembram os dos Troféus de Herédia, como, por exemplo, Helianto e Roman. Todavia, este poeta, de raro valor artístico, é quase ignorado do Brasil. Nenhuma de suas poesias, ao que me conste, figura em páginas de antologias adotadas nos nossos estabelecimentos de ensino. Este Emílio é admirado e amado por um número limitadíssimo dos nossos intelectuais. Em compensação, porém, é vastamente conhecido o Emílio das quadrinhas brejeiras, dos epitáfios e dos sonetos irreverentes consagrados ao “vira bosta da pedagogia”, ao “frango assado de confeitaria", à “cara de tílburi cansado”, e tantos outros.

Quando ele se viu sozinho
Da cova na escuridão,
Surripiou de mansinho
Os dourados do caixão.

As suas sátiras, à feição das de Gregório de Matos, eram tão ferinas quanto as suas piadas, das quais pingavam quase sempre, fel e veneno. Satírico, iconoclasta, tremendo, terrível, demolidor, endiabrado — o divino poeta Emílio de Menezes.

Seleciono, ao acaso, algumas das piadas desse arrasador, que nitidamente o caracterizam.

Era pelo tempo em que Emílio assinava diariamente nas Confeitarias Pascoal e Colombo. A Colombo foi o cenáculo em que todas as tardes, um grupo admirável de boêmios desperdiçava talento, arrancado do cérebro, atirando-o à voragem das coisas que o tempo leva, ouro do melhor quilate.

Está formada a roda a Confeitaria da Rua Gonçalves Dias. Rosna-se por aí que vai sofrer alterações a nossa Bandeira, e, por falar em bandeira:

— Vocês sabem? O Bandeira Júnior está atacado de febre, há vários dias...

 — A febre do Bandeira é mal de nascença.

— Como?

— É febre de mau caráter...

***

 Vinha sendo notada, desde algum tempo, a ausência do Guimarães Passos.

— Pois vocês não sabiam que o Guimarães está acamado já há algum tempo? E Emílio diz:

— Esse não gasta dinheiro com médico, nem medicamentos.

— Por quê? E Emílio observa:

— Pois ele não é autor de um “Tratado de ver se fica são"?

***

Nem Rui Barbosa, o grande e glorioso Rui, escapou das arranhaduras do vate sarcástico.

Uma tarde reunido o grupo na Colombo, eis que chega o Rocha Alazão, o Rocha “facada”, o Rocha “mentiras”, e, com a fisionomia compungida, que ele sabia arranjar para as horas trágicas, informou:

— O Rui está enfermo, e dizem que com certa gravidade.

O Emílio exclama:

— O Rui sofre de mal crônico e incurável; sofre de “catetite” aguda...

***

Agora na Pascoal.

Comentava-se, de uma feita, uma crônica publicada na “Gazeta de Noticias” e assinada por um nome completamente desconhecido nas rodas literárias.

— E que tal a colaboração atual da folha de Ferreira de Araujo?

— De primeiríssima: Eça de Queirós, Machado de Assis, Olavo Bilac, Valentim Magalhães, Guimarães Passos, Pardal Malet...

— E o Pardal escreve bem?

E Emílio intervém:

— O Pardal mal lê...

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Revista "O Malho",  julho de 1948.

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