1/19/2019

Monarquia e República (Emilianas)



Monarquia e República


Achava-se o poeta numa roda um tanto esquisita na Colombo, quando dele se aproxima o seu íntimo amigo T., homem de letras e engenheiro civil.

— Senta-te — disse ele ao recém-chegado; e fez as apresentações, um tanto cerimoniosas.

A palestra, momentaneamente interrompida, continuou.

Versava sobre sistemas de governo. Emílio achava que, em tese, a República era o governo ideal, mas que, aplicada ao Brasil, dava resultados desastrosos.

Os outros concordavam, citando os erros dos vários governos republicanos e contrapondo-lhes a retidão, a compostura, a honradez dos estadistas do Império.

O recém-vindo entrou na palestra para discordar com o ardor republicano dos seus 30 anos.

A discussão acalorou-se, mantendo-se, entretanto, a linha de boa educação.

Argumento vai, argumento vem, e fala Emílio da instrução pública.

— Era outra coisa; na Monarquia estudavam-se humanidades; não se forjavam bacharéis elétricos como atualmente.

— Ora, fez o T., havia, como hoje há, muito ignorante diplomado. Estudava-se mais latim, é certo...

— Estudava-se tudo muito mais! E não só no curso preparatório; no superior também.

Os dois cavalheiros balançavam a cabeça em ar de assentimento.

— No superior? Não sei por quê. Os cursos atualmente são, ao contrário, multo mais completos, mais práticos...

Emílio deu à voz um tom de mistério e exemplificou, dirigindo-se a T:

— Meu velho, desculpa-me a franqueza, mas no tempo da Monarquia tu não serias engenheiro...

Houve na roda um silêncio constrangido. Os dois cidadãos olharam T. de soslaio, enquanto este, magoado, concordava, com exagerada modéstia:

— Sim, de acordo, não o seria; e, mesmo na República, o sou por pura sorte, mas argumento ad homine nada prova...

Mas Emílio insistia, irritante:

— Não te zangues, mas a verdade é que não serias engenheiro.

A situação era deveras desagradável, dada principalmente a cerimônia que havia entre o engenheiro e os dois amigos do poeta.

— Bem, bem, não é a minha pouca ciência que está em motivo para a tua agressão diante destes senhores que mal me conhecem.

— Eu não disse que ele se zangava? É isso! não gosta de ouvir as verdades...

Era demais. T. cerrou o sobrolho, e em tom digno, interpelou Emílio:

— Mas afinal, dize-me tu, por que é que na Monarquia eu não seria engenheiro? Que autoridade tens para julgar dos meus conhecimentos?

Emílio semicerrou os olhos com o ar de quem calcula, reuniu sob os lábios as guias dos bigodes e inquiriu, por sua vez:

— Em que ano nasceste?

— Em 1882.

— E, quando se proclamou a República, que idade tinhas?

Houve um instante de pausa e uma gargalhada de alívio pontuou a pilhéria. E Emílio batendo ao ombro do amigo:

— Então, serias engenheiro na Monarquia?


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Correio da manhã, 14 de outubro de 1934.
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2019)

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