

Fugitivos
Não tinha culpa
se ganhava tão pouco, afinal foi obrigado a trabalhar desde cedo e só agora é
que tinha tempo suficiente para prosseguir nos estudos e tentar novas
oportunidades.
— Não bastam
as humilhações por que tenho passado todos esses anos? — desabafava nervoso à
esposa igualmente furiosa, que lhe pedia divórcio e que não arredava o pé de
tal resolução.
— Suportei dez
anos essa vida. Chega!... Sim, chega! Não quero mais isso... Não, não quero!...
Aqui não fico mais um minuto...
Disse isso sem
derramar uma só lágrima. Saiu em seguida sem levar nada e sem ao menos dizer
para onde ia.
Não voltou
mais.
Ele a esperou
durante uma semana, quando só então resolveu procurá-la. Não estava com a mãe
nem em casa de parentes. Telefonou ainda para algumas de suas amigas, mas todas
foram unânimes em negar qualquer contato com ela nos últimos dias. Restou-lhe,
pois, ir à delegacia, onde registrou um boletim de ocorrência, alegando o
desaparecimento da companheira.
É preciso
dizer que durante esse tempo, não sentiu saudades da mulher, nem de sua comida,
nem dos seus escassos beijos. Ademais, já estava familiarizado com as tarefas
domésticas habituais, tais como passar roupas, lavar os pratos, varrer a casa,
entre outras. Desta forma, acostumou-se rapidamente à nova vida de solteirão,
embrenhando-se na leitura dos velhos livros que até então não lera.
É preciso
dizer ainda que ele era professor em uma escola pública, onde lecionava aula de
Literatura e Língua Portuguesa, em período integral. Gostava do que fazia,
embora se sentisse explorado e reclamasse com frequência do minguado salário.
De fato, ganhava pouco e mal podia manter as despesas da casa. A mulher era
gastadeira e desperdiçava quase metade dos seus rendimentos com sua vaidade
pessoal, na compra de cosméticos, nos salões de cabeleireiros e na aquisição de
roupas de marca.
Dez anos mais
nova que ele, ela jamais quis ter filho, sem revelar, porém, a razão de tão
drástica recusa. Ele, no entanto, suspeitava tratar-se de mera questão de vaidade,
“para não criar barriga”, foi o que ficou sabendo por intermédio de uma de suas
amigas.
Já havia
passado um mês que ela havia saído de casa, e ainda não tinha qualquer notícia
de seu paradeiro. A polícia aventou algumas hipóteses. Conjecturou que ela poderia
ter fugido com alguém ou até mesmo que poderia está morta.
— Sim, não
podemos descartar nenhuma alternativa — concluiu o encarregado da ordem pública.
A
possibilidade de viuvez o deixou um tanto introspectivo e melancólico. Não que
nutrisse de amores pela mulher, mas, afinal, eram dez anos de vida em comum e
isso, à mercê da frieza de sentimentos que nutria por ela, significava ainda alguma
coisa. Não era tão insensível a ponto de se contentar com a ideia da morte de
alguém, quanto mais em se tratando da morte da própria esposa, a pessoa com
quem dormiu e com quem acordou durante uma década.
Os dias foram
passando, as semanas, os meses, oito meses, ao cabo dos quais, a mulher
apareceu de súbito. Era feriado. Em casa, ele labutava na cozinha. Ao vê-la
chegar, empalideceu e recuou para trás assustado. Imediatamente observou que ela
estava mais gorda, quase obesa, a barriga enorme.
— Estou
grávida — disse ela com tal naturalidade que parecia ter acordado com ele
naquela mesma manhã. E acrescentou antes que ele pudesse abrir a boca:
— E você é o
pai. Pode pedir o DNA!
Ele ergueu-se
de salto, todo trêmulo e com o olhar sobressaltado. Deu alguns passos e entrou
no quarto sem dizer uma só palavra. Apareceu logo em seguida e saiu rapidamente
pela porta da rua sem levar nada e sem ao menos falar para onde ia.
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