2/02/2019

Fugitivos (Conto), de Iba Mendes



FUGITIVOS 

Não tinha culpa se ganhava tão pouco, afinal foi obrigado a trabalhar desde cedo e só agora é que tinha tempo suficiente para prosseguir nos estudos e tentar novas oportunidades.

— Não bastam as humilhações por que tenho passado todos esses anos? — desabafava nervoso à esposa igualmente furiosa, que lhe pedia divórcio e que não arredava o pé de tal resolução.

— Suportei dez anos essa vida. Chega!... Sim, chega! Não quero mais isso... Não, não quero!... Aqui não fico mais um minuto...

Disse isso sem derramar uma só lágrima. Saiu em seguida sem levar nada e sem ao menos dizer para onde ia.

E não voltou mais.

Ele a esperou durante uma semana, quando só então resolveu procurá-la. Não estava com a mãe nem em casa de parentes. Telefonou ainda para algumas de suas amigas, mas todas foram unânimes em negar qualquer contato com ela nos últimos dias. Restou-lhe, pois, ir à delegacia, onde registrou um boletim de ocorrência, alegando o desaparecimento da companheira.

É preciso dizer que durante esse tempo, não sentiu saudades da mulher, nem de sua comida, nem de seus escassos beijos. Ademais, já estava familiarizado com as tarefas domésticas habituais, tais como passar roupas, lavar os pratos, varrer a casa, entre outras. Desta forma, acostumou-se rapidamente à nova vida de solteirão, embrenhando-se na leitura dos velhos livros que até então não tivera tempo de ler.

É preciso dizer ainda que ele era professor em uma escola pública, onde lecionava aula de Literatura e Língua Portuguesa, em período integral. Gostava do que fazia, embora se sentisse explorado e reclamasse com frequência do minguado salário. De fato, ganhava pouco e mal podia manter as despesas da casa. A mulher era gastadeira e desperdiçava quase metade dos seus rendimentos com sua vaidade pessoal, na compra de cosméticos, nos salões de cabeleireiros e na aquisição de roupas e sapatos.

Dez anos mais nova, ela jamais quis ter filho, sem revelar, porém, a razão de tão drástica recusa. Ele, no entanto, suspeitava tratar-se de mera questão de vaidade, “para não criar barriga”, foi o que ficou sabendo por intermédio de uma de suas amigas.

Já havia passado um mês que ela havia saído de casa, e ainda não tinha qualquer notícia de seu paradeiro. A polícia aventou algumas hipóteses. Conjecturou que ela poderia ter fugido com alguém ou até mesmo que  pudesse está morta.

— Sim, não podemos descartar nenhuma alternativa — concluiu o encarregado da ordem pública.

A possibilidade de viuvez o deixou um tanto introspectivo e melancólico. Não que nutrisse de amores pela mulher, mas, afinal, eram dez anos de vida em comum e isso, à mercê da frieza de sentimentos que nutria por ela, ainda significava  alguma coisa. Não era tão insensível a ponto de se contentar com a ideia da morte de alguém, quanto mais em se tratando da própria esposa, a pessoa com quem dormiu e com quem acordou durante uma década.

Os dias foram passando, as semanas, os meses, oito meses, ao cabo dos quais, a mulher apareceu de súbito. Era feriado. Em casa, ele labutava na cozinha. Ao vê-la chegar, empalideceu e recuou para trás assustado. Imediatamente observou que ela estava mais gorda, quase obesa, a barriga enorme.

— Estou grávida — disse ela com tal naturalidade que parecia ter acordado com ele naquela mesma manhã. E acrescentou antes que ele pudesse abrir a boca:

— E você é o pai. Pode pedir o DNA!

Ele ergueu-se de salto, todo trêmulo e com o olhar sobressaltado. Deu alguns passos e entrou no quarto sem dizer uma só palavra. Apareceu logo em seguida e saiu rapidamente pela porta da rua sem levar nada e sem dizer para onde ia.

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