

O casal perfeito
Há cinco meses
se separou do marido. Sentia-se destroçada e sem rumo. Era como se lhe tivesse
amputado uma das mãos ou um outro membro qualquer do seu corpo. Tinha sonhado
com um casamento para a vida toda, e não podia suportar a dor de uma tão
inesperada separação. Desde pequena, aprendeu na igreja que o casamento é uma
dádiva de Deus e que apenas a morte pode decretar o seu fim.
Quem conhecia
o marido, sabia do seu exagerado devotamento à mulher. Era comum vê-los sorridentes
e de mãos dadas indo ao supermercado ou à casa dos familiares nos fins de
semana. Na linguagem vulgar do povo, ou melhor, no entender malicioso dos
vizinhos, era o casal perfeito.
– É o marido perfeito
– dizia a vizinha divorciada do lado. – O tipo de homem que toda mulher sonha
em ter como esposo – acrescentava a tal senhora toda eufórica e esperançosa.
– É um exemplo
de homem! Você deveria se espelhar pelo menos um pouco nele – protestava outra
vizinha ao pançudo companheiro, que gesticulava dizendo que marido assim só
servia para levar chifres.
Embora filho
de pai extremamente machista e de uma mãe conservadora, não se sentia ele diminuído
na sua virilidade lavando um prato ou varrendo a casa. Também lavava e passava
roupa, além de fazer deliciosos quitutes que muito agradavam ao exigente
paladar da esposa.
A separação
não surpreendeu apenas a mulher. A vizinhança toda relutava acreditar que um casamento
assim tão exemplar pudesse ser desfeito de uma hora para outra e de maneira tão
esquisita.
– Deve ter levado
chifre – comentava o aposentado da rua de trás. – A mim ela nunca enganou com
aquele seu jeitinho dissimulado. É uma peste aquela Capitu!
Outras
especulações surgiram e algumas delas chegaram ao conhecimento da mulher, que
se mantinha reclusa e bem longe dos falatórios.
Quando
inevitavelmente indagada sobre o paradeiro do marido, dizia que não era do seu
conhecimento, e até cogitava a hipótese de que ele estivesse morto.
– São apenas pressentimentos – respondia sem
demonstrar qualquer interesse com o teor da conversa.
“O tempo é o
remédio para todos os males”, já dizia a máxima popular. E, de fato, um ano
após ter sido abandonada pelo marido, já não se apresentava mais sorumbática,
nem seu semblante revelava qualquer indício de tristeza. Para espanto de todos,
ficava pouco tempo em casa e chegava sempre tarde da noite.
O paradeiro do
marido permanecia um mistério. Conjecturavam-se mil hipóteses e cada uma
destoante da outra. Contudo, sobressaía como a mais plausível para os vizinhos
a de que ele, não suportando os muitos caprichos da mulher, pedira arrego e
fora cantar em outra freguesia.
***
Era uma manhã
chuvosa e fazia muito frio quando um homem de longas barbas e todo vestido de
preto bateu-lhe na porta. A curiosidade da vizinhança logo se fez notar nas
janelas e nas ligações telefônicas.
A porta
abriu-se e, de súbito, o sujeito estranho fora recebido com um voluptuoso beijo
na boca. Os olhares alheios estavam fixos e escandalizados. As janelas ficaram
ainda mais movimentadas. Eram como sentinelas armadas vigiando atentas em seus
postos.
Algumas horas
depois saem ambos coladinhos e de mãos dadas. Imediatamente o homem crava na
parede da casa uma placa de “vende-se”. Entram em seguida num carro preto e desaparecem,
deixando para trás invejas e conjecturas.
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