2/03/2019

O fim de todas as flores (Conto), de Iba Mendes


O FIM DE TODAS AS FLORES

Rosa era seu nome.

Morava numa casinha de uma estreita rua do subúrbio de uma pequena cidade. Ali vivia sozinha com a mãe, viúva de um vendedor de flores, com o qual se casara num belo dia de primavera e com quem tivera esta única filha.

“Se chamará Rosa, porque entre as rosas foi gerada”, disse o pai quando ela nasceu.

A moça, embora de uma simplicidade agreste, chamava a atenção por suas formas perfeitas, pela extrema delicadeza com que tratava a todos e, principalmente, por seu peculiar gosto no cultivo de flores. Sua casa era como um pequeno jardim, onde acácias, anêmonas, cravos, azaleias, lírios, begônias, violetas, orquídeas, margaridas e rosas, pareciam concorrer com sua própria beleza.

"Ah, quantas flores!" diziam as moças.

"Ah, que bela flor!" ecoavam os rapazes.

No centro desta mesma cidade viviam dois belos e felizes rapazes, ambos ricos, ambos de igual idade e ambos estudantes de botânica. Eram amigos desde a infância, morando na mesma praça, onde cresceram juntos e onde conheceram Rosa, que ali vendia suas flores.

"Ah, que flor mais bela!" galanteou um.

"Ah, que flor mais linda!" emendou o outro.

Trocaram olhares, palavras e sorrisos. Ainda acharam tempo para falar sobre plantas e flores.

A amizade entre os dois moços era aquela que resiste aos anos e da qual se pode dizer que apenas a morte tem o poder de separar. Um era como se fosse a extensão do outro, tal era a natureza do vínculo afetivo que os unia. Se fossem irmãos, diriam que provieram da divisão de um mesmo óvulo fecundado.

Com o correr das estações, a camaradagem entre os três criou raiz, cresceu e floresceu como as próprias flores. Da amizade frutificou também o amor, e deste rebentou os espinhos, que fez sangrar os corações dos dois mancebos, os quais disputavam agora a mesma flor, a mais bela flor, Rosa, a vendedora de flores. A mútua afeição, outrora tão cultivada entre eles, perdeu o viço, a cor e o brilho. Murchou enfim. De amigos floridos, inimigos desfolhados.

Ela então se viu ferida entre abrolhos. Cultivava o amor de um, mas não queria magoar o coração do outro. Confusa, deixou-se irrigar de tristeza. Com o decorrer dos dias desistiu das flores e foi vender perfumes. A casa, que dantes exalava os finíssimos aromas das flores, agora cheirava a Natura.

"Que fim levaram todas as flores?" perguntava a mãe.

"Que se passava com a linda Flor?" indagavam os vizinhos, os amigos, perguntavam todos.

Triste, recolhia-se ela ao seu quarto sem flores, onde lágrimas caíam-lhe dos olhos como pétalas que se precipitam no chão na melancolia de um chuvoso outono.

Num dia desses de lágrimas, quando acabara de acordar de um sono intranquilo, recebeu a súbita visita de um dos rapazes, aquele por quem nutria maior afeição e com o qual queria ligar-se para toda a vida. Este lhe declarou amor eterno e lhe deu de presente um colar de rico diamante. Ela recusou com um gesto. Ele se retirou com o coração ferido.

O tempo passava depressa e não desabrochava nela a alegria de viver.

Numa noite, quando se preparava para se recolher à sua alcova triste e sem flores, ela recebeu a visita do outro rapaz. Este também lhe declarou amor eterno e lhe trouxe de presente uma flor, uma exuberante rosa vermelha.

“Uma rosa para uma Rosa”, disse ele pegando-lhe nas mãos.

Neste instante os olhos dela brilharam como a aurora de um majestoso verão, as suas mãos tremeram, o seu coração disparou, seus lábios tocaram os lábios dele. Então se amaram loucamente, e se uniram num cerimonial de flores, e plantaram flores, e colheram flores e, por fim, foram cobertos por flores.

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