2/03/2019

O Otimista (Conto), de Iba Mendes



O OTIMISTA 

Era um leitor voraz de livros de autoajuda e acreditava que o pensamento positivo podia transformar o mundo.

“O segredo de uma vida feliz está na sua mente!” Este era seu mantra diário, o lema que norteava todas as suas ações e que resumia toda a sua filosofia de vida. Para ele, o pensamento positivo era como um ímã que atrai as coisas boas. Por isso nunca se ouvia dele frases do tipo: “estou péssimo”, “a vida é complicada”, “meu chefe é insuportável”, entre outras de iguais teores. Vigiava-se assim o tempo todo para não cair na tentação da negatividade.

Toda essa sua disposição de espírito manifestava-se nas situações mais corriqueiras da vida. Ao levantar-se abria a janela e dava bom-dia às árvores, saudava os passarinhos e agradecia aos céus pela luz do sol e pelo aroma das flores. Quando almoçava, repetia três vezes: obrigado, obrigado, obrigado! Esforçava-se para não se encher de ira ou qualquer outro sentimento que porventura viesse a desviar sua mente dos bons pensamentos.

À época, tinha ele vinte e cinco anos de idade, com boa saúde e uma situação financeira estável, ganhando o suficiente para sustentar seu otimismo e toda sua coleção de best-sellers.

Estava solteiro, mas apenas provisoriamente, dizia. Várias foram as pretendentes, no entanto, nenhuma delas fora capaz de satisfazer a seu exigente “teste de positividade”. Não queria cair nas amarras de uma mulher pessimista, cujos conceitos destoassem daqueles pelos quais tanto lutou e com os quais pretendia chegar ao mais elevado “topo do sucesso”. Queria compartilhar seus ideais ao lado de alguém “que fosse do tamanho dos seus sonhos”, uma companheira que pudesse despertar ideias otimistas, que estivesse disposta a superar todos os desafios e que se dispusesse a viver a vida em sua total plenitude.

Entretanto, já dizia o poeta que, “quem nunca foi ferido zomba das cicatrizes”. O mundo maravilhoso que construíra através da leitura dos consagrados livros de autoajuda principiou a desmoronar quando perdeu o emprego e caiu em depressão. As fórmulas prontas, as dicas e os macetes que aprendera e com os quais acreditava poder superar as procelas da vida pareciam não funcionar ou não surtiam nenhum efeito prático. E, para agravar ainda mais sua situação, fora acometido de terríveis hemorroidas, que faziam minar todas as suas forças físicas e mentais.

Com o andar dos tempos, já muito debilitado física e mentalmente, recorreu à Medicina, com a qual superou os distúrbios psíquicos e se livrou das tão incômodas veias dilatadas. Seguidamente vendeu toda a sua coleção de livros e se embrenhou de vez no ceticismo. Por fim, casou-se com Ana Lúcia, que só queria na vida ser feliz e ter muitos filhos.

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