

SENSAÇÃO ESTRANHA
Acordou
naquela manhã com a estranha sensação de que alguma coisa fora do comum poderia
lhe acontecer naquele dia. Não atinava, porém, se seria algo bom ou ruim.
Embora
não fosse dado às práticas supersticiosas, ainda assim, desde que se levantou
buscou manter-se precavido e atento a tudo que fazia: quando pisava o chão,
quando descia e subia às escadas, quando ouvia a campainha, quando ingeria
algum alimento, quando atendia o celular, entre muitas outras tarefas
habituais, procurando vigiar-se o tempo todo para fazer cada coisa com a devida
serenidade e precaução.
É
bem verdade que via tudo aquilo como uma inominável insensatez, no entanto a
singularidade daquele hipotético evento, daquela sensação repentina e
surpreendente, de algum modo abrandava em sua mente os efeitos daquela
circunstância ridícula, principalmente para alguém como ele, que se vangloriava
de seu ceticismo e que até já lera “O Anticristo” de Nietzsche e toda a obra de
Richard Dawkins.
No
decorrer do dia evitou comentar o assunto com a companheira, limitando-se
apenas a dizer que estava muito indisposto e que por isso não iria ao trabalho.
A atitude do marido surpreendeu a mulher, uma vez que não era comum vê-lo
faltar ao serviço, ainda mais agora que tinha sido transferido para o
Departamento de Compras, passando a ganhar três vezes mais e onde pretendia
galgar novos ares.
Nesse
ínterim, viu-se ele em meio a um emaranhado de incertezas filosóficas e
titubeou em seu inabalável ateísmo. Um pressentimento daquela natureza, tão
extraordinário e misterioso, aquela premonição sobrevinda assim repentinamente
e sem qualquer razão, deveria ter um sentido que se colocasse acima do banal da
lógica humana. Deste modo, imerso numa confusão mental constrangedora, ele
invocava a máxima de Hamlet: “Há mais coisas no céu e na terra, Horácio, do que
sonha a tua filosofia”.
Aquele
dia lúgubre, porém, findava-se sem qualquer sinal de assombros ou sobressaltos
que pudessem apontar para os mistérios do príncipe da Dinamarca.
Ao
aproximar a noite, fora tomado por um sentimento de culpa corrosivo, que veio
abater-lhe o espírito. Ora, onde já se viu acreditar em tamanha parvoíce! Por
que se deixara dominar por sentimento tão absurdo e ridículo, a ponto de faltar
ao serviço, pondo em risco o próprio emprego?
Ao
fim da noite recuperara completamente sua natural lucidez e, mais do que nunca,
sentia-se novamente cético a respeito de tudo e de todos, o que incluía a
ingênua crença em acontecimentos sem uma causa lógica, os quais não estivessem devidamente
embasados na Ciência e que não pudessem ser testados em retortas e em tubos de
ensaios, tudo nos moldes da “Navalha de Occam”. Por fim, já sossegado o
espírito, dormiu em plena paz com a consciência, como alguém que acabara de se
libertar de incômodos grilhões.
No
dia seguinte acordou introspectivo e ansioso. Engoliu rapidamente o café,
recuou a cadeira e saiu apressadamente sem se despedir da esposa. No caminho,
enquanto seguia para o trabalho, fora mais uma vez acometido de nova premonição,
que se confirmou minutos depois com sua peremptória demissão.
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