
Dos escritores brasileiros que acompanharam a evolução das letras, poucos conseguiram levantar o voo tão alto como Múcio Teixeira.
Ele não se deixou ficar
prisioneiro dos velhos métodos e das velhas formas que envolviam a poesia
antiga.
Artista de uma geração de
condoreiros, ele tinha, nas estrofes de seus primeiros cantos, ponto de partida
para descortinar horizontes mais vastos e gritos capazes de ofuscar os seus
pares na república das letras.

Uma individualidade como esta,
que acompanha todos os tempos e que se destaca em todas as gerações, é digna de
um mais profundo estudo e merecedora de uma grande admiração.
Aqui não é lugar de fazermos esse
estudo e feia ação seria essa de quem pretendesse prender a vida de um artista numa
coluna ligeira de jornal.
Por isso que, aqui, nos limitamos
a render a homenagem devida a tão robusto, quão modesto talento.
Múcio Teixeira tem um horror mudo
e frio ao lugar comum que ele despreza, e, entretanto, não tem arreganhos belicosos
contra os nulos que frondejam em todos os lugares. É uma alma pura e por isso
mesmo grande e generosa. Não é capaz de vir, a propósito de um livro qualquer,
estrondeando contra os novos, cuspindo nas modernas escolas, espezinhando os que
têm um reflexo de talento. Não. Ele admira os novos, dá-lhes as mãos, aceita
todas as escola, defende todos os artistas, admira todos os talentos. Sua vida
literária é uma linha reta. Traçada um dia, não fez sinuosidades. A sinuosidade
o revolta. E, admirável é que dentro dessa linha, dessa norma traçada, e
seguida com amor e trabalho, ele se tenha filiado a tantas escolas, tenha mostrado
por muitos prismas a sua inteligência, sem jamais se afastar, recuar ou
esmorecer no meio do caminho.
As escolas literárias não
conseguiram prender o artista porque ele é um prisioneiro de seu coração. Ele
faz a arte não só por amor a arte, como os parnasianos, senão por amor ao sentimento
que se pendura numa rima, por um símbolo que se desabrocha num verso, por uma
ideia que vibra desesperadamente numa estrofe.
E esse é o verdadeiro artista e o
verdadeiro poeta. Poetas e poetas têm surgido e naufragado. Uns, quebram os
versos, descabelando e desgrenhando a forma, simulando de bizarria e
originalidade. Outros, alisando, brunindo, britando, burilando o verso, o fazem
como uma estátua à guisa de um modelo.
O verso porém, em ambos os casos,
fica sujeito aos caprichos da moda e às exigências da época. No primeiro a
simplicidade ficou divorciada do sentimento, que deve ser simples, franco e
espontâneo. No segundo o sentimento desertou de todo e com ele a poesia, ficou
o artista, ficou o verso, porém, o poeta, esse desapareceu.
Múcio Teixeira sempre aliou o
sentimento à forma de seus versos.
Seus sonhos, ora tristes e
nevoentos, gritando como sonâmbulos, despertam grandes emoções e acordam novas
ideias. Ora, os seus sonhos, são deliciosamente puros e claros e entram, como
aves alvoroçadas, por nossa alma adentro numa revoada de ruflos de asas e
cânticos divinos.
Esse poeta, tão espontâneo e tão simples,
tanto pôde cantar ao mar bravo e revolto para acalmar-lhe a fúria como sorrir a
uma criança loira e ensinar a amar a uma flor.
Tem suspiros mais altos do que os
astros e saudades maiores do que os Andes.
Ora é à sua amada que ele vem
dizer
— Amar aos vinte e dois anos...
Ora ele embala num verso essa que
nasceu tão linda e é
A filha de um pai tão pobre.
Ora ele canta os "ares nunca
dantes navegados" e sobe mais alto do que um aeronauta. Aeronauta do
verso, viver junto dos astros e das nuvens e descer à terra para amenizar as
dores da vida, eis a sua missão, a missão do poeta.
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Vida Paulista, 17 de dezembro de 1904.
Pesquisa e adaptação ortográfica: Iba Mendes (2019)
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