Dos escritores brasileiros que acompanharam a evolução das letras, poucos conseguiram levantar o voo tão alto como Múcio Teixeira.
Ele não se deixou ficar
prisioneiro dos velhos métodos e das velhas formas que envolviam a poesia
antiga.
Artista de uma geração de
condoreiros, ele tinha, nas estrofes de seus primeiros cantos, ponto de partida
para descortinar horizontes mais vastos e gritos capazes de ofuscar os seus
pares na república das letras.
Cantou como Castro Alves e foi hugoano,
chorou como Álvares de Azevedo, foi triste como Byron, pensou como Varela e,
finalmente, surgiu, na revoada brilhante dos modernos escritores, aureolado,
festejado como sempre.
Uma individualidade como esta,
que acompanha todos os tempos e que se destaca em todas as gerações, é digna de
um mais profundo estudo e merecedora de uma grande admiração.
Aqui não é lugar de fazermos esse
estudo e feia ação seria essa de quem pretendesse prender a vida de um artista numa
coluna ligeira de jornal.
Por isso que, aqui, nos limitamos
a render a homenagem devida a tão robusto, quão modesto talento.
Múcio Teixeira tem um horror mudo
e frio ao lugar comum que ele despreza, e, entretanto, não tem arreganhos belicosos
contra os nulos que frondejam em todos os lugares. É uma alma pura e por isso
mesmo grande e generosa. Não é capaz de vir, a propósito de um livro qualquer,
estrondeando contra os novos, cuspindo nas modernas escolas, espezinhando os que
têm um reflexo de talento. Não. Ele admira os novos, dá-lhes as mãos, aceita
todas as escola, defende todos os artistas, admira todos os talentos. Sua vida
literária é uma linha reta. Traçada um dia, não fez sinuosidades. A sinuosidade
o revolta. E, admirável é que dentro dessa linha, dessa norma traçada, e
seguida com amor e trabalho, ele se tenha filiado a tantas escolas, tenha mostrado
por muitos prismas a sua inteligência, sem jamais se afastar, recuar ou
esmorecer no meio do caminho.
As escolas literárias não
conseguiram prender o artista porque ele é um prisioneiro de seu coração. Ele
faz a arte não só por amor a arte, como os parnasianos, senão por amor ao sentimento
que se pendura numa rima, por um símbolo que se desabrocha num verso, por uma
ideia que vibra desesperadamente numa estrofe.
E esse é o verdadeiro artista e o
verdadeiro poeta. Poetas e poetas têm surgido e naufragado. Uns, quebram os
versos, descabelando e desgrenhando a forma, simulando de bizarria e
originalidade. Outros, alisando, brunindo, britando, burilando o verso, o fazem
como uma estátua à guisa de um modelo.
O verso porém, em ambos os casos,
fica sujeito aos caprichos da moda e às exigências da época. No primeiro a
simplicidade ficou divorciada do sentimento, que deve ser simples, franco e
espontâneo. No segundo o sentimento desertou de todo e com ele a poesia, ficou
o artista, ficou o verso, porém, o poeta, esse desapareceu.
Múcio Teixeira sempre aliou o
sentimento à forma de seus versos.
Seus sonhos, ora tristes e
nevoentos, gritando como sonâmbulos, despertam grandes emoções e acordam novas
ideias. Ora, os seus sonhos, são deliciosamente puros e claros e entram, como
aves alvoroçadas, por nossa alma adentro numa revoada de ruflos de asas e
cânticos divinos.
Esse poeta, tão espontâneo e tão simples,
tanto pôde cantar ao mar bravo e revolto para acalmar-lhe a fúria como sorrir a
uma criança loira e ensinar a amar a uma flor.
Tem suspiros mais altos do que os
astros e saudades maiores do que os Andes.
Ora é à sua amada que ele vem
dizer
— Amar aos vinte e dois anos...
Ora ele embala num verso essa que
nasceu tão linda e é
A filha de um pai tão pobre.
Ora ele canta os "ares nunca
dantes navegados" e sobe mais alto do que um aeronauta. Aeronauta do
verso, viver junto dos astros e das nuvens e descer à terra para amenizar as
dores da vida, eis a sua missão, a missão do poeta.
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Vida Paulista, 17 de dezembro de 1904.
Pesquisa e adaptação ortográfica: Iba Mendes (2019)
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