O poeta Bruno Seabra
Na poesia Bruno Seabra é o João
de Deus paraense, o lírico por excelência de seu tempo, um verdadeiro poeta na
significação nata desse nome.
Poucos o leem hoje; é mesmo quase
desconhecido dos novos; no entanto, o
talento é pujante e o seu livro "Flores e Frutos", digno de ser compulsado
por todos aqueles que se interessam pelas belas letras.
Seus versos oscilam como os do lírico
português, em ondulações suaves, ora cheios de humor, dirigidos às camponesas de
sua terra, ora ao seu ideal de amor — com aquela singeleza ingênita, que
rebenta das caudais de sua alma de lírico inspirado.
Nasceu Bruno Henriques de Almeida
Seabra a bordo de um barco, em águas paraenses (Tatuoca), a 6 de outubro de
1837.
Estudou as primeiras letras e
preparatórios em Belém, indo depois matricular-se na escola militar da capital
da República.
Foi um trabalhador infatigável,
escrevendo, quase que diariamente, folhetins, crônicas, poesias, etc., em vários
jornais fluminenses.
Como funcionário público exerceu,
com zelo e dedicação, cargos no Maranhão, na Bahia e no Rio de Janeiro, vindo
finalmente a falecer em Salvador (Bahia), no ano de 1876.
Abaixo segue uma de suas belas
poesias avulsas, verdadeira obra-prima do lirismo brasileiro:
MORENINHA
– Moreninha, dás-me um beijo
– E o que me dá, meu senhor
– Este cravo...
– Ora, esse cravo!
De que me serve uma flor?
Há tantas flores nos campos!
Hei de agora, meu senhor,
Dar-lhe um beijo por um cravo?
É barato; guarde a flor.
– Dá-me o beijo, moreninha,
Dou-te um corte de cambraia.
– Por um beijo tanto pano!
Compro de graça uma saia!
Olhe que perde na troca,
Como eu perdera com a flor;
Tanto pano por um beijo...
Sai-lhe caro, meu senhor.
– Anda cá... ouve um segredo...
– Ai, pois quer fiar-se em mim?
Deus o livre, eu falo muito,
Toda mulher é assim...
E um segredo... ora um segredo...
Pelos modos que lhe vejo
Quer o meu beijo de graça,
Um segredo por um beijo!?
– Quero dizer-te aos ouvidos
Que tu és uma rainha...
– Acha, pois? e o que tem isso?
Quer ser rei, por vida minha?
– Quem dera que tu quisesses...
– Não duvide, que o farei;
Meu senhor, case com ela,
A rainha o fará rei...
– Casar-me?... ainda sou tão moço...
– Como é criança esta ovelha!
Pois eu p'ra beijar crianças,
Adeusinho, já sou velha.
Encantadores versos líricos!
Bruno Seabra era o poeta do coração; não se nota, nas suas poesias, uma que
seja, cuja forma pareça fictícia e deficiente; o que ele escreveu é REAL porque
SENTIU, perfeito porque saiu da alma.
O sentimento que as suas poesias
exprimem é espontâneo pelo simples motivo de ser a linguagem pura do coração.
Pena é que no Pará o seu nome só em
1903 tivesse um pequeno eco, com o aparecimento de alguns exemplares de seu livro
nas vitrinas das livrarias...
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J. EUSTÁQUIO DE AZEVEDO
"Antologia Amazônica: poetas paraenses", 1904.
Pesquisa e adaptação ortográfica: Iba Mendes (2019)
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