Sousândrade,
o poeta maldito
Eu já conhecia Sousândrade "de
nome", quando José Chagas, há uns dois anos, falou-me da poesia desse
estranho poeta maranhense e do crescente interesse que ela vinha despertando,
sobretudo no sul do país.
Sousândrade nasceu em 1833 em
Guimarães e faleceu em São Luís — considerado "louco e maníaco" — em 1902,
sendo necessários sessenta anos, após sua morte, para que sua obra fosse
considerada a que "mais se aproxima, tanto pelas audácias formais como
pela sofrida humanidade, da atmosfera rarefeita da poesia contemporânea, que
assim encontra, na complexidade humana do poeta maranhense, um dos seus mais
surpreendentes precursores".
Sousândrade vivendo em São Luís, não
se conformou com o classicismo de sua formação e tentou conciliá-lo com o romantismo
de sua época. Logo seria considerado original, tanto pelos temas que preferia,
como pela forma de tratá-los. Viajou pela Europa, Norte da África e Oriente Próximo,
retornando ao Brasil (quando publicou seus primeiros livros) e finalmente
seguiu para os Estados Unidos, onde permaneceu longo tempo, e quando trabalhou
no seu mais famoso poema "O Guesa", que veio ao público pela primeira
vez em Londres, em 1881. De volta a São Luís, integrando-se na vida pública,
tentou criar aqui uma Universidade. Os últimos anos do poeta "maldito"
foram de extrema miséria e solidão. Até sua filha, não lhe suportando o gênio,
abandonou-o sozinho na bela chácara da Vitória, à beira do rio Anil. Sua
figura, nas ruas de São Luís, era de verdadeiro tipo popular, motivo de
gracejos e pilhérias e os moleques atiravam-lhe "motejos e pedras",
sendo necessária às vezes a interferência das autoridades.
Semana passada tive a alegria de ver
uma das mais felizes iniciativas do Departamento de Cultura do Maranhão, um
"Memorandum" em homenagem ao incompreendido"
autor de "O Guesa", poema com o qual Sousândrade pensou
"representar a complexa visão
dramática que tinha do mundo" e descrever "o destino trágico do poeta, tanto na
dimensão pessoal, como social". O poeta é um ser sacrificado e um
predestinado que não se deve afastar da luta contra todas as formas de
opressão. E sobre uma certa circunstância social, na qual "as relações de
produção hostilizam os ideais humanísticos", os dois irmãos paulistas do chamado
"Grupo Concreto" — Augusto e Haroldo de Campos —a quem devemos em
parte a "descoberta", considerada no seu "Sousândrade: o
terremoto clandestino", que o poeta
maranhense "lançou a uma problemática internacional, à luta anticolonialista,
buscando uma conscientização de americanidade em termos continentais e
denunciando premonitoriamente as contradições do capitalismo" —
conseguindo assim, ao mesmo tempo, uma poesia que os dois irmãos paulista chamaram
de "poesia simultaneamente engajada e de vanguarda".
Também considero imperdoável "esse
escândalo de irresponsabilidade brasileira"quanto à obra de Sousândrade, escrita
há mais de um século e somente agora revista, sentida e amada. Perdoa-se menos
isto, que se perdoaria aqueles de seu tempo que, vivendo na estreiteza local,
não lhe souberam entender o verso, avançando demais, confundindo loucura com
genialidade.
ARLETE NOGUEIRA DA CRUZ
Jornal do Maranhão, 7 de maio
de 1967.
Pesquisa e adequação
ortográfica: Iba Mendes (2019)
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