A princesa
que adivinha
Havia uma princesa que adivinhava tudo,
e o rei tinha prometido que se houvesse alguém capaz de lhe apresentar um caso
que ela não explicasse, se fosse mulher dava-lhe uma grande tensa, e se fosse
homem casaria com ela; mas também quando a princesa adivinhava, mandava matar
as pessoas que tinham vindo à corte apresentar-lhe o caso. Já não havia quem quisesse
ir à corte apresentar adivinhas à princesa; vai senão quando uma mulher tinha
um filho que passava por tolo, e diz-lhe o filho:
— Minha mãe, eu quero ir à corte dizer
uma adivinha à princesa.
— Não sejas tolo, filho; o que é que tu
lhe vás dizer que ela não adivinhe?
O tolo tanto teimou, que se meteu a
caminho, e como era longe agarrou de uma espingarda velha, e ei-lo se vai por aí
fora. Andou, andou, e lá no meio do caminho viu estar um coelho num fraguedo e
zás, ferra-lhe um tiro. Com tanta felicidade que matou caça; pegou nela, e com
uma navalhinha esfolou-o, e nisto conheceu que era uma coelha, que trazia uma
barrigada de coelhinhos. Não se importou com isso, e foi mais para diante e viu
à beira da capelinha de um ermitão um breviário esquecido, e pegou nele,
petiscou fogo e assou com as folhas do livro a coelha, comeu e foi andando
sempre. Até que chegou à corte; não o queriam deixar entrar, porque parecia
tolo, mas ele tanto teimou dizendo que queria apresentar uma adivinha à
princesa, que o deixaram entrar, na certeza de que ele iria a morrer como os
outros que tinham vindo campar por espertos. Chegou a hora da audiência, e veio
a princesa; o toleirão disse-lhe esta adivinha:
— Atirei ao que vi,
Matei o que não vi;
Antre palavras de Deus
Assei e tudo comi.
A princesa ouviu, tornou a ouvir, e
pediu três dias para dar a explicação. O tolo ficou no palácio à espera da
resposta, comendo e bebendo, de perna estendida, sem se lembrar que o podiam
mandar matar. A princesa por mais voltas que deu ao miolo não atinava com a adivinha,
e temendo de ter de casar com o tolo, mandou uma sua aia, muito em segredo, que
lhe fosse pedir que dissesse como coisa particular o sentido da adivinhação.
Foi a aia, mas o tolo disse que só se ela dormisse aquela noite no quarto com ele;
ela não queria, mas como a princesa lhe prometeu muitas riquezas, sempre se
sujeitou e foi. O tolo teimava em não dizer, enquanto ela não tirasse a camisa,
porque a queria em leitão; depois disse umas coisas que não eram a verdadeira
explicação, e quando a aia adormeceu, escondeu-lhe a camisa, de modo que de
madrugada, quando ela se foi, não teve tempo de a procurar. A princesa não se
contentou com a explicação e mandou outra dama; aconteceu também o mesmo. Por
fim foi a própria princesa, fiada em que a não conhecia; mas ele logo viu pela
marca da camisa quem era, e escondeu-lha também, mas desta vez disse a
verdadeira explicação da adivinha. Acabados os três dias ajuntou-se a corte, e
a princesa veio e disse:
— A explicação da adivinha do aldeão é:
Atirei ao que vi e matei o que não vi, é porque atirou a uma coelha que achou
no caminho, a qual estava prenha, morrendo por isso os coelhinhos. Antre
palavras de Deus assei e comi, é porque assou tudo nas folhas de um Breviário
com que fez uma fogueira.
O rei ficou muito admirado do talento da
sua filha, e disse que como ele aldeão tinha perdido, já não podia pretender a
mão da princesa, e que se preparasse que ia a morrer. Vai ele, que se fazia
mais tolo do que era, diz:
— A princesa ainda não adivinhou tudo,
porque ainda tenho a dizer outra adivinhação que, juro que ela não é capaz de
dar com o sentido.
A princesa mandou que ele falasse; e
então disse:
Quando no paço fiquei,
Três pombinhas apanhei,
E três penas lhe tirei;
Se for preciso as mostrarei.
A princesa ainda se pôs a considerar,
mas ele tirou do seio a primeira camisa, e todos viram de que dama era; tirou a
segunda, e ia para tirar a última camisa, quando a princesa, temendo a vergonha
de se ver delatada diante da corte toda, virou-se para ele:
— Não mostres, não mostres, porque já
vejo que és o homem mais ladino que tem vindo a esta corte, e caso contigo.
(São João de Airão — Minho)
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Pesquisa
e adequação ortográfica: Iba Mendes (2019)
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