5/29/2019

A tapera da lua (Lenda), de Afonso Arinos



A tapera da lua

No tempo em que as amazonas andavam ainda pelas margens do seu grande rio, havia uma tribo de índios cuja aldeia ficava junto de uma lagoa tranquila, nas fraldas da serra chamada então Taperê e hoje do Acunã. Uma guerra infeliz reduziu a tribo a dois sobreviventes, irmão e irmã dos mais belos de sua raça, que ficaram sozinhos no alto da montanha.

Então disse ao irmão a irmã:

— Ó meu querido irmão! Como és homem e forte, ficarás aqui no alto do Taperê enquanto eu desço à nossa aldeia, às margens da lagoa. Armei tua rede nos castanheiros e deixei ao lado as minhas lindas flechas. As flores das parasitas que crescem nos ramos suavizarão o teu sono com o seu aroma. Adeus!

— Adeus até quando?

— Até quando te acordarem os mais belos pássaros, cantando à luz da manhã.

E a índia desceu com o passo incerto, os olhos tristes de veada ferida, mostrando na estranha palidez um aperto no coração.

Ao entardecer, seu corpo leve de adolescente balouçava na rede selvagem, ataviada de penas multicores, que os raios do sol poente irisavam. Enoitou-se a aldeia e já o oitibó tinha saído do seu esconderijo, quando a moça, tremula, ofegante, arrastada por uma força estranha, procurou o caminho da serra, em demanda da rede armada nos castanheiros.

Ela sentiu amor! Foi no momento
Em que sozinha, em meio à natureza
Ouviu a selva segredar ao vento,
A estrela à cascata, à correnteza!

Ninguém conhecerá o segredo desse meu tormento! suspirava ela. Amá-lo-ei na treva; serei de dia sua irmã!

Quando à rede chegou, a branda aragem
Do sassafrás batia pelas frestas;
Escuridão no céu, pálida arfagem,
Saltos nos matos das cutias lestas...

E toca a rede... a rede se estremece...
— Quem és? Sussurra um beijo e a voz falece...

Três vezes a índia apaixonada subiu a montanha e três vezes voltou à deserta aldeia escondendo na solidão e no negrume da noite o segredo do seu criminoso amor.

Mas na última vez o moço gentio, querendo desvendar o mistério, usou de um estratagema: tingiu o rosto com as tintas do urucum e do jenipapo, que vicejavam ali, para marcar a face da cauta visitante, ao primeiro beijo.

E quando ao nascer do sol, já na sua aldeia, à margem da lagoa, a moça enamorada foi mirar-se no espelho das águas — horror! — viu no próprio rosto as manchas negras do seu crime.

Então, salta sobre o arco, toma das setas de combate e desprende a primeira para o céu. Outra a seguiu e mais outra e outra e — ó milagre dos gênios que habitam as montanhas azuis! — uma longa e aérea cadeia se formou como uma escada de flores convidando-a a subir aos paramos.

Ela subiu e transformou-se em Lua. Desde então, triste e solitária, errando pelo espaço, mira-se nas águas da lagoa, na corrente dos rios e nas vagas do mar, a ver se ainda tem as manchas do rosto.



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Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2019)

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