5/14/2019

As fiandeiras (Fábula), de Teófilo Braga



As fiandeiras

Era uma mãe que tinha uma filha e só pensava em casá-la bem. Foi a casa de um mercador que vendia linho, e pediu-lhe para que lhe vendesse uma pedra de linho, porque a filha fiava tudo num dia. Trouxe o linho para casa e disse à filha:

— Tens de me fiar esta pedra de linho hoje mesmo, porque amanhã vou buscar mais. Quando voltar a casa quero achar o linho todo fiado.

A pequena foi sentar-se à porta, a chorar, sem saber como obedecer à mãe. Passou uma velhinha:

— A menina o que tem, que está a chorar desse modo?

— O que hei de ter! É minha mãe que quer à força que lhe fie num dia uma pedra de linho, e eu não sei fiar.

— Deixe a menina estar que eu lhe fio tudo se me prometer que no dia do seu casamento me há de chamar três vezes tia.

A menina olhou para dentro de casa, e viu o linho remexido, e todo fiado. No dia seguinte a mãe foi à loja, gabou muito a habilidade da filha, e pediu outra pedra de linho para ela fiar. A pequena foi sentar-se à porta, a chorar, esperando que passasse a velhinha da véspera.

Passou uma outra:

— A menina o que tem, que está a chorar dessa maneira?

A pequena contou-lhe as ordens que tinha recebido da mãe.

— Pois se a menina me promete que no dia do casamento me há de chamar três vezes sua tia, o linho há de aparecer fiado.

A pequena prometeu que sim, e olhando para dentro de casa deu com o linho remexido e pronto.

A mãe foi buscar mais outra pedra de linho, e repetiu-se o mesmo caso; até que passou uma terceira velhinha que lhe fez tudo com a mesma promessa. O comerciante sabendo daquela habilidade quis ver a rapariga, achou-a bonita e esperta e quis casar com ela; a mãe ficou bem contente porque o noivo era muito rico. O comerciante mandou-lhe um grande presente, com muitas rocas e fusos, para que quando casasse, as suas criadas todas fiassem. No dia do casamento fez-se um grande jantar, e todos os seus amigos assistiram; quando estavam à mesa bateu à porta uma velhinha:

— Ai! é aqui que mora a noiva?

— Entre minha tia; sente-se aqui, minha tia; coma alguma coisa, minha tia.

Ficaram todos pasmados de verem uma velha tão corcovada com um nariz muito grande. Mas calaram-se. Instantes depois, bateram à porta; era outra velhinha:

— É aqui que mora a noiva que se casou hoje?

— É, minha tia; entre, minha tia; jante conosco, minha tia.

A velha sentou-se e todos ficaram pasmados do grande aleijão que ela tinha nos queixos. Mas continuaram a jantar. Bateram outra vez à porta; era outra velhinha, que fez a mesma pergunta.

— Ora entre, minha tia; cá a esperávamos, minha tia; há de jantar conosco, minha tia.

Também não causou menos pasmo esta velha toda corcovada e com as costelas embicadas para fora; mas desta vez os curiosos, principalmente o noivo, perguntaram porque tinham aquelas tias tamanhos aleijões.

Disse a primeira:

— Tenho assim o nariz, porque fiei muito, muito, e as arestas do linho puseram-me assim.

— E eu, meu sobrinho, tenho assim os queixos, por que fiei muito, e fiquei assim por tanto riçar os tomentos.

— E eu, sobrinho, fiquei com estas corcovas por estar sempre para um canto com a roca à cinta.

O marido assim que ouviu aquilo, levantou-se e foi pegar nas rocas, fusos, sarilhos, dobadouras e tudo e atirou-os para a rua, e disse que na sua casa nunca mais se havia de fiar, porque não queria que lhe acontecessem à sua mulher tais desgraças.

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