5/16/2019

Santa Helena (Fábula Portuguesa), por Teófilo Braga


Santa Helena

Havia um rei que era casado com uma senhora chamada D. Helena, que era muito boa de coração. Tinha o rei por costume ir passar o verão para uma vila, que se ia para lá por mar, mas era na mesma terra. Vai um fidalgo apostou com o rei que, quando viesse da viagem lhe havia de dizer os sinais da rainha, e se não os dissesse que perdia todos os seus bens.

Estava o rei quase a chegar, mas o fidalgo não tinha ainda podido ver os sinais que a rainha tinha no corpo, e andava muito aflito porque perdia a aposta. Chegou-se uma velha a pedir-lhe esmola, e ele muito arrenegado disse que o deixasse. A velha insistiu mais:

— Conte-me o senhor o que tem, que eu arranjarei remédio para o seu mal.

O fidalgo contou-lhe tudo, e ela ofereceu-se para ir a palácio e ver os sinais da rainha. Foi e levou um canudo cheio de pulgas; chegou-se perto da rainha a pedir-lhe uma esmola; a rainha mandou-a entrar e como era muito caridosa, disse que dormisse ali aquela noite. A velha, quando todos estavam dormindo, foi à cama da rainha e despejou o canudo das pulgas, e foi para o quarto que lhe deram. Cheia de comichão a rainha tocou uma sineta e logo vieram todas as damas e aias do palácio, e no meio do barulho veio também a velha, e viu enquanto catavam a rainha, que ela tinha um sinal no peito. Pela manhã cedo foi ter com o fidalgo e contou-lhe tudo, e recebeu uma grande esmola. O fidalgo foi ao encontro do rei e lhe deu o sinal de D. Helena; o rei ficou muito furioso, e quando chegou ao palácio, veio a rainha abraçá-lo, mas ele afastou-a, dizendo:

— Traidora, que me foste infiel!

Ela caiu logo com um flato para nunca mais falar; e o rei mandou fazer uma redoma de vidro, meteu-a dentro e foram-na deitar ao mar. A redoma foi ter à terra onde o rei costumava passar o verão, e os pescadores de lá a encontraram e trouxeram-na para a terra. Na palma da mão tinha escrito: Santa Helena. Fizeram-lhe uma ermida, onde guardaram a redoma. Vindo o rei àquele lugar, pediu para lhe contarem de quem era aquela redoma, e quando se chegou mais perto, conheceu logo que era sua esposa, e muito arrependido ali morreu deixando em lembrança que ninguém fizesse apostas.

(Ilha de S . Miguel — Açores)

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Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2019)

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