5/15/2019

Os três irmãos (Fábula), de Teófilo Braga




Os três irmãos

Um homem tinha três filhos, um seu e dois que a mulher lhe metera em casa. O pai puxava para o seu filho, e a mulher puxava para os outros dois, e cada um prometera que havia de deixar os bens àquele a quem mais amava. É certo que morreram sem testamento, e os três irmãos não sabendo para quem ficariam os bens da casa, resolveram ir à cidade consultar um letrado. Quando iam pelo caminho, encontraram um homem muito azafamado, que lhes perguntou:

— Oh patrõezinhos, viram passar por aqui a minha burra?

Os três irmãos disseram que não tinham visto, e puseram-se a rir entre si, dizendo:

— Ele não era burra, era uma mula, e por sinal que tinha o rabo torto; e ainda para mais era cega de um olho.

O homem pescou o que eles diziam, e como era possante, gritou:

— Ah, grandes birbantes, que me hão de dar já para aqui conta da minha mula. Era essa mesma que vocês dizem que não viram.

Travaram-se de razões e lá foram todos para a cidade à presença do juiz. O homem fez a sua queixa, e o juiz certo de que os homens sabiam onde estava a mula disse que o declarassem:

— Saberá, senhor juiz, que não vimos mula nenhuma; este homem perguntou-nos se tínhamos visto passar por ali uma burra, e dissemos que não, porque o que tinha passado era uma mula.

Disse o juiz:

— Então como sabeis isso, se a não vistes?

— É porque no chão estavam umas pegadas, em que os pés se botavam adiante das mãos, e assim é que andam as mulas, e isso era sinal de ter por ali passado uma.

— E como sabeis que tinha o rabo torto, se é que a não vistes?

— Saberá o senhor juiz que era por um campo de cevada, que ainda estava orvalhado, e para a banda para onde a mula tinha o rabo torto já o orvalho estava sacudido.

— Está bem; mas como sabeis que a mula era cega de um olho?

— É porque pelo trilho que ela levava estava a cevada comida só de um lado; sinal de que ela via só por um olho.

O juiz mandou os três irmãos embora, e condenou nas custas o dono da mula.

Nisto os três irmãos requereram ao juiz sobre o caso que os trazia à cidade para a partilha da herança. O juiz vendo que eram tão espertos e que não se entendiam, disse-lhes:

— Vinde amanhã a minha casa, que vos quero dar uma lebre guisada para o almoço, e então darei a sentença.

Os três irmãos foram ao outro dia muito contentes; o juiz mandou-os sentar à mesa, e veio a lebre guisada; eles comeram e lamberam o beiço.

— Então que tal é a lebre?

Diz-lhe dali um dos irmãos:

— Ela não é lebre, é cão.

— Então como sabeis isso?

— É porque botei um osso ao cão cá da casa, e ele não o quis roer, porque é certo que os cães não se comem uns aos outros.

O juiz confessou que era verdade, e disse:

— Pois dou por sentença que há de ficar com a herança o que for capaz de ir à sepultura do pai cravar-lhe uma faca nos peitos.

Disseram os dois mais novos:

— Vou eu, vou eu!

O mais velho, espantado, exclamou:

— Já não quero os bens; eu sou lá capaz disso?

Então o juiz disse que aquele é que era o verdadeiro filho, e escreveu a sentença a favor dele.

(Airão)

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Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2019)

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