10 de agosto de 1847.
Despedida da Sra. Candiani
e algumas considerações a respeito. "Elixire
d’Amore" ou a "Patuscada teatral". Os espeques. As pateadas.
Em a última noite de apresentação da Norma
distribui-se pelos espectadores um impresso no qual a Sra. Candiani,
despedindo-se temporariamente do público, confessava-se grata e reconhecida
pelos favores e provas de simpatia que do mesmo sempre recebera.
Deixando de parte estas e quejandas frases que nada significam pelo
abuso em que têm caído, faremos algumas considerações sobre a ausência da
cantora. Há tempos que o teatro parecia ir definhando; a crise por que passara
imprimiu-lhe violento abalo, e daí para cá mais assemelhava-se a cadáver
galvanizado do que o corpo vivo. Seus espetáculos eram abandonados ou apenas
frequentados por um ou outro impávido e teimoso dilettante e pelos partidários das cantoras, que faziam da plateia
ruidosa arena de destemperados debates. Alguns gênios turbulentos e amigos da
novidade concorriam ao teatro mais para ouvirem e presenciarem essas pateadas,
que se repetiam quase todas as noites, do que para gozarem tranquilos das
representações; porém as pessoas sérias e modernas que iam aí procurar um
deleite saíam desesperadas, algumas para não mais voltarem, e praguejando
contra os turbulentos, lamentavam o estado de degradação em que havia caído o
primeiro teatro da Corte. A este mal acrescia outro de não menor importância,
qual o do descrédito em que estava a maior parte das óperas. Il Giuramento caiu; La Prigione d’Edimburgh quase teve a mesma sorte; Straniera, Anna Bolena e Belisario
foram desgraçadas no seu remonte; Lucrezia
Borgia, por sovada, ia-se tornando
improdutiva; La Figlia del Reggimento foi
sempre considerada mais como um
exercício militar do que como ópera; I
Capuleti, talvez por efeito do seu narcótico, causava sonolência, e apenas
a Cenerentola despertou a atenção.
Eis que se anuncia que a Sra. Candiani entra de novo em cena na ópera Norma, e para logo o teatro como que
despertou de um letargo, três consecutivas enchentes fizeram lembrar o seu
antigo brilhantismo, e, o que é mais para admirar, os partidos deixaram-no tranquilo.
Duas semanas esteve a Sra. Candiani no teatro, duas semanas de verdadeiro
prazer, as quais serão sempre lembradas com saudades, e que mais servirão para
realçar o mérito da cantora que tanto pode conseguir. Curto foi esse gozo para
compensar tão longa privação, e não podemos deixar de fazer votos pelo pronto
regresso daquela que só com a magia de sua voz regenerou por alguns dias a
nossa cena lírica.
Delicada é, a nosso ver, a situação em que presentemente se acha a
diretoria; assim como no desfecho da crise teatral deu aos pronunciados a
medida de sua força, imprudência cujos resultados já vai sentindo, do mesmo
modo acaba de fazer conhecer a uma cantora, por quem (dizem) não nutre grande
afeição, que só ela é capaz de reabilitar o teatro; e este sentimento, de que a
Sra. Candiani se acha justamente possuída, há de ser na renovação do seu
contrato o maior obstáculo que o presidente terá de vencer pugnando pela
economia do estabelecimento a seu cargo. O que lhe resta, pois, fazer para
colocar-se na posição que deve ocupar e conjurar futuros embaraços? Empregar
todos os seus esforços e influência para que cessem esses loucos partidos que
tanto desacreditam e prejudicam ao teatro; esquecer-se das indisposições
particulares que porventura tenha contra qualquer artista da companhia, e
sobretudo tomar a firme resolução de os fazer estudar óperas novas, porque
todas as velhas já estão improdutivas e mais agravam a dívida do teatro.
Consta-nos que Gemma di Vergi está em
ensaios e quase pronta; seja pois levada à cena quanto antes. Há meses que os
coros da Sonâmbula foram estudados;
fácil será agora recordá-los; entregue-se a primeira parte de soprano à Sra. Meréa, que, assim
animada e no caminho que vai, pode ainda prestar muitos serviços ao teatro; ao
Sr. Mugnay encarregue-se a p arte de tenor, e ao Sr. Tati a de barítono. Em
quinze dias, ou, quando muito, três semanas, pode esta ópera ir à cena depois
da Gemma.
Distribuam-se os papéis da ópera Chi
dura vince pelos senhores Franchi e Sicuro, e pela Sra. Mugnay, ou mesmo
Barbieri, e façam-nos estudar e esquecerem-se das intrigas e dos partidos.
Depois desta ópera, ou antes mesmo, pode ir à cena Nabucodonosor pela Sra. Lasagna e os senhores Tati, Mugnay e
Fiorito: em uma palavra, chamem e prendam a atenção do público com a novidade
dos espetáculos, já que o merecimento das atuais cantoras parece que tanto não
pode conseguir. As óperas velhas ou improdutivas são com o as árvores sem
fruto, que se devem decepar para não cansarem e ocuparem terreno que melhor
pode ser aproveitado. Isto sabe qualquer horticultor, e todas as suas
aplicações são matérias comezinhas. É verdade que o mais rude e cabeçudo
entendedor é aquele que não quer entender. Contra isto o que havemos nós fazer?
Depois destas breves reflexões comunicamos ao público como ocorreu a
representação do Elixire d’Amore
remontado, que subiu à cena na terça-feira; e ingenuamente confessamos que
nunca tivemos tanto receio que nos faltassem expressões e frases adequadas para
descrever essa patuscada teatral. Releve-nos o indulgente leitor as faltas que
cometermos, e desculpe o nosso estilo se ficar muito aquém de tão grande
assunto.
A maior parte das pessoas que leram os jornais em que se anunciava a
dita ópera disseram consigo: “Há duas personagens novas: a Barbieri no papel de
Adina e o Mugnay no de Nemorino; mas nem aquela vale muito a pena de ser
ouvida, nem aquele o incômodo de lá irmos. O Dulcamara e o Sargento já estão
muito vistos, e como, além disso, as ruas estão cheias de lama, ficaremos em
casa, porque seria levarmos em cima de queda, coice.” Em consequência, pois,
deste justo raciocínio, muito pouca gente esteve no teatro, e a dívida do
teatro ficou mais agravada com o importe do floreado e minucioso anúncio
publicado nos jornais. Foi um logro; mas de logros vive o Teatro de São Pedro e
são coisas que já lhe não fazem mossa, nem a nós também, e nem ao público tão
pouco, que tem paciência para tudo sofrer. Continuemos. Finda a ouverture, ergueu-se o pano e vimos a
Nina sentada, lendo em um livro cujo rótulo não podemos
distinguir por estarmos muito longe, mas que nos assegura a Sra. Adelaide ser
um Tratado de Vocalização para uso
das cantoras medíocres. Enquanto Adina, que estava pintalegrete, enfeitada e
ataviada como um pombinho de leilão do Espírito Santo, estudava no tal livrinho
o que tanto precisa saber, Nemorino olhava para ela com cara de namorado ou de
tolo, que é tudo o mesmo. Levantou-se a buliçosa Nina, abateu com as mãos o
bufante vestido que tomara as formas de um balão aerostático, e contou às
companheiras a história da rainha Isota de um modo algum tanto gracioso, e com
grande embasbacamento de Nemorino; principiou depois geral cantarola, e como
vimos tanta gente de boca aberta a esgoelar-se, não podemos dizer com certeza
quem foi que atrapalhou tudo aquilo, apesar do Sr. Ribas açoitar a lata como um
homem. Foi-se tudo aquele cantarejo povo embora, e só ficou Adina e o simplório
do Nemo rino para cantarem o dueto. Ela, coitadinha, foi peneirando as notas
como pode, e como quem faz o que pode não é a mais obrigado, damos-lhe a
absolvição; e ele foi enternecendo-se, e arrancando suspiros dignos de melhor
emprego. No andante, quando diz:
Chiede
all’aura lusinghera
Pareceu-nos ouvir aquela modinha escrita sobre a mesma música,
Vede,
ó Gelia, que poder
Têm
teus olhos delicados,
Que
o mais isento de amor
Beija
teus ferros dourados.
Pedimos ao Nemorino que substitua esta letrinha à d o libreto, porque
então não só o seu canto será mais apropriado e inteligente, como dirá uma verdade
à buliçosa Nina. No allegro
precisavam ambos, antes de cantar, que estudassem o Tratado de Vocalização de que falamos, e que só serve à dona de
livro de compostura. No fim do dueto... No fim? que dizemos? No fim,
não! em todo ele, de quatro em quatro compasso s, rompia da plateia um dilúvio
de palmas, que era coisa por maior, e um cão que lá estava latia como um
desesperado, em virtude sem dúvida das instruções que recebera. Há animais
muito inteligentes!!...
Desapareceram os dois palmejados atores, assobiou o Sr. Pessina,
moveram-se as tramoias, e descer das nuvens uma aldeia; pouco depois entrou o
charlatão Dulcamara em um carro de aluguel puxado por um cavalo magro, trôpego
e raquítico, que vinha conduzido pelo freio por duas figuras heteróclitas; na
almofada via-se senta do um turco arrenegado junto de um lacaio enxovalhado, e dominando
este interessante para esquipática personagem do doutor, cujos colarinhos em
guisa de vela latina, empoada gaforina e brinquinho na orelha, chamaram a
atenção do auditório.
O animalejo (queremos falar do cavalo) entrou em cena, deu com os olhos
no lustre e recuou ofuscado; atirou-lhe o cocheiro uma chicotada, e ele deu um
arranco; o homem da destra sofreou-o; mas o bom do rocinante, vendo-se diante
de tão conspícua assembleia, e querendo mostrar ainda uma vez ao menos, antes
de morrer, que era capaz de ato de heroicidade, arfou violentamente para
diante; os heteróclitos não o puderam conter; o carro, impelido e acelerado
pelo declive do tablado, rolou com velocidade para diante; o charlatão, o turco
e o lacaio, vendo-se em risco de serem precipitados na orquestra, que já se
alvoroçava, saltaram com presteza para o chão no meio da apupada que se
levantou da plateia; o ponto meteu a
cabeça para dentro da concha como uma tartaruga, e as coristas deitaram a fugir
espavoridas quais tímidas ovelhas.
Mas o pobre rocinante havia-se fiado com demasia em suas forças; sopeado
por um valente homem que lhe saltou ao magro pescoço, e empurrado pelo peso do carro,
dobrou os joelhos e caiu de focinhos. O imoderado riso que se apoderou de todas
as pessoas que estavam no teatro, o tropel do cavalo no tablado, o ruído das
rodas, fizeram um todo confuso que durou por alguns minutos. A custo levantaram
o tísico corcel, que, alquebrado e derreado, não deu mais um passo; o
Dulcamara, o turco e o lacaio subiram para seus lugares; os coristas cercaram o
carro; a ordem foi-se pouco a pouco restabelecendo, e principiando a orquestra
o acompanhamento da ária, o charlatão
a encetou.
Segundo nossa opinião, o Sr. Franchi cantou sofrivelmente; segundo a
opinião de seus amigos que o palmejavam, muito bem; segundo a opinião do cão
que continuava a ladrar, excelentemente; e segundo a judiciosa opinião do rocinante,
que batia com as patas e abanava a cabeça, superlativamente. É de crer que o
Dulcamara prefira esta última opinião, por ser a mais exagerada, e a que melhor
satisfaz o seu amor-próprio de cantor.
O patola do Nemorino, depois que o carro entrou para os bastidores ajudado
por quase toda a população da aldeia, porque o corcel embirro u em não dar um
passo, veio ter com o doutor a fim de comprar uma garrafa do elixir da rainha
Isota, para vencer a isenção da ingrata Adina. Este dueto foi bem cantado por
ambos e a seu respeito só temos que notar três pequenos incidentes:
1º — O Dulcamara, quando diz de Nemorino:
Gonzo
iguale non si trova, non si dà,
que em vulgar equivale a
Não
é possível encontrar-se maior patureba...
deu tal entoação e inflexão à voz, que nos pareceu quere fazer o
conceito do verso incisivo e dar-lhe aplicação. Talvez nos enganássemos; mas enganatio non est erratio. Perdoe-nos o
Dulcamara.
2º — Quando o mesmo doutor disse rindo-se, logo que vendeu a garrafa de
elixir ao simplório amante campônio:
É
Bordeaux, non é elixire...
o ponto sorriu-se e estalou os
beiços, lembrando-se do excelente vinho que bebera no Aljube na ceia que lhe
dera o Sr. Mugnay, e este lançou-lhe um olhar furibundo, como quem dizia: Não
me pilhas outro!...
3º — O cão que estava na plateia continuava a aplaudir os cantores como
podia, isto é, com latidos; mas a polícia, que viu nesse procedimento canino
uma infração ao regulamento teatral, mandou prender o inocente animal, e para
esse fim entrou na plateia um pedestre, que, chegando-se de mansinho para o
perturbador do sossego público, trepou em um banco com receio de ser mordido
nas canelas, e fazendo-lhe do lenço uma coleira, o levou preso, dizem uns que
para a Casa da Correção, e outros que para o meio do largo, onde lhe dera um
formidabilíssimo pontapé. Pobre animal, que pagou com dolorosos ganidos os
aplausos que tão desinteressadamente prodigalizara!
Agora perguntaremos nós: Por que entra o cão na igreja?... Porque acha a
porta aberta. Mas a porta da plateia está apenas meio aberta, e lá
constantemente estão dois porteiros vigilantes como Cérbero; como pois entrou o
cão? Está claro que com bilhete. A questão a elucidar é se ele o comprou ou lho
deram. Existem a esse respeito opiniões divergentes.
Nemorino, muito satisfeito com a aquisição que fizera da garrafa de
elixir, canta, mas não dança, porque não é ele homem para estas coisas de
graça, e cavalgando em um banco ri-se estultamente. Nessa situação o encontra a
garbos a Adina, e segue-se por conseguinte o dueto:
non
me guarda neppiú!
A Sra. Barbieri não se foi de todo mal neste dueto, e o senhor seu
amante fez-lhe sofrível perna. No principiar a cantora o allegro, arremessaram-lhe uma moeda de cobre, que ela apanhou e
beijou, agradecendo a pessoa que a desfeiteara. Não é necessário dizer que as
palmas e aplausos de seus partidários estrugiram os ouvidos de quantos lá
estavam. Já em outra ocasião estigmatizamos esse proceder infame d o homem que
incólume insulta por semelhante maneira uma mulher indefesa, e
ainda hoje e sempre levantaremos a mesma voz.
É preciso banirmos de nossa cena tão indigno
modo d e desaprovação, ou antes de inimizade. Permita-nos a Sra. Barbieri que
lhe façamos também uma reflexão. Não andou bem em apanhar a moeda e agradecê-la
tão risonha; isto dá provas de um ânimo aguerrido, que não é muito próprio de
uma senhora, e deixa campo a infinitas suposições. Disseram algumas pessoas,
vendo o seu sangue frio, que toda esta cena fora premeditada e arranjada de
antemão por seus próprios partidários, a fim de terem uma ocasião de mais para
aplaudi-la. Que nos diz a Sra. Barbieri a esta interpretação? Pedimos-lhe que
fuja sempre delas.
Depois deste dueto até o fim do ato nada mais mereceu especial menção...
Ai, com a breca, que temo-nos esquecido completamente do sargento Belcore!...
Também pouco se tem perdido... Vamos adiante.
Findou-se o ato e principiaram os espeques, em número de três a saber: a
ária de barítono da Parisina, superiormente cantada pelo Sr.
Tati, que lhe deu admirável poesia e colorido; a cavatina do Barbeiro,
pela Sra. Mugnay, que bem merecidos aplausos recebe pela maneira delicada e
graciosa porque a cantou; e a cavatina
do Belisário, energicamente
desempenhada pela Sra. Lasagna.
Foi nessa ocasião que ocorreu um fato virgem e curioso na nossa cena, um
qui pro quo teatral dos mais
divertidos. Vá de história. Os partidários e apaixonados da Barbieri mandaram
fazer duas coroas, um soneto e uma ode para mimosearem a sua dileta quando
aparecesse em cena; mas o juiz do teatro, cuja licença se foi impetrar, não
consentiu que os ditos objetos laudatórios fossem lançados à cena, p ara evitar
tumultos. Ora, a decisão magistral era cruelíssima; as coroas estavam feitas, e
o mais é que guapas, os versos
impressos, e as despesas pagas (isto era o pior da festa); com perder pois tudo
isto?
A imaginação dos homens é fértil, e o seguinte expediente foi logo
lembrado por um dos mais agudos engenhos da roda partidista. “Se o juiz não
quer dar licença, disse como inspirado, atiraremos as coroas e versos
sem licença. – Esta não lembra o diabo! Exclamaram todos admirados por tão
luminosa ideia; mas quem se encarregará da difícil e perigosa empresa?” Aqui
representaram eles fielmente aquela cena dos ratos que queriam atar ao pescoço
do gato o guiso avisador: todos aprovavam a lembrança, porém nenhum atrevia-se
a ser o executor. Por fim, depois de longa deliberação, apareceu uma alma
grande e generosa que votou-se ao sacrifício, e, tomando os projéteis, subiu à
sorrelfa para a quarta ordem e aí, pedindo ao camaroteiro que abrisse o último
camarote junto à cena, esperou a ocasião propícia. O medo é terrível
companheiro, de uma sombra faz um fantasma, e de um pigmeu um gigante; e o
nosso homem, que tremia de medo, lembrando-se do terrível e hediondo Aljube, onde
talvez dormiria essa noite, foi pouco a pouco perdendo a cabeça e
desorientado-se. Nessa ocasião, e quando já ele estava em suores frios, entrou
a Sra. Lasagna em cena, e tomando o sacrificado a voz desta contara pela da Sra.
Barbieri, porque o terror já lhe havia roubado a faculdade de comparação, atira
precipitado com toda a carga de coroa e versos na cena e plateia, e deita a
correr como um gamo pelas escadas abaixo. A Sra. Lasagna, vendo duas coroas a
seus pés, e a geada de versos que caía na plateia, supôs, como era natural, que
o negócio era com ela, e influída puxou pela estridente voz que foi um regalo;
e o juiz, enfurecido pela desobediência e pouco caso que tinham feito de sua
proibição, expediu apressado dois pedestres pra prenderem o delinquente.
É sabido que os pedestres e todos os
perdigueiros policiais escolhem o caminho mais curto; e como não é sempre este
o que tomam os criminosos, segue-se que desta vez ainda se desencontraram; mas
como os agentes policiais hão d e por força agarrar, porque é este o seu
ofício, os ditos pedestres engalfinharam-se a um pobre e inocente homem que
tranquilo descia do seu camarote, e o levaram à presença do juiz, qu e,
conhecendo o engano, o mandou soltar. Enquanto isto se passava nos corredores,
as pessoas que na plateia haviam apanhado os versos e lido no seu frontispício a seguinte
dedicatória: “A ilustre cantora Barbieri”,
conhecendo o deplorável engano que tinha havido, principiaram a rir-se e a
tocar facetas observações, ao passo que os empresários da ovação mordiam-se de
raiva.
Executada a ária, ufana
apanhou a Sra. Lasagna as coroas, e, agradecendo ao público, sumiu-se pelos
bastidores; foi então que, olhando p ara as fitas que pendiam das coroas, leu
nelas impresso em letras de ouro o nome da sua companheira! Oh! Cruel e
esmagador devia ser o vexame por que passou a Sra. Lasagna! Oh! desapontamento
horrível! Oh! qui pro quo vergonhoso!
Oh! infernal carambola! Partilhamos sinceramente os justos sentimentos da Sra. Lasagna
nessa noite, porque a sua posição foi verdadeiramente ridícula. Corrida e
envergonhada, fechou-se esta cantora no seu camarim, e poucos momentos depois
bateram-lhe ao ferrolho; era o moleque da Sra. Barbieri que ia buscar as
coroas. Como é de supor, foram-lhe imediatamente entregues, e a coroada, ao
aparecer em cena no segundo ato da ópera, as trazia na mão, beijando-as, a fim
de faze r ver aos interessados que elas haviam chegado o seu destino, ainda que
por interposta via, e que eram devidamente apreciadas. Palmas e mais palmas foi
a nova recompensa que obteve a Nina pela sua desembaraçada lembrança.
O segundo ato da ópera correu tranquilíssimo em comparação do primeiro;
o fatal engano resfriou o entusiasmo dos partidários, e os cantores foram
caindo em abandono. O duetto de Adina
com Dulcamara esteve insipidíssimo, apesar dos esforços que fazia o Sr. Franchi para ser engraçado, bradando: Ah dottore! Neste duetto houve uma coisa de notar-se, que até então passara
desapercebida no meio do ruído das palmas. Enquanto se aplaudia a Sra. Barbieri,
ouviu-se algumas vozes gritando: “À cena!
à cena!...” como se a cantora estivesse
fora dela, e este disparate deu causa a muito boas risadas, e houve quem
o explicasse do seguinte modo: “Os convidados receberam instruções para
aplaudirem e bradarem: “À cena!” nas devidas ocasiões; porém alguns deles, mais
novatos, não discernindo bem essas ocasiões,
cometeram o disparate acima
notado. Concordamos com esta explicação, e tornaremos toda a culpa aos calouros
teatrais.
De todo o segundo ato três coisas foram bem cantadas e se ouviram com
prazer: a romanza pelo Sr. Mugnay, o
coro das damas e a canção do Sr. Franchi. Pela primeira vez executou-se o quartetto
da ópera, por assim o exigir o mestre da companhia; porém como havia quatro
pessoas que o cantavam e mais vinte coristas, esteve mau como vinte e quatro.
Ensaiem-no melhor. O andante da ária
final foi sofrivelmente cantado pela Sra. Barbieri, mas o allegro nem por sombra nos deu a ideia do que deve ele ser. Repetiremos:
quem faz o que pode não é a mais obrigado. E assim finalizou-se ópera.
Pergunta: – O
Elixire d’Amore, cantado pela Sra. Barbieri e o Sr. Mugnay, que tal esteve? Agradou ou não?
Resposta: – Na segunda representação o teatro esteve quase vazio.
A pergunta é nossa e a resposta é do público; lá avenham-se com este
juiz.
Tenha o benigno leitor paciência em ler mais algumas linhas que
finalizaremos este folhetim, e desculpe-nos se, por falta do necessário
talento, tão imperfeita nos saiu a descrição da patuscada teatral.
No espetáculo de sexta-feira nada ocorreu de notável. O Elixire foi cantado do mesmo modo, a
ária de Parisina pelo Sr. Tati foi
muito aplaudida, e a Sra. Canonero levou uma pateada. No sábado o espetáculo
dramático teve por espeques, o duetto de Mareschiale d’Ancre pela Sra.
Meréa e o Sr. Tati e a ária de Carlo de
Borgonha pela Sra. Mugnay. Da boa execução
do duetto já temos por várias vezes
falado; a ária foi cantada com muita inteligência e compreensão pela Sra. Mugnay,
e lhe faremos por isso os nossos cumprimentos.
Os pateadores em serviço ativo estão tornando-se bravios: já não é
somente nos espetáculos líricos que mostram para quanto prestam; nos dramáticos
também se lhes assanha o furor. No sábado deram pateada à
comédia O Noviço e ao provérbio Quem casa quer casa. Consta-nos que
estão preparando outra, e formidável, contra a diretoria, a quem farão vir à
cena. Desta feita ninguém escapa, culpados e inocentes. Muito temos que ver!...
O mestre Giannini anda banzando pelos corredores do teatro. Que diabo terá o
mestre?...
Por falta de espaço não podemos dar uma análise completa dos espetáculos
que subiram à cena durante a semana no Teatro de S. Francisco, e apenas diremos
que na quarta-feira representou-se os Diamantes
de La Couronne. Numerosa foi a concorrência de espectadores. Entre estes
notavam-se sessenta e tantas meninas do colégio de Mme. De Geslin, todas
vestidas de branco, que enchiam os camarotes da ordem nobre do lado direito, e
apresentavam agradável vista. Mlle. Duval recebeu, como sempre, justos e merecidos
aplausos. No sábado subiu à cena La Dame
Blanche, encarregando-se Mlle. Duval do papel outrora representado por Mme.
Mège.
Escreveremos mais uma linha, porque a justiça o pede. Graças aos
incessantes esforços de M. Abel, a orquestra vai fazendo progressos. Ainda bem!
---
Luís Carlos Martins Pena (1815-1848)
Pesquisa: Iba Mendes (2019)
Luís Carlos Martins Pena (1815-1848)
Pesquisa: Iba Mendes (2019)
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