(Narrativa)
Contam
que um homem foi caçar. Perdeu-se no mato e já noite meteu-se debaixo de uma
grande árvore. Já tarde, ouviu o Curupira dizer:
—
Aqui cheira a gente.
O
homem respondeu:
—
Sou eu, pai.
Dizem
que depois o Curupira entrou, foi ter com ele e disse-lhe:
—
Ah! Meu filho! Dá-me a tua mão que eu quero comer.
Dizem
que o homem cortou a mão do macaco, que o Curupira comeu, e tornou a dizer:
—
Corta também a outra banda da tua mão que eu quero comer.
Depois
que acabou de comer a mão, disse-lhe também:
—
Dá-me o teu coração para eu comer.
O
homem deu depois o coração do macaco. O Curupira comeu. O homem então disse
logo ao Curupira:
—
Pai! Dá-me também o teu coração para eu comer.
—
Me dá, então, a tua faca.
O
homem deu lhe logo a faca. Meteu-a no coração, caiu logo e logo morreu. Depois
de passados alguns meses, lembrou-se o homem do Curupira, e dizem que dissera:
—
Vou ainda tirar os dentes do Curupira para contas de minha filha.
Dizem
que pegou logo no machado e chegando ao Curupira, olhou, e dizem que estavam os
dentes quase azuis.
O
homem bateu logo como machado nos dentes. O Curupira então acordou.
—
Ah! Meu filho! Agora eu sei que tu me queres bem.
Dizem
que ele dissera: “É verdade”.
Como
tu me queres bem, agora eu vou te dar um arco e uma flecha. Quanto tu quiseres
pedirás a essa flecha. Flecha para o cerrado sem destino, que ela há pegar a
presa, mas tu não flecharás pássaros de bando, porque pode acontecer que eles
te matem.
Depois,
o homem foi-se embora. Sempre que queria ia caçar, e diariamente era feliz.
Dizem
que uma vez se esqueceu e flechou o Aracuã, e que logo os companheiros caíram
sobre ele e despedaçaram-lhe as carnes. Morreu.
Depois,
então o Curupira foi ter com ele, que aquentou cera no fogo e com ela uniu as
carnes.
Dizem
que o Curupira lhe dissera:
—
"Agora não comas coisas quentes".
O
homem caçava todos os dias. Um dia esquecendo-se, dando-lhe a mulher tacacá
quente, tomou e derreteu se logo.
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Fonte:
João Barbosa Rodrigues (1842-1909):
"Poranduba amazonense" (1890)
Pesquisa: Iba Mendes (2019)
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