9/07/2019

França Júnior na Literatura Brasileira (Resenha)



França Júnior na Literatura Brasileira

França Junior, apesar de ser um dos patronos da Academia Brasileira de Letras, ou melhor, apesar de "imortal' (ou talvez por isso mesmo, numa época em que vivemos de paradoxos), pode ser incluído entre as figuras esquecidas da literatura brasileira. Nessa fase que atravessamos, em que o gênero biográfico se impôs ao agrado de toda a gente, e que vários escritores se têm dedicado a essa modalidade de arte tão sugestiva e atraente, nenhum deles ainda se lembrou de analisar a personalidade de França Júnior. Sobre a sua vida e sobre a sua obra — nem um só livro. Mesmo nas colunas dos jornais, raramente se encontram referências ao seu nome. E ainda há pouco, o cinquentenário da sua morte transcorrido no dia 27 do mês passado, passou quase despercebido. Apenas referências soltas, aqui e acolá, sem nenhuma significação. Esqueceram-se de colocar França Júnior como ele deveria ser colocado. Não como expoente da intelectualidade brasileira, mas como autor de uma obra vasta e interessante, profundamente curiosa e humana, e como um admirável conservador, que atraía para a pessoa grande número de admiradores.

No seu tempo, poucos escritores alcançaram maior popularidade. Suas peças teatrais constituíram sempre sucessos absolutos. Mereciam constantemente espontâneos e sinceros aplausos. O mesmo se verificava com os seus folhetins, recebidos sofregamente pelo público. Aliás, França Junior, como escritor, se caracterizava, principalmente, pela arte de saber agradar. Não se dedicando nunca a assuntos profundos ou transcendentes, que só podiam interessar a um número restrito de pessoas, procurava, ao contrário, os temas simples e oportunos, aptos a despertar o interesse de toda a gente.

Escrevendo sobre assuntos banais, corriqueiros, medíocres, França Junior o fazia com tanta habilidade e finura, que se tornava apreciadíssimo. A vida carioca de sua época tornou-se o seu assunto predileto. Focalizou constantemente cenas familiares, rusgas de namorados, costumes burgueses, surtos de feminismo, tudo colocando no lado cômico e ridículo, sem, no entanto, perder a sua habitual elegância. Ainda hoje, lê-se com agrado as páginas de França Júnior, que bem valem, conforme já acentuara Vitor Viana, como uma documentação.

Na sua obra, ficou impressionantemente retratada a sociedade de seu tempo, com todas as suas minúcias, com todos os seus esnobismos. Ele, cujo objetivo principal era divertir, realizou, sem dúvida, alguma coisa muito maior, deixando uma documentação indispensável para os que quiserem estudar os costumes daquela época, em que quase todos os seus aspectos ali ficaram condensados. Vitor Viana, ao tomar posse da cadeira que tinha como patrono França Júnior, já dissera que ele produziu mais para a história da nossa civilização, ainda por fazer, do que muitos historiógrafos de profissão.

Além de tudo, ao falar de França Júnior, não é possível lembrar apenas o teatrólogo e o folhetinista que, no seu gênero e na opinião de muitos, até hoje não foi superado. Foi ele também um conversador admirável. Não era dos que economizam inteligência para aplicá-la exclusivamente na elaboração de seus trabalhos. Conversando, era adorável — e sua inteligência borbulhava, com cintilações fulgurantes. Sobre essa modalidade pessoal de França Júnior, muitos dos seus contemporâneos se expandiram, inclusive Aluísio de Azevedo, que assim se exprimiu:

 "O França é homem que, visto pela primeira vez, nos faz vontade de ouvi-lo; ouvindo-o, temos desejo de ouvi-lo mais, e se o ouvimos mais, acabou-se. Ficamos amigos. Então, se fala sobre belas-artes... adeus minhas encomendas!".

Essas palavras, publicadas ainda em vida de França Júnior, podem nos dar uma ideia do encanto que despertava a personalidade do folhetinista, mesmo nos meios intelectuais, nos meios mais exigentes. França Junior possuía, realmente, o dom, aliás, raríssimo e irresistível, de bem focalizar todos os assuntos. Sabia agradar e prender com entusiasmo. O mesmo Aluísio de Azevedo, no seu estilo irreverente, presta maiores informações:

"Basta dizer que o diabo do homem correu todos os museus da Europa, frequentou salões, câmaras políticas, clubes, teatros, ateliers, boudouir, o inferno! Para cada fato, opõe uma anedota; para cada tipo um bom dito; para cada mulher, um galanteio".

Eis aí França Júnior, aquele cujo cinquentenário da sua morte passou quase esquecido nos dias que correm. Sua inteligência era bem esta: risonha, sugestiva, trepidante. E se, ouvindo-o, tinha-se o desejo de ouvi-lo mais, também os que o liam se viam apoderados da vontade de lê-lo mais. Ele escrevia como falava, e isto foi, justamente, um dos segredos da sua imensa popularidade.

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NIOMAR MONIZ SODRÉ
Revista "Vamos Ler!", 31 de outubro de 1940.
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2019)

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