9/29/2019

Lobato e o Espiritismo (Resenha)



Lobato e o Espiritismo

Diversas publicações espíritas noticiaram que Monteiro Lobato, nos últimos anos de sua vida, se havia convertido ao espiritismo, o que exige uma retificação. Se é verdade que ele olhava para os espíritas com muita simpatia, pois sempre viu neles homens sinceros e honestos, não é menos verdade que jamais abdicou de sua condição de livre atirador. Admitia a sobrevivência, é inegável, mas dela nunca teve plena e absoluta convicção, como se pode concluir da última carta que escreveu a seu velho amigo Godofredo Rangel:

"Não é impunemente que chegamos aos 66 de idade. O que eu tive foi uma demonstração convincente de que estou próximo do fim, — foi um aviso — um preparativo. E de agora em diante o que tenho a fazer é arrumar a quitanda para a "grande viagem", coisa que para mim perdeu a importância depois que aceitei a sobrevivência. Se morrer, é apenas "passar' do estado vivo para o de não-vivo, que venha a morte, que será muito bem recebida. Estou com uma curiosidade imensa de mergulhar no "ALÉM"! Isto aqui, o corporal, já está mais que sabido e já não me interessa. A morte me parece a maior das maravilhas; isto mesmo que tenho aqui, mas sem o corpo! Maravilha, sim. Não mais tosse nem pigarros nem... da coisa orgânica.

E se não for assim? dirá você. E se em vez da continuação da vida a morte trouxer extinção total do ser?

Nesse caso, vis-ótimo! Entro já de cara no NIRVANA, nas delícias do NÃO-ser. De modo que me agrada o que vem aí; ou continuação da vida, mas sem estes órgãos já velhos e perros, cada dia com pior funcionamento, ou o NADA!.."

Lobato encarava o espiritismo como um investigador, mas não como um crente, e jamais, entre outras coisas, pôde entender o valor e a utilidade das preces que são ditas numa sessão espírita. Chegava mesmo a ironizar os místicos "graças a Deus" que dizem os crentes diante de qualquer fenômeno porventura constatado numa sessão. Além disso, seus conhecimentos teóricos da doutrina eram dos mais limitados, pois lera apenas superficialmente alguns livros de Allan Kardec. Aceitava, entretanto, a hipótese do "sexto sentido" formulada por Charles Richet e, como disse acima, embora ironizasse certas práticas, era grande ó seu respeito pelo espiritismo e seus adeptos. E disso posso dar meu testemunho pois, muitas vezes tive a oportunidade de assistir discussões suas a esse respeito. Ficava contrariado com pessoas que procuravam negar os fatos espíritas, atribuindo ao charlatanismo e à fraude os fenômenos porventura observados numa sessão espírita. "Fraude é uma coisa e espiritismo é outra completamente diferente", dizia ele. Nessas ocasiões costumava contar que já assistira diversos fenômenos realmente interessantes que haviam desarrumado por completo todas as ideias pacientemente arquivadas nas prateleiras de seu cérebro, embora a arrumação primitiva houvesse sido feita com o máximo cuidado.

De tudo isso se conclui que Lobato tinha pelo espiritismo um grande respeito e um grande interesse, mas não se pode de forma alguma concluir que ele se tenha tornado um adepto da religião de Allan Kardec.

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HUGO DE BARROS
Revista "Fundamentos", outubro de 1946.
Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2016)

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