9/29/2019

O Estado Judeu (Resenha)


O Estado Judeu

Há cinquenta anos que se publicou o Estado Judeu ("Der Judenstaat") de Theodor Herzl. Meio século!

Meio século cheio de acontecimentos como em nenhum outro igual período da História Humana. Esses acontecimentos se processaram vertiginosamente e daí a sua extraordinária originalidade. Transformações sempre houve, mas não em ritmo tão acelerado. E de tal forma se concretizaram essas transformações que de lá para cá o panorama do mundo se modificou, diria antes se transfigurou por completo: — impérios formidáveis se desmoronaram; organizações sociais multisseculares, e que pareciam inabaláveis, ruíram ou se transformaram como por encanto. Vemos Repúblicas com o nome de democracias criando o caráter absolutista e autocrático com o nome de totalitarismo; monarquias aristocráticas ora pregando esse mesmo totalitarismo, ora defendendo a democracia; e chegamos a um momento em que o mundo se nos mostra em tal confusão que podemos aplicar-lhe a apóstrofe percuciente do nosso grande Profeta: "..."toda cabeça está enferma e todo coração desvairado" ( Isaías, 1:5).

A China republicanizou-se; o império dos Czares desapareceu como regime despótico e hoje é um conjunto de repúblicas; a Turquia deixou de ser uma potência europeia se bem que adotasse o uso do chapéu; o Japão que vivia a sua idade média ainda no século XIX surgiu de uma sangrenta revolução e se emparelhou, até há bem pouco, com as modernas nações mais poderosamente temíveis; a Áustria ficou anulada; e mil republiquetas surgiram no cenário do mundo.

De todo esse caos se procura a causa. Uns responsabilizam a falta de espiritualidade dos povos ou seja também a falta de religião; outros, a deslealdade dos maus governos; estes pensam que as ideologias derivadas da Economia Política causaram o mal, e aqueles afirmam que a ciência positiva materializou demais os homens. É certo que a primeira e a segunda grandes guerras revelaram aos homens o poder esmagador da Física e da Química modernas; e ao mesmo tempo estes mesmos progressos tornaram o mundo menor para a ambição expansionista dos homens.

Na melhor das hipóteses, entretanto, estamos apenas diante de uma grande transformação social.

As sociedades chamadas conservadoras se retraem diante dessa transformação a que assistimos, e de que não se pode ao certo afirmar ou negar que se encaminhe para a paz ou para desastres maiores dos que acabamos de ver nestes últimos anos.
                            
Em 1896 só os homens de gênio poderiam pressentir os grandes acontecimentos que se avizinhavam. Herzl foi um desses raros gênios previsores. O Estado Judeu é um grito de alerta no meio da apatia dos que iam ser vítimas de grandes desgraças. Os Judeus direta ou indiretamente acompanharam esses acontecimentos, e foram dolorosamente apanhados na sua trama de calamidades por não haverem ouvido a voz do seu novo profeta .

Depois da Revolução Francesa como que começam a sacudir o torpor de um longo passado. E com outras gentes ocorreu algo parecido .

Efetivamente, o século dezenove é o século por excelência do despertar das nacionalidades. Os Judeus despertam também. Mas com os membros dispersos e sem o apoio material do território dificilmente poderiam realizar a sua justa aspiração. A atenção do Povo de Israel continuava voltada para os seus estudos multisseculares e desenvolveria cada vez mais a sua requintada mentalidade intelectual. Tornava-se necessário que alguém consubstanciasse o seu grande ideal. Esse alguém apareceu na figura extraordinária e genialmente inconfundível de Theodor Herzl .

Associado a ele desde os primeiros dias do Sionismo político, Max Nordau colaborou eficazmente e estes dois homens representam na história do seu povo a expressão lídima do moderno profetismo de Israel; tão notáveis que nestes últimos cinquenta anos não temos feito mais do que por esta ou aquela forma repetir e glosar o que estes Grandes Homens nos disseram; como os Nossos Pais, e nós ainda, não fazemos mais do que repetir as palavras dos profetas Bíblicos. Se os comparamos aos Profetas é porque nestes cinquenta anos as suas palavras se realizaram impressionantemente. Mesmo as grandes desgraças ocorridas foram por eles pressentidas e profetizadas. Quando os judeus alemães e a maioria dos seus rabinos procuravam desmoralizar a obra de Herzl, Max Nordau fez, entre outras, uma conferência em Berlim a 23 de janeiro de 1899 exclamando em dado momento: "Dia chegará em que o Sionismo vos será tão necessário a vós outros, alemães orgulhosos, como a esses miseráveis Ostjuden que temeis e aborreceis! Dia virá em que também vós tereis de implorar a nossa ajuda, e em que suplicareis que se vos dê asilo nesse país que menosprezais! Temei o porvir!" Digam o que quiserem os doutores judeu-germânicos, mas o que é certo é que a previsão profética do moderno Isaías se realizou exata e dolorosamente, e com ela a angústia universal de Israel. Quanto ao gênio previsor de Theodor Herzl basta que folheemos com interesse o Estado Judeu para encontrarmos nas entrelinhas e como que falando acidentalmente verdadeiras profecias de uma significação bem atual: "Não darão crédito às minhas palavras até que tenham sido novamente objeto de perseguições." Será preciso comentar?

O antissemitismo nazista revelou ao mundo, e a nós em particular, que a civilização atual não é bem o que imaginávamos quando moços: Liberdade, Igualdade, Fraternidade — o belíssimo lema da Revolução Francesa. Século e meio depois, esse ideal se nos apresenta como expressão vaga, irrealizada e parece que por ora irrealizável. O grande Herzl o diz singelamente e por outras palavras: "No estado atual do mundo, e sem dúvida ainda por muito tempo, a força se sobrepõe ao direito". Daí a necessidade que havia de orientar o Povo de Israel na direção dos seus verdadeiros destinos e O Estado Judeu foi o despertador dos letargiados, o verdadeiro Mekis Nirdamim.

Neste trabalho Herzl se revela estadista de gênio, conhecedor profundo de Economia Política, jurista e legislador ao mesmo tempo, e enfim sociólogo por excelência. Foi essa obra que desencadeou o sionismo político, o que tornou compreensível a possibilidade da restauração da Nação Judia, levando este Povo a realizações práticas que são tão ponderáveis que as nações atuais, interessadas na construção de uma paz duradoura, enfrentam o problema da Palestina judia como um dos principais fatores dessa paz.

Herzl era um gênio e os gênios fazem obra criadora. Para nós Judeus, Deus criou o mundo ex-nihilo. O gênio de Herzl criou também ex-nihilo o Estado Judeu, pois sua obra foi eficientemente criadora . Foi um verdadeiro milagre . Foi uma ressurreição. Quaisquer, pois, que sejam os acontecimentos da política internacional, este livro representará na história do mundo um fator decisivo para a salvação de uma coletividade humana, entre as coletividades humanas. Ficará perenemente sobrenadando, quaisquer que sejam as consequências ou modificações futuras do mundo político — Fluctuat nec mergitur. Pouco importa que o plano não se tenha realizado tal qual se encontra nesta obra: o que é fato é que por este ou aquele processo o ideal judeu surge vívido dentro do Direito das Gentes. E foi baseado nesse direito que é o mais sagrado de todos, pois é o direito de viver como povo, que Herzl se dedicou à salvação dos remanescentes do judaísmo. E nesse caráter é que escreveu o seu livro. O efeito moral desta obra foi admirável . O Estado Judeu é, pois, a Bíblia do Moderno povo de Israel.

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DAVID JOSÉ PEREZ
Revista "Ilustração Brasileira, junho de 1955.
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2019)

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