9/29/2019

Virgílio Várzea e as Novas Gerações (Resenha)



Virgílio Várzea e as Novas Gerações 

O primeiro pensamento que me ocorreu, ao tratar dessa figura ímpar nas letras brasileiras — Virgílio Várzea — foi verificar o que dele disseram os grandes críticos e historiadores da nossa literatura. Sílvio Romero, sempre tão minucioso no inventário dos nossos escritores, chegando mesmo a pecar, não raro, pelo critério indiscriminatório, se não chega ao ponto de ignorar inteiramente o escritor catarinense, apenas lhe dedica duas linhas, ao enquadrá-lo no universalismo eclético de Coelho Neto. Na "Literatura no Brasil", vasto painel das letras nacionais realizado por uma equipe notável de críticos e historiadores modernos, sob a orientação do professor Afrânio Coutinho, há também uma brevíssima referência a Virgílio Várzea. Otto Maria Carpeaux não o registra na sua "Pequena Bibliografia da Literatura Brasileira”, embora figure, nesse levantamento bibliográfico, escritores menores, hoje esquecidos, como Francisca Júlia da Silva, Teixeira e Sousa, Dutra e Melo, Frei de São Carlos, Elói Otoni, Natividade Saldanha, Borges de Barros, em suma, toda uma constelação de planetas de tímidos lampejos nos céus da literatura brasileira. Não quero referir-me às pequenas Histórias, como a de José Veríssimo, a de Ronald de Carvalho, a de Manuel Bandeira. Veríssimo, embora tenha dedicado dois trabalhos a Virgílio Várzea nos seus "Estudos de Literatura Brasileira", deixou de lado o escritor catarinense na sua "História", onde, no capítulo sobre o Realismo, só focalizou os expoentes. Ronald de Carvalho e Manuel Bandeira apenas passam de raspão pela obra do marinhista. E isso já é alguma coisa, se levarmos em conta que "muitos são chamados e poucos os escolhidos no Reino da Literatura". Mas também não é quase nada, se considerarmos que Virgílio Várzea, cognominado o "Pierre Loti brasileiro", não conseguiu em sua terra uma terça parte do quinhão de glórias tributadas ao seu êmulo de além-mar. Pierre Loti pertenceu à Academia Francesa e os historiadores da sua Pátria o acolheram generosamente, reservando-lhe em suas obras um espaço de que o autor de "Mares e Campos" nunca desfrutou entre nós.

E é deveras estranho que isso aconteça num país como o nosso, em que os valores do espírito não têm sido peneirados em joeiras de malha fina, pois não somos lá tão opulentos em matéria de eminências literárias. Agripino Grieco, ao ter conhecimento, de uma feita, de que um dos nossos críticos estava projetando uma história da literatura brasileira em vinte volumes, comentou, com aquela graça irreverente do seu espírito: "Não sei como é que se pode escrever vinte volumes sobre uma literatura que não tem mais de meia dúzia de escritores". A verdade é que uma literatura relativamente pobre, com a nossa, de valores universais, não se pode dar a esse luxo de ignorar os escritores que formam a mediania dos nossos homens de letras, pois é neles, como já se tem dito, que se encontram os verdadeiros caracteres de uma época ou de uma escola literária, com os seus defeitos e as suas qualidades.

O que não se pode negar é que Virgílio Várzea, com os contos e as novelas moldados no gênero marinhista, tenha conquistado um lugar na história da literatura brasileira. Mas a despeito dessa conquista, sem dúvida nenhuma consagradora, a sua obra é hoje inteiramente desconhecida do grande público e, o que e mais grave, das próprias elites intelectuais. E uma das razões desse olvido em que vive o escritor se deve ao fato de os seus livros se encontrarem esgotados já há muitos anos, constituindo-se, hoje, em verdadeiras raridades bibliográficas.

E posso afirmá-lo por experiência própria, pois levei mais de dois meses para descobrir, em Florianópolis, um exemplar do "Brigue Flibusteiro", a novela de piratas reeditada pela "Saraiva" em 1941. Na Biblioteca Pública encontrei, dos quatorze livros publicados por Virgílio, apenas três: "A Ilha de Santa Catarina", "Contos de Amor", e "Rose Castle". Como se vê, Virgílio Várzea é um escritor inédito para as gerações de hoje.

Não digo que se lhe reedite toda a obra, pois nem tudo que produziu merece ser exumado para nova publicação. Mas é indiscutível a necessidade de se reimprimirem os seus livros mais representativos, aqueles em que o escritor, transformado em aquarelista, exibe a sua admirável galeria de quadros da vida praieira do litoral catarinense. São os "Mares e Campos" e as "Histórias Rústicas" e, se quisermos mar alto com breves incursões pela costa, o “Brigue Flibusteiro" e "Nas Ondas".

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Revista "Leitura", 21 de junho de 1960.
Pesquisa e adaptação ortográfica: Iba Mendes (2019)

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