As Minas Gerais
A
América espanhola havia logo dado à metrópole o Eldorado que as navegações
procuravam, em ouro e prata. Portugal foi menos feliz. Os índios, parece,
indicavam aos primeiros navegantes haver o precioso metal em terra (Carta de
Pero Vaz, in Alguns documentos...
do Tombo).
Andou-se, depois, à procura. Na divisão em dois governos, o do sul visava as
minas. As bandeiras, por fim, acharam-nas: a princípio escassas, chegou-se
finalmente à abundância, e tantas que foram as “Minas Gerais”; dois séculos se levaria
para isso. A primeira fundição faz-se em 1694 em Taubaté. Em 1698 é o triunfo.
A fundição reduz o ouro a barras, amoeda-o e cobra o quinto real, imposto da
Coroa. O ouro Del-Rei vai na nau dos “quintos” e o dos particulares gasta-se
nas aquisições, no reino e na colônia, dos produtos estrangeiros que usa o
país. O ouro não faz senão transitar. O beneficiário é a Inglaterra, cujas
indústrias, excedentes ao consumo interno, vêm para Portugal e Brasil. Pelo
Tratado de Methwen, negociado sob Pedro II em 1702, há tarifa preferencial para
os vinhos portugueses em Inglaterra e importação franca de panos ingleses do
outro lado.
O
ouro da Coroa gastou-se nas obras suntuárias de Dom João V, das quais basta
citar as do colossal e inútil convento de Mafra; as da riquíssima capela de São
João Batista em São Roque, feita em Roma, de lápis-lazúli e ouro, cujos
paramentos, da maior riqueza, fazem um museu de indumentária religiosa
incomparável. Gastou-se em embaixadas suntuosas, em presentes magníficos,
remunerações quantiosas, um fausto que o Museu dos Coches em Lisboa ainda
atesta, que atesta a talha doirada desse relicário, que é a Biblioteca da
Universidade de Coimbra. Dom João V não foge à imitação ou à moda do tempo —
teve amantes mesmo nos conventos (Odivelas foi retiro galante) e bastardos,
colecionados até num paço — donde os meninos de
Palhavã — e Luiz XIV e
Versalhes, e as concubinas (aquelas que Frederico da Prússia chamaria Cotillon etc.) e seus
filhos, — não deixariam de estar presentes à Corte de Portugal...
Nesse
escândalo de Dom João V esquece-se a proteção dispensada às artes e às
ciências, as escolas, as academias, os aquedutos e os hospitais, e o que o
fausto produz de animação à sociedade. Esse fausto, porém, tem de ser medido em
dinheiro. O exagero é sempre bem-vindo. Rocha Pita disse: A cópia de ouro que as minas lançam das suas veias é infinita, e o
número das arrobas que delas se tiram quase impossível saber-se... (História
da América Portuguesa). “Ilusão da desordem”, diz um economista historiador...
achamo-nos em face de quantias quase
modestas: 269 milhões de cruzados em trinta e três anos; 8 milhões e pouco ao
todo, cada ano, para particulares e para o rei. E como, teoricamente, pertencia
a este o quinto do ouro e diamantes, tocar-lhe-iam menos de 54 milhões, um ano
por outro cerca de 655 contos (J. Lúcio Azevedo).
Esses
dados vêm de extrato de publicações oficiais feitas pelo Visconde de Santarém (Quadro
elementar das relações diplomáticas). Da
relação como está organizada, constam, desprezando as frações, 51 milhões para
a coroa, 79 para os particulares e 137 sem designação. É provável acharem-se
incluídas na última parcela, somas pertencentes ao Estado, mas há pouca
aparência de exceder muito o total, os 55 milhões, em que o quinto podia importar
(J. Lúcio). Ora, somando as três parcelas, 51 milhões da Coroa; 79, dos
particulares; 137, sem designação: tem-se 267, de que 51 é pouco menos do
quinto; além desse quinto teria vindo para particulares, no Reino 79; no Brasil
teriam ficado 137 milhões, que viriam, com demora relativa, ao reino, para
pagamentos. O contrabando, que escapava ao fisco, aumentava a quota que ficava
na terra. Parece óbvio: a estatística oficial feita em Portugal refere-se ao
dinheiro ou ouro recebido diretamente. O ouro do Brasil, portanto, mais de
metade, serviria ao próprio Brasil.
Mais
perto, e com as responsabilidades de ministro, dobrando a parada, disse Pombal:
as minas de ouro no Brasil produzião
anualmente vinte e quatro milhões de cruzados. Depois do descobrimento das minas, isto é, ha sessenta anos sahirão do
Brasil quasi mil milhões de cruzados. Isto he fato verdadeiro, os manifestos de
cada frota, que trouxerão ouro para a Europa, desde o reinado do Sr. D. Pedro
II, andão em Portugal entre as mãos de todos (Cartas e outras obras do
Marquez de Pombal, 1832).
Esse
ouro, na época, diz Simonsen, exerceu influência sobre as trocas
comerciais do mundo e a Inglaterra, principalmente, o recolheu às suas
reservas, depois de transitar apenas por Portugal. O desenvolvimento capitalista
e industrial da Europa no fim do século XVIII, disse Werner Sombart, teria sido
impossível sem a penetração impetuosa e estimulante do ouro brasileiro. De um
cálculo global João Lúcio de Azevedo diz: perfaz
tudo (renda dos quintos) 107 milhões de cruzados nos quarenta e quatro anos de
reinado (de Dom João V), quantia de vulto para o tempo, mas de nenhum modo de
proporções fabulosas, como nos habituaram a imaginá-los, os historiógrafos,
fundados na tradição. Ora, 107 é quinto de 535, portanto 428 milhões de
cruzados renderiam as minas do Brasil, para os Brasileiros e portugueses no
Brasil: mais de metade ficaria na terra de origem: todo entretanto com relativa
demora se iria ao estrangeiro, para a aquisição das utilidades da vida. Mais
dia, menos dia, à Inglaterra. O próprio citado Pombal diz que os 24 milhões de cruzados anuais
serviam para pagar 28 de importações inglesas. À mesma medida que o ouro do Brasil se vasou na Gran-Bretanha produziu
ahi a terra mais. Os progressos das
artes tiveram a mesma causa. O metal do Brasil pôs em movimento a indústria
desta nação, que antes falecia. Assegura, finalmente, Pombal, que a moeda
circulante em Inglaterra era menos comum com a efígie de seu rei, do que com a
de D. João V... Já a bolsa de Desdêmona, no “Otelo”, de Shakespeare, publicado
em 1622, está cheia de cruzados, my purse full of cruzadoes, mas esse não seria do
Brasil... Já de antes o ouro português (os guinéus, moeda de ouro, aludem à
Guiné) ia à Inglaterra.
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