A ARRÁBIDA
I
Salve,
ó vale do sul, saudoso e belo!
Salve,
ó pátria da paz, deserto santo,
Onde
não ruge a grande voz das turbas!
Solo
sagrado a Deus, pudesse ao mundo
O
poeta fugir, cingir-se ao ermo,
Qual
ao freixo robusto a frágil hera,
E
a ramagem do túmulo cumprindo,
Só
conhecer, ao despertar na morte,
Essa
vida sem mal, sem dor, sem termo,
Que
íntima voz contínuo nos promete
No
trânsito chamado o viver do homem.
II
Suspira
o vento no álamo frondoso;
As
aves soltam matutino canto;
Late
o lebréu na encosta, e o mar sussurra
Dos
alcantis na base carcomida:
Eis
o ruído de ermo! Ao longe o negro
Insondado
oceano, e o céu cerúleo
Se
abraçam no horizonte. Imensa imagem
Da
eternidade e do infinito, salve!
III
Oh,
como surge majestosa e bela,
Com
vivo da criação, a natureza
No
solitário vale! E o leve inseto
E
a relva e os matos e a fragrância pura
Das
boninas da encosta estão contando
Mil
saudades de Deus, que os há lançado,
Com
mão profusa, no regaço ameno
Da
solidão, onde se esconde o justo.
E
lá campeiam no alto das montanhas
Os
escalvados píncaros, severos,
Quais
guardadores de um lugar que é santo;
Atalaias
que ao longe o mundo observam,
Cerrando
até o mar o último abrigo
Da
crença viva, da oração piedosa,
Que
se ergue a Deus de lábios inocentes.
Sobre
esta cena o sol verte em torrentes
Da
manhã o fulgor; a brisa esvai-se
Pelos
rosmaninhais, e inclina os topos
Do
zimbro e alecrineiro, ao rés sentados
Desses
tronos de fragas sobrepostas,
Que
alpestres matas de medronhos vestem;
O
rocio da noite a branca rosa
No
seio derramou frescor suave,
E
inda existência lhe dará um dia.
Formoso
ermo do Sul, outra vez, salve!
IV
Negro,
estéril rochedo, que contrastas,
Na
mudez tua, o plácido sussurro
Das
árvores do vale, que vicejam
Ricas
d'encantos, com a estação propícia;
Suavíssimo
aroma, que, manando
Das
variegadas flores, derramadas
Na
sinuosa encosta da montanha,
Do
altar da solidão subindo aos ares,
És
digno incenso ao Criador erguido;
Livres
aves, vós filhas da espessura,
Que
só teceis da natureza os hinos,
O
que crê, o cantor, que foi lançado,
Estranho
ao mundo, no bulício dele,
Vem
saudar-vos, sentir um gozo puro,
Dos
homens esquecer paixões e opróbrio,
E
ver, sem ver-lhe a luz prestar a crimes,
O
sol, e uma só vez pura saudar-lha.
Convosco
eu sou maior; mais longe a mente
Pelos
seios dos céus se imerge livre,
E
se desprende de mortais memórias
Na
solidão solene, onde, incessante,
Em
cada pedra, em cada flor, se escuta
Do
Sempiterno a voz, e vê-se impressa
A
destra sua em multiforme quadro.
V
Escalvado
penedo, que repousas
Lá
no cimo do monte, ameaçando
Ruína
ao roble secular da encosta,
Que
sonolento move a coma estiva
Ante
a aragem do mar, foste formoso;
Já
te cobriram céspedes virentes;
Mas
o tempo voou, e nele envolta
A
formosura tua. Despedidos
Das
negras nuvens o chuveiro espesso
E
o granizo, que o solo fustigando
Tritura
a tenra lanceolada relva,
Durante
largos séculos, no inverno,
Dos
vendavais no dorso a ti desceram,
Qual
amplexo brutal de ardos grosseiro,
Que,
maculando virginal pureza,
Do
pudor varre a auréola celeste,
E
deixa, em vez de um serafim na terra,
Queimada
flor que devorou o raio.
VI
Caveira
da montanha, ossada imensa,
É
tua campa o céu: sepulcro o vale
Um
dia te será. Quando sentires
Rugir
com som medonho a terra ao longe,
Na
expansão dos vulcões, e o mar, bramindo,
Lançar
à praia vagalhões cruzados;
Tremer-te
a larga base, e sacudir-te
De
sobre si, o fundo deste vale
Te
vai servir de túmulo; e os carvalhos
Do
mundo primogênitos, e os sobros,
Arrastados
por ti lá da colina,
Contigo
hão de jazer. De novo a terra
Te
cobrirá o dorso sinuoso:
Outra
vez sobre ti nascendo os lírios,
Do
seu puro candor hão de adomar-te;
E
tu, ora medonho e nu e triste,
Ainda
belo serás, vestido e alegre.
VII
Mais
que o homem feliz! Quando eu no vale
Dos
túmulos cair; quando uma pedra
Os
ossos me esconder, se me for dada,
Não
mais reviverei; não mais meus olhos
Verão,
ao pôr-se, o sol em dia estivo,
Se
em turbilhões de púrpura, que ondeiam
Pelo
extremo dos céus sobre o ocidente,
Vai
provar que um Deus há a estranhos povos
E
além das ondas trêmulo sumir-se;
Nem,
quando, lá do cimo das montanhas,
Com
torrentes de luz inunda as veigas:
Não
mais verei o refulgir da lua
No
irrequieto mar, na paz da noite,
Por
horas em que vela o criminoso,
A
quem íntima voz rouba o sossego,
E
em que o justo descansa, ou, solitário,
Ergue
ao Senhor um hino harmonioso.
VIII
Ontem,
sentado num penhasco, e perto
Das
águas, então quedas, do oceano,
Eu
também o louvei sem ser um justo:
E
meditei, e a mente extasiada
Deixei
correr pela amplidão das ondas.
Como
abraço materno era suave
A
aragem fresca do cair das trevas,
Enquanto,
envolta em glória, a clara lua
Sumia
em seu fulgor milhões d'estrelas.
Tudo
calado estava: o mar somente
As
harmonias da criação soltava
Em
seu rugido; e o ulmeiro do deserto
Se
agitava, gemendo e murmurando,
Ante
o sopro de oeste: ali dos olhos
O
pranto me correu, sem que o sentisse,
E
aos pés de Deus se derramou minha alma.
IX
Oh,
que viesse o que não crê, comigo
À
vicejante Arrábida de noite,
E
se assentasse aqui sobre estas fragas,
Escutando
o sussurro incerto e triste
Das
movediças ramas, que povoa
De
saudade e de amor noturna brisa;
Que
visse a lua, o espaço opresso de astros,
E
ouvisse o mar soando: ele chorara,
Qual
eu chorei, as lágrimas do gozo,
E,
adorando o Senhor, detestaria
De
uma ciência vã seu vão orgulho.
X
É
aqui neste vale, ao qual não chega
Humana
voz e o tumultuar das turbas,
Onde
o nada da vida sonda livre
O
coração, que busca ir abrigar-se
No
futuro, e debaixo do amplo manto
Da
piedade de Deus: aqui serena
Vem
a imagem da campa, como a imagem
Da
pátria ao desterrado; aqui, solene,
Brada
a montanha, memorando a morte.
Essas
penhas, que, lá no alto das serras
Nuas,
crestadas, solitárias dormem,
Parecem
imitar da sepultura
O
aspecto melancólico e o repouso
Tão
desejado do que em Deus confia.
Bem
semelhante à paz, que se há sentado
Por
séculos, ali, nas cordilheiras
É
o silêncio do adro, onde reúnem
Os
ciprestes e a cruz, o céu e a terra.
Como
te vens cercado de esperança,
Para
o inocente, ó plácido sepulcro!
Junto
das tuas bordas pavorosas
O
perverso recua horrorizado:
Após
si volve os olhos; na existência
Deserto
árido só descobre ao longe,
Onde
a virtude não deixou um trilho.
Mas
o justo, chegando à meta extrema,
Que
separa de nós a eternidade,
Transpõe-na
sem temor, e em Deus exulta.
O
infeliz e o feliz lá dormem ambos,
Tranquilamente:
e o trovador mesquinho,
Que
peregrino vagueou na terra,
Sem
encontrar um coração ardente
Que
o entendesse, a pátria de seus sonhos,
Ignota,
por lá busca; e quando as eras
Vierem
junto as cinzas colocar-lhe
Tardios
louros, que escondera a inveja,
Ele
não erguerá a mão mirrada,
Para
os cingir na regelada fronte.
Justiça,
glória, amor, saudade, tudo,
Ao
pé da sepultura, é som perdido
De
harpa eólia esquecida em brenha ou selva:
O
despertar um pai, que saboreia
Entre
os bravos da morte o extremo sono,
Já
não a dado ao filial suspiro;
Em
vão o amante, ali, da amada sua
De
rosas sobre a coroa debruçado,
Rega
de amargo pranto as murchas flores
E
a fria pedra: a pedra é sempre fria,
E
para sempre as flores se murcharam.
XI
Belo
ermo! eu hei de amar-te enquanto esta alma,
Aspirando
o futuro além da vida
E
um hálito dos céus, gemer atada
À
coluna do exílio, a que se chama
Em
língua vil e mentirosa o mundo.
Eu
hei de amar-te, ó vale, como um filho
Dos
sonhos meus. A imagem do deserto
Guardá-la-ei
no coração, bem junto
Com
minha fé, meu único tesouro.
Qual
pomposo jardim de verme ilustre,
Chamado
rei ou nobre, há de contigo
Comparar-se,
ó deserto? Aqui não cresce
Em
vaso de alabastro a flor cativa,
Ou
árvore educada por mão de homem,
Que
lhe diga: “És escrava”, e erga um ferro
E
lhe decepe os troncos. Como é livre
A
vaga do oceano, é livre no ermo
A
bonina rasteira ou freixo altivo!
Não
lhes diz: “Nasce aqui, ou lá não cresças”
Humana
voz. Se baqueou o freixo,
Deus
o mandou: se a flor pendida murcha,
É
que o rocio não desceu de noite,
E
da vida o Senhor lhe nega a vida.
Céu
livre, terra livre, e livre a mente,
Paz
íntima, e saudade, mas saudade
Que
não dói, que não mirra, e que consola,
São
as riquezas do ermo, onde sorriem
Das
procelas do mundo os que o deixaram.
XII
Ali
naquela encosta, ontem de noite,
Alvejava
por entre os medronheiros
Do
solitário a habitação tranquila:
E
eu vagueei por lá. Patente estava
O
pobre alvergue do eremita humilde,
Onde
jazia o filho da esperança
Sob
as asas de Deus, à luz dos astros,
Em
leito, duro sim, não de remorsos.
Oh,
com quanto sossego o bom do velho
Dormia!
A leve aragem lhe ondeava
As
raras cãs na fronte, onde se lia
A
bela história de passados anos.
De
alto choupo através passava um raio
Da
lua — astro de paz, astro que chama
Os
olhos para o céu, e a Deus a mente —
E
em luz pálida as faces lhe banhava:
E
talvez neste raio o Pai celeste
Da
pátria eterna lhe enviava a imagem,
Que
o sorriso dos lábios lhe fugia,
Como
se um sonho de ventura e glória
Na
terra de antemão o consolasse.
E
eu comparei o solitário obscuro
Ao
inquieto filho das cidades:
Comparei
o deserto silencioso
Ao
perpétuo ruído que sussurra
Pelos
palácios do abastado e nobre,
Pelos
paços dos reis; e condoí-me
Do
cortesão soberbo, que só cura
De
honras, haveres, glória, que se compram
Com
maldições e perenal remorso.
Glória!
A sua qual é? Pelas campinas,
Cobertas
de cadáveres, regadas
De
negro sangue, ele segou seus louros;
Louros
que vão cingir-lhe a fronte altiva
Ao
som do choro da viúva e do órfão;
Ou,
dos sustos senhor, em seu delírio
Os
homens, seu irmãos, flagela e oprime.
Lá
o filho do pó se julga um nume,
Porque
a terra o adorou; o desgraçado
Pensa,
talvez, que o verme dos sepulcros
Nunca
se há de chegar para tragá-lo
Ao
banquete da morte, imaginando
Que
uma lájea de mármore, que esconde
O
cadáver do grande, é mais durável
Do
que esse chão sem inscrição, sem nome,
Por
onde o opresso, o mísero, procura
O
repouso, e se atira aos pés do trono
Do
Onipotente, a demandar justiça
Contra
os fortes do mundo, os seus tiranos.
XIII
Ó
cidade, cidade, que trasbordas
De
vícios, de paixões e de amarguras!
Tu
lá estas, na tua pompa envolta,
Soberba
prostituta, alardeando
Os
teatros, e os paços, e o ruído
Das
carroças dos nobres recamadas
De
ouro e prata, e os prazeres de uma vida
Tempestuosa,
e o tropear contínuo
Dos
férvidos ginetes, que alevantam
O
pó e o lodo cortesão das praças;
E
as gerações corruptas de teus filhos
Lá
se revolvem, qual montão de vermes
Sobre
um cadáver pútrido! Cidade,
Branqueado
sepulcro, que misturas
A
opulência, a miséria, a dor e o gozo,
Honra
e infâmia, pudor e impudicícia,
Céu
e inferno, que és tu? Escárnio ou glória
Da
humanidade? O que o souber que o diga!
Bem
negra avulta aqui, na paz do vale,
A
imagem desse povo, que reflui
Das
moradas a rua, à praça, ao templo;
Que
ri e chora, e, folga, e geme, e morre,
Que
adora Deus, e que o pragueja, e o teme;
Absurdo
misto de baixeza extrema
E
de extrema ousadia; vulto enorme,
Ora
aos pés de um vil déspota estendido,
Ora
surgindo, e arremessando ao nada
As
memórias dos séculos que foram,
E
depois sobre o nada adormecendo.
Vê-lo,
rico de opróbrio, ir assentar-se
Em
joelhos nos átrios dos tiranos,
Onde,
entre o lampejar de armas de servos,
O
servo popular adora um tigre?
Esse
tigre é o ídolo do povo!
Saudai-o;
que ele o manda: abençoai-lhe
Ó
férreo cetro: ide folgar em roda
De
cadafalsos, povoados sempre
De
vítimas ilustres, cujo arranco
Seja
como harmonia, que adormente
Em
seus terrores o senhor das turbas.
Passai
depois. Se a mão da Providência
Esmigalhou
a fronte à tirania;
Se
o déspota caiu, e está deitado
No
lodaçal da sua infâmia, a turba
Lá
vai buscar o cetro dos terrores,
E
diz: “É meu”; e assenta-se na praça,
E
envolta em roto manto, e julga, e reina.
Se
um ímpio, então, na afogueada boca
De
vulcão popular sacode um facho,
Eis
o incêndio que muge, e a lava sobe,
E
referve, e trasborda, e se derrama
Pelas
ruas além: clamor retumba
De
anarquia impudente, e o brilho de armas
Pelo
escuro transluz, como um presságio
De
assolação, e se amontoam vagas
Desse
mar d'abjeção, chamado o vulgo;
Desse
vulgo, que ao som de infernais hinos
Cava
fundo da pátria a sepultura,
Onde,
abraçando a glória do passado
E
do futuro a última esperança,
As
esmaga consigo, e ri morrendo.
Tal
és, cidade, licenciosa ou serva!
Outros
louvem teus paços suntuosos,
Teu
ouro, teu poder: sentina impura
De
corrupções, teus não serão meus hinos!
XIV
Cantor
da solidão, vim assentar-me
Junto
do verde céspede do vale,
E
a paz de Deus do mundo me consola.
Avulta
aqui, e alveja entre o arvoredo,
Um
pobre conventinho. Homem piedoso
O
alevantou há séculos, passando,
Como
orvalho do céu, por este sítio,
De
virtudes depois tão rico e fértil.
Como
um pai de seus filhos rodeado,
Pelos
matos do outeiro o vão cercando
Os
tugúrios de humildes eremitas,
Onde
o cilício e a compunção apagam
Da
lembrança de Deus passados erros
Do
pecador, que reclinou a fronte
Penitente
no pó. O sacerdote
Dos
remorsos lhe ouviu as amarguras;
E
perdoou-lhe, e consolou-o em nome
Do
que expirando perdoava, o Justo,
Que
entre os humanos não achou piedade.
XVI
Religião!
do mísero conforto,
Abrigo
extremo de alma, que há mirrado
O
longo agonizar de uma saudade,
Da
desonra, do exílio, ou da injustiça,
Tu
consolas aquele, que ouve o Verbo,
Que
renovou o corrompido mundo,
E
que mil povos pouco a pouco ouviram.
Nobre,
plebeu, dominador, ou servo,
O
rico, o pobre, o valoroso, o fraco,
Da
desgraça no dia ajoelharam
No
limiar do solitário templo.
Ao
pé desse portal, que veste o musgo,
Encontrou-os
chorando o sacerdote,
Que
da serra descia à meia-noite,
Pelo
sino das preces convocado:
Aí
os viu ao despontar do dia,
Sob
os raios do sol, ainda chorando,
Passados
meses, o burel grosseiro,
O
leito de cortiça, e a fervorosa
E
contínua oração foram cerrando
Nos
corações dos míseros as chagas,
Que
o mundo sabe abrir, mas que não cura.
Aqui,
depois, qual hálito suave.
Da
primavera, lhes correu a vida,
Até
sumir-se no adro do convento,
Debaixo
de uma lájea tosca e humilde,
Sem
nome, nem palavra, que recorde
O
que a terra abrigou no sono extremo.
Eremitério
antigo, oh, se pudesses
Dos
anos que lá vão contar a história;
Se
ora, a voz do cantor, possível fosse
Transudar
desse chão, gelado e mudo,
O
mudo pranto, em noites dolorosas,
Por
náufragos do mundo derramado
Sobre
ele, e aos pés da cruz!... Se vós pudésseis,
Broncas
pedras, falar, o que diríeis!
Quantos
nomes mimosos da ventura
Convertidos
em fábula das gentes,
Despertariam
o eco das montanhas,
Se
aos negros troncos do sobreiro antigo
Mandasse
o Eterno sussurrar a história
Dos
que vieram desnudar-lhe o cepo,
Para
um leito formar, onde velassem
Da
mágoa, ou do remorso, as longas noites!
Aqui
veio, talvez, buscar asilo
Um
poderoso, outrora anjo da terra
Despenhado
nas trevas do infortúnio;
Aqui
gemeu, talvez, o amor traído,
Ou
pela morte convertido em cancro
De
infernal desespero; aqui soaram
Do
arrependido os últimos gemidos,
Depois
da vida derramada em gozos,
Depois
do gozo convertido em tédio.
Mas
quem foram? Nenhum, depondo em terra
Vestidura
mortal, deixou vestígios
De
seu breve passar. E isso que importa,
Se
Deus o viu; se as lágrimas do triste
Ele
contou, para as pagar com glória?
XVI
Ainda
em curvo outeiro, ao fim da senda
Que
serpeia do monte ao fundo vale,
Sobre
o marco de pedra a cruz se eleva,
Como
um farol de vida em mar de escolhos:
Ao
cristão infeliz acolhe no ermo,
E
consolando-o, diz-lhe: “A pátria tua
É
lá no céu: abraça-te comigo.”
Junto
dela esses homens, que passaram
Acurvados
na dor, as mãos ergueram
Para
o Deus, que perdoa, e que é conforto
Dos
que aos pés deste símbolo da esperança
Vêm
derramar seu coração aflito:
É
do deserto a história, a cruz e a campa;
E
sobre tudo o mais pousa o silêncio.
XVII
Feliz
da terra, os monges não maldigas;
Do
que em Deus confiou não escarneças!
Folgando
segue a trilha, que há juncado,
Para
teus pés, de flores a fortuna,
E
sobre a morta crença em paz descansa.
Que
mal te faz, que gozo vai roubar-te
O
que ensanguenta os pés no tojo agreste,
E
sobre a fria pedra encosta a fronte?
Que
mal te faz uma oração erguida,
Nas
solidões, por voz sumida e frouxa,
E
que, subindo aos céus, só Deus escuta?
Oh,
não insultes lágrimas alheias,
E
deixa a fé ao que não tem mais nada!...
E
se estes versos te contristam, rasga-os.
Teus
menestréis te venderão seus hinos,
Nos
banquetes opíparos, enquanto
O
negro pão repartirá comigo,
Seu
trovador, o pobre anacoreta,
Que
não te inveja as ditas, como as coroas
Do
prazer ao cantor eu não invejo;
Tristes
coroas, sob as quais às vezes
Está
gravada uma inscrição d'infâmia.
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