1/24/2020

Poetas Populares: José Galdino da Silva Duda


JOSÉ GALDINO DA SILVA DUDA
(1866-1931)

Nasceu em 1866
Era filho da povoação de Salgado, no município de Itabaiana do Estado da Paraíba.

Foi almocreve durante alguns anos, tendo se dedicado a profissão de cantador, fixou residência em Recife.

Quase todos os cantores contemporâneos o chamavam de “Mestre dos Cantadores.”

PELEJA DE JOSÉ DUDA COM MELQUÍADES

José Duda — Senhores Paraibanos,
Hoje é chegado o dia,
Do cantor da Borborema
Me dizer em cantoria,
Qual é o melhor fundamento
Das bases da poesia.

Melquíades — Duda eu lhe aviso
Como amigo e companheiro;
Você vem desafiar-me
Como um cantador guerreiro;
Depois não saia correndo
Em busca de Limoeiro.

José Duda Eu te corto de rebenque
Si me botares defeito,
Procure palavra boa
Para me tratar com jeito,
Quem vier cantar comigo
Tem que andar muito direito.

Melquíades não me sujeito
A cantor de capoeira,
Se quer se bater comigo
Saia fora da trincheira.
Luto no campo da honra
Sem pilhéria ou brincadeira.

Melquíades Este cantador goteira
Está me fazendo raiva,
Pois eu já cantei na sala
Do senhor coronel Paiva;
Ele me achou sabido
Como o Marquês da Gaiva.

José Duda —  O conselheiro Saraiva
No Brasil foi grande vulto,
Mais eu não ocupo frase
Que tem o sentido oculto.
Cantador de meia cara
É quem vive do insulto.

Melquíades Não quero pedir indulto,
Segundo o que me disseste,
Eu nunca levei em conta
Os cantores do nordeste.
Não respeito a outro homem
Quanto mais a um cafajeste.

José Duda — Nem eu a cantor da peste
Que quer cantar no menor,
Em vez se dirigir
Cantando em termo maior,
Quer cantar o que não pode
Para se tornar pior.

Melquíades  Eu só não canto melhor
Porque não acho com quem,
Ouvi dizer que Zé Duda
Estava cantando bem,
Como vive embriagado
Não vale mais um vintém.

José Duda —  Melquíades vamos adiante
Nesta peleja teimosa;
Os povos deste planeta
Têm história amorosa.
Têm notícia comovente
Que acho muito penosa.

Melquíades  Me achei em guerra raivosa
Na linha do Batalhão,
Caí de fome nos campos
Porque me faltou o pão;
Onde vi meus companheiros
Rolarem mortos no chão.
  
José Duda —   Não fui a revolução
Porque não era soldado,
Mas, sabia da notícia
Do combate ensanguentado
O soldado na campanha
Fica logo flagelado.

Melquíades  Onde o combate era dado
As carroças na rodagem
Formigavam carregadas,
Como quem leva bagagem
A carga era defuntos
Em estado de putrefagem.

José Duda —    O exército com coragem,
Com armas e munição,
O general manda estender
Em linha de posição.
Então se trava o combate
Em defesa da nação.

Melquíades Mudamos de direção
Que eu quero lhe mostrar:
Uns trabalhando em terra
E outros vivendo no mar
Que para ganhar a vida
Precisa o povo lutar.

José Duda —     Por hora vamos cantar
O passado e o sofrimento,
Enfrentar o oceano
É lutar com o tormento,
Quem vive a custa do mar
Estuda seu movimento.

Melquíades  Conhecer rumo de vento
Quem sabem são pescadores
Dividem o mar em zonas
Pelos ventos sopradores;
Sem ter estudo de letras
Disso são conhecedores.

José Duda —  O mar é cheio de vapores
Que têm seus comandantes,
Guarnecido por marujos
Que são os seus tripulantes;
Pois o comercio marítimo
É feito por navegantes.

Melquíades  Os heróis são triunfantes
Quando enfrentam o inimigo,
Levados pela coragem
Mergulham para o perigo;
E depois brilha no peito.
As glórias que têm consigo.

José Duda —  Eu sou cantor mais antigo
E Melquíades é recruta.
De vez em quando me ataca
Com uma façanha bruta.
Por causa de Barrabás
Dimas foi preso na gruta.

Melquíades Um tufão de força bruta
Levou Manuel Caetano
Junto com seu companheiro
Nas ondas do oceano,
Deixou os dois pescadores
Na jangada sem remo e pano.

José Duda —  Melquíades me diga o ano
Que se deu esse tufão,
Que levou os pescadores
Com violento empurrão;
E depois diga se os náufragos
Ainda escaparam ou não.

Melquíades Foi em quinze a aflição
Que Caetano sofreu,
Com quatro dias de fome
Seu companheiro morreu,
E na canoa quebrada
A jangada apareceu.

José Duda —   Sempre no mar ocorreu
Grande tormento fatal.
Infeliz do pescador
Quando cair temporal
Fica perdido nos mares
Bordejando sem canal.

Melquíades Diversas vezes Caetano
Com muita fome partia,
Para comer o defunto
Que na jangada jazia,
Quando apalpava o cadáver
A vista lhe escurecia.

José Duda —    Melquíades a cantoria
Está ficando penosa,
Vamos discutir ciência
Ou história amorosa,
Cantoria comovente
Vem se tornar desgostosa.

Melquíades Durante os oito dias
Nosso triste pescador,
Comia a roupa do corpo,
Com ova de voador,
Chegou na praia arquejando
Com quatro dias falou.

José Duda —    Quando havia imperador
Em tempos da antiguidade.
Tinha poder de matar
A nossa humanidade.
Os monarcas eram lobos
Com muita ferocidade.

Melquíades — Governo e perversidade
Cortar pescoço a facão.
Lobo homem no poder
Havia em toda nação.
Matavam o povo enforcado
Por ter autorização.

José Duda —     No tempo da escravidão
Quando se ouvia falar,
Num homem inteligente
O rei mandava matar
Para não inventar coisa
De fazer admirar.

Melquíades — Zé Duda eu até aqui
Inda não tinha cantado,
Mas agora abra seu olho
Que o serviço vai pesado,
Vou lhe botar num estilo
Que você sai apanhado.

José Duda —      Cantador precipitado,
Se tu tens obra escolhida
Carrega em cima de mim
Que tem de ser repelida.
Tu queres botar-me um cerco
Tua vontade é perdida.

Melquíades Você ainda duvida
Que eu não tenho talento,
Vou cantar a atmosfera
E todo o seu movimento,
Discutindo sobre a chuva
E a monarquia do vento.

José Duda — O vento aqui no nordeste
Quando vem do ocidente.
Queima as flores mata as plantas
E deixa a terra doente
Aonde esse vento sopra
Quem plantar perde a semente.

Melquíades  O vento que é do levante
É o terceiro cardeal,
Tem seus dois colaterais
Como clima natural,
Lés-nordeste e lés-sueste
São bom como o principal.

José Duda —  O quarto vento cardeal
Na linha do ocidente,
Faz produzir meteoros
É úmido e friamente
Faz aumentar bem as flores,
A lavoura grandemente.

Melquíades   Zé Duda o vento norte
Nos faz grande oposição
Porque não consente as nuvens
Soltar chuva no sertão.
Salvo quando o vento sul
Vai fastando a empurrão.

José Duda —   Melquíades você pensava
Me açoitar no salão.
Mais perdeu o seu trabalho
Agora preste atenção,
Porque descrevendo a lua
Vou passar-lhe uma lição.

Melquíades —No mesmo livro da lua
É que eu quero lhe pegar,
Na lua de cada mês
Faça favor me explicar,
No crescente e no minguante
O segredo aonde estar?

José Duda —  A lua no mês de janeiro
Quando é no quarto crescente
As mulheres deitam galinha,
Os homens plantam semente
E mergulham as manivas
Lavoura da terra quente

Melquíades — As primeiras trovoadas
De janeiro é fertilidade
De pastagem pelo campo,
Nos bosques esterilidade,
Água e vento doentio
Contra o povo há novidade

José Duda —  Na lua de Fevereiro
Quando ouvires a trovoada
É morte de homem rico,
Ano de muita geada,
É bom mudar laranjeira
Onde a terra é temperada.

Melquíades — No crescente em mês de março
É tempo de semear
Melão, morango e pepino
Milho e linho p’ra tratar
É ano de muito vento
Se ouvires trovejar.

José Duda —   Na lua crescente de abril
É tempo de se plantar
Toda espécie de hortaliças,
Os cortiços é bom limpar,
É nos primeiros trovões
Que as uvas vão prosperar.

Melquíades No crescente da lua em maio
É tempo de se castrar
Bezerro carneiro e bode
Para poder aumentar;
No minguante se faz louça
De barro para aturar.

José Duda —  No minguante da lua em junho
Vai se bater o feijão,
O povo está preparando
As vazantes no sertão;
Se planta fumo nos brejos
Para colher no verão.

Melquíades Zé Duda vamos parar
Por hoje a cantoria,
Eu aqui fico esperando
Que você venha outro dia,
Para cantarmos a lua
Na mesma cosmografia.

José Duda —  Eu esbarro a cantoria
Porque tenho precisão
De viajar muito cedo
Para minha região,
Mas eu inda venho aqui
Findar a nossa questão.

Melquíades — Eu fico em meu quarteirão
Esperando com cuidado,
Quando quiser pode vir
Porque eu sou traquejado
Quem peleja contra mim
Nunca tira resultado.



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Fonte:
Francisco Chagas Batista: “Cantadores e Poetas Populares” (1929)
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2020)

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