

Por: Paulo Marçaioli
Blog: esperandopaulo
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Resenha do livro “Porque me ufano do meu país”, de Afonso Celso
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Já foi dito que o Brasil é o país
do futuro. Muito mais do que uma passagem de música do Legião Urbana, a assertiva é recorrente na história culminando até
em política de Estado. Do Plano de Metas do governo Juscelino Kubitschek
(1956/1961) constava a consigna: fazer o país crescer 50 anos em 5.
Mesmo antes, dentro do movimento
modernista, de 1922 à geração de 1930, intelectuais e artistas voltaram-se ao
nosso passado colonial com o intuito de criar as bases da nação, uma tarefa em
aberto já que a nossa independência política antecedeu em muito à constituição
da nossa nacionalidade. Autores como Caio Prado Jr., Sérgio Buarque de Hollanda
e Gylberto Freire estavam olhando para o passado remoto do país com
preocupações acerca do nosso futuro, buscando, de formas diferentes, aferir os
sentidos do desenvolvimento histórico.
Se quisermos voltarmos ainda
mais, verificamos uma característica frequentemente esquecida do nosso
romantismo literário: no seu indianismo não foram poucos os artistas que
buscaram atribuir as origens mais remotas dos nossos índios a grandes
civilizações do passado, como a egípcia – nossos primitivos habitantes seriam o
elo perdido de civilizações milenares do passado e, dentro de si, possuíam a
potencialidade de promover grandes civilizações.
Afonso Celso, monarquista, filho
do Visconde de Ouro Preto, este último presidente do último conselho de
ministros do Império, também é tributário desta ideia de que o Brasil seria o
país do futuro.
Nesta sua apologia do Brasil
verifica-se por uma lado a ideia de que a nossa nação seria predestinada ao
êxito, predestinação revelada em primeiro lugar por Deus que não nos outorgaria
tantas belezas naturais para serem desperdiçadas esterilmente. Por outro lado,
a história revela um país jovem, ao menos em face da velha Europa, de modo que
o Brasil, ainda em sua aurora, teria diante de si um longo caminho em direção
ao topo das nações.
SOBRE O AUTOR E A OBRA

Ingressando na vida política, foi
eleito quatro vezes deputado geral por Minas Gerais. Com a proclamação da
República em 1889 abandonou a política e acompanhou o pai no exílio, que se
seguiu à partida da família imperial para Portugal em novembro daquele ano.
Foi sócio do Instituto Geográfico
Brasileiro e um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras.
Este “Por que me ufano de meu país”
foi publicado no ano de 1900 por ocasião das comemorações de 400 anos do
descobrimento. Ele vale ser lido nem tanto pelos seus argumentos, alguns deles
bastante discutíveis a luz da pesquisa histórica científica, mas pelo que ele
revela no que se trata da história de nossas ideias.
Este otimismo quanto à nossa
nação é bastante revelador do espírito da Belle
Epóque que informa o período. Vivia-se um momento notadamente ambíguo na
história do país em que o passado e o futuro coexistiam de maneira marcante:
nos sertões a permanência da pobreza e seu messianismo expresso em Canudos e
Contestado. Nas cidades grandes reformas urbanas voltadas a modernizar o país,
com a ampliação de grandes avenidas, ao estilo europeu, e a expulsão dos
extratos populares de seus cortiços para as periferias da cidade.
Este pequeno ensaio é
contemporâneo e um primo próximo do “Ilusões Americanas” de Eduardo Prado. Os
dois autores são monarquistas e escrevem no contexto da transição do II Império
para a Primeira República. O advento republicano se inspirava não só nas ideias
iluministas francesas mas na concreta experiência histórica norte-americana:
neste contexto, Eduardo Prado desenvolve uma crítica surpreendentemente atual
aos EUA, rejeitando as propostas políticas que buscavam copiar as instituições
norte americanas e já denunciando o que poderíamos chamar de imperialismo,
revisitando por exemplo, a doutrina Monroe1.
Afonso Celso, na sua apologia ao
Brasil, não polemiza tanto com o sistema republicano, mas não deixa de suscitar
os grandes políticos do império, incluindo os dois imperadores, como uma das
fontes de engrandecimento nacional.
Qual é a razão para se ufanar do
Brasil? Cada capítulo suscita temas que informam a grandeza do país: a sua
natureza exuberante, da cachoeira de Paulo Afonso à Baía do Rio de Janeiro, por
exemplo. As suas riquezas naturais, notadamente o ouro e diamante, além do seu
clima relativamente ameno. O conhecido argumento da ausência de calamidades: no
Brasil não há furacões, vulcões e pestes de longa duração. No que se refere à
história existem pequenos capítulos dedicados aos jesuítas, aos bandeirantes,
às guerras holandesas e palmares.
O livro, em sendo uma apologia do
Brasil, incorre em algumas evidentes falsificações grosseiras. Palmares por
exemplo é pintada quase como uma república romana. Os indígenas, dentro da
tradição do romantismo, são pintados como afidalgados, sempre mantendo sua
palavra de honra e possivelmente oriundos de grandes civilizações do passado. O
brasileiro é pintado de acordo com um senso comum nitidamente conservador:
ordeiro, hospitaleiro, respeitador de hierarquias.
Chega-se ao ponto de afirmar que
no Brasil não existem preconceitos de raça e credo religioso!
Evidentemente, muitas das ideias
suscitadas pelo autor estão há muito superadas. Ninguém acredita que a
escravidão foi benevolente aqui no Brasil em que pese ter durado mais do que
qualquer outro país nas américas.
Em todo o caso, a leitura do
livro possibilita, quem sabe, uma reconciliação com o Brasil, um despertar
sentimental por parte da esquerda que viu, neste último período, a extrema
direita apropriar-se indevidamente das cores da bandeira nacional para
propugnar um programa de total capitulação aos EUA – neste sentido, é
interessante observar como este monarquista observava lá em 1900 que um dos
perigos que o Brasil enfrentaria no futuro seria justamente a intervenção de potências
estrangeiras nos nossos negócios.
O nacionalismo chauvinista,
militarista, xenófobo ou ao menos preconceituoso em face de haitianos e
bolivianos, mas não em face de norte americanos residentes na pátria é a face
direitista do verde amarelo.
Existe uma outra face, a
patriota, a anti-imperialista, a que defenda a soberania nacional, a ligada
afetivamente à cultura popular e a internacionalista no que se refere à
comunhão universal de interesses da classe trabalhadora: aqui poderia partir
uma contraofensiva contra o sequestro de nossa bandeira. Não por causa de sua
bandeira verde da casa de Brangança, mas pela efetiva e consequente defesa dos
interesses nacionais.
1 - Resenha – “A Ilusão
Americana” – Eduardo Prado.
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