As caçadas de Bunitinho
Um dia de manhã, Bunitinho deixou sua casa em Capim Grosso, com o pretexto de ir caçar umas nambus. Munido de um bodoque, pegou uma garrafa de Pitu e um pedaço de fumo de rolo, botou tudo numa sacola e saiu ligeiro. Daí a uma hora chegou exausto lá pras bandas do Jenipapo, indo lépido a procura de uma boa sombra para descansar e para "molhar a goela". E nem precisou ir tão longe, pois logo deu de cara com um frondoso pé de imbuzeiro, copado e cheio. Ali fartou-se do fruto azedo com pinga, bocejou, fumou um cigarro de palha e caiu no sono sobre a relva de folhas secas.
O sono porém foi breve, pois logo
acordou assustado pelos garganteios ruidosos de algumas aves de rapinas, as
quais disputavam entre si o resto de um cadáver putrefato de preá. Bunitinho não
pensou duas vezes: tomou de seu estilingue e atirou para espantar os ovíparos.
Estes, porém, tão famintos estavam, que pareciam esnobar de toda aquela
pantomima. Mas ele não se deu por vencido. Continuou atirando, até que uma das
pedras acertou bem de cheio na cabeça de uma delas, que estrebuchou
instantaneamente no chão. Enquanto isso, lá atrás de uma moita de capim guiné,
alguém o observava fazendo um gesto que denotava desaprovação. Era o curupira,
um pequeno tapuio de cabelos cor de fogo, dentes verdes e com os pés virados
para trás, o qual costuma punir aqueles que pretendem inutilmente destruir as matas ou que
matam por puro prazer, sem tirar nenhum proveito da caça.
Bunitinho riu gostosamente daquela cena e, em vez de ir
caçar as nambus para assá-las e comê-las com cachaça, como era seu intento quando
saiu de casa, resolveu aperfeiçoar sua habilidade com seu instrumento de
forquilha. Inicialmente passou a atirar as pedrinhas nos pés de licurizeiros e outras
árvores; logo, porém, convenceu-se que teria melhor desempenho se treinasse sua
arte nos bichinhos. Foi assim que,
decorridas algumas horas, já havia matado boa soma de calangos, lagartixas, preás e rolinhas. E ria à solta, ria de um
modo estridente, vangloriando-se de sua exímia qualidade de caçador.
Quem não ria nada, porém, era o curupira, o qual, trepado
no topo de uma árvore, balouçava-se frenético e doidejante, dando gargalhadas
aos ventos. Vendo ele toda aquela cena desastrosa contra a natureza, decidiu então punir exemplarmente
o soberbo agressor.
Foi assim que, descendo o curupira da árvore com um cipó escondido, chegou sorrateiro
perto do hostil caçador e, erguendo a mão para o alto, aplicou-lhe de cheio
duas chibatadas, cujos estalos espantaram os bichos que a tudo observavam.
Quando Bunitinho voltou os olhos, viu apenas um vulto que parecia correr às avessas pela mata adentro. Desnorteado e sem saber qual o caminho seguir, embrenhou-se no espesso matagal, ficando ali perdido por dois dias sem comer nem beber. Quando recuperou sua natural lucidez, já estava no contorno de São José, totalmente nu e com dois grandes vergalhões vermelhos nas costas.
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