3/07/2023

Quatro Quartetos (Poesia), de Salomão Rovedo

 



QUATRO QUARTETOS



da Amada Cidade de São Luís


Para
Ferreira Gullar
e  Joaquim Itapary
– cronistas da cidade e do tempo.



O FANTASMA DE SÃO PANTALEÃO
 

I

Orarei.

As nuvens cinzentas querem enterrar de vez este dia,
como os carrilhões das cento e cinquenta igrejas
sepultaram de vez o dia de finados.

Caminharei.

Descalço sobre as areias ásperas da praia de Olho d´Água
até que este corpo suado e febril desfaleça
cansado entre as areias de Araçagy e Raposo.

Desejarei.

O som das Matinas de Finados pedem às flores
que enfeitem a voz das comadres – o encantado São Pantaleão
fervilha de morte e vida.

Ajoelharei.

Selo a paz com Santa Terezinha do Menino Jesus,
prometo guardar para sempre o semblante em sépia da
mulher amada, só então irei embora
com o olhar vagando perdido entre dias futuros e pósteros.

Lembrarei.

Que era setembro, chovia a chuva do tempo antepassado,
que as pistas do aeroporto estavam alagadas
– e as almas intransitáveis a voos e velas.

Rogarei.

Perdão, sim, porque não cantei o sentimento do mundo
jamais e São Judas Tadeu sabe que não serei o bom samaritano,
nem bom coroinha. Mas que foi dali que todos partimos um dia
para navegar outras esperanças.

Sentirei.

E em memória dos ossos que habitam
os esquifes apodrecidos pela chuva, enfeito o ambiente
com o rosto lacrimoso do soluço da despedida prematura.

Visitarei.

Após as escadarias de cantaria laminada pelo lodo e da vasa,
caminhar entre os túmulos perdoados, visitante impuro,
visagem fútil entre as lajes coloridas de branco e negro
– orar para os habitantes das noites irrequietas.

Voltarei.

Quando não for mais primavera, quando a água se acalmar,
quando o velho tempo já estiver aposentado no viver quieto,
esticando as pernas ao longo da estrada.


II

Se te entregasses de mãos estendidas para as algemas do ódio,
como Bequimão o fez, seria um convite aos rumores
de que o destino não seria o cadafalso, mas esta história não seria
uma revolta tão docemente articulada
e sim o ideal reconhecido de que aqui é outra terra,
outra nova ilha.

Quem se renderia à simples conclamação

– AQUI DEL REY! –

e abandonaria o sonho de liberdade
tão duramente conquistado em travessias oceânicas,
náufrago de Deus, de destino incerto?

Os escravos choraram, as mucamas choraram,
as maracanãs choraram, o povo chorou revoltado pela perda
de um líder tão levemente indefeso que não resistiu
à acusação de um passado incestuoso com outros deuses.

El Rey d’além mar, extenuado, roto,
El Rey não sabe perdoar,
só tem moedas no coração.

Assim se fez a lenda de que o sangue de Bequimão
foi a fonte de tudo, germe das revoltas passadas e futuras,
quando a liberdade se plantou nos jovens corações sem
medo.

Assim São Luís se fez rebelde, napoleônica na luta,
francesa na fé, universal na arte, humanista nas letras...


III

Derreando o corpo um bocadinho
sobre o algodão macio e destorcido da rede,
me embalo para ouvir Hilda contar histórias de bruxas.

Acontecimentos milagrosos, como os que ocorreram
com a descendência da família Freire durante
o reinado de Ana Jansen e como Hilda subjugou o Amo.

Quem é o escravo: o que chicoteia ou o que beija?

Enquanto a conversa azul não se inicia, ela, Hilda,
que é vermelha em cor espiritual, serve longos sorvos
e beijos deixando interrogações no ar,
divagações sobre o que é ou não.

Verdade? Lenda? O corpo negro, quadril largo e maternal,
como das mucamas aposentadas,
a cabeça coroada com um turbante branco,
eis como Hilda reina sobre todos.

Quem foi alforriado? O branco que se acorrentou ao coração da
negra ou ela própria?

O sol explode purpúreo igualzinho como o deixei há anos
e sei a noite que virá – é aquela – a mesmíssima noite
de ontem, a mesma estrela de outrora,
que muda de cor com um ar indefectível e esnobe de milagreira.

De longe chega o canto molenga dos pescadores em arrastão lá
longe na praia de Araçagy, escorando os peixes que a maré deita
nas areias, sobre as estrelas que cintilam no chão.

Quem se diz mucama? Hilda ou a filha ou a neta?

Na avançada noite é a madrugada que traz
o canto das sereias da Praia de Araçagy.

Os pescadores se foram, a maré recuou quinhentos metros,
a única luz é a da lua, das estrelas,
do Farol de São Marcos que será substituída pelo rei sol.
Amanhece.

Descubro o corpo de Hilda sob o lençol alvo,
o negrume da noite havia se transplantado todinho para
a pele dela e aí sonhei que era mesmo o milagre do reencontro.

Quem é o senhor – quem é o escravo?


IV

***

A tribo dos índios Tupinambás conseguiu sobreviver aos
séculos ali ajuntados numa taba de poucos hectares entre
mandioca e milho, juçaras e tabocas, monos e micos, dormindo
ao som do urro da onça pintada, enquanto as araras serviam
de adorno ao goiabal e beliscavam os jenipapos que espocavam no
chão.

***

Para o enterro na noite escura, Macunaíma é levado na rede
para a última morada...

***

No entanto, todos se dissiparam quando ganharam casas com
telhados de amianto, rádio de pilha, TV - e hoje vivem por aí
tomando umas cachacinhas, outras tiquiras, sendo assassinados
toda vez que ousam trepar com uma branca filha de classe
média.

***

Ah, primo, se fosse nossa essa tribo que também se
dispersou pelo mundo afora, algures e alhures, aquém e além
das fronteiras, se fosse nossa essa semente improdutiva, de
pulmões febris atacados pela tuberculose, poderíamos
sobreviver honradamente?



2
A BONITEZA DA ILHA
 


I

***

Os candelabros do salão nobre do Grêmio Lítero-Recreativo
Português refletem a luz no espelho e no brilheco dos
assoalhos caprichosamente encerados.

***

Mme. Bourgeois ao piano acompanha o recitativo de peças
literárias, algo menos brilhante que os pingentes de cristal.

***

Esta noite Luciana vai declamar...

***

Porque aos ouvidos atentos e conservadores da platéia, fluindo dos
seus lábios verdes, os versos de Camões ficavam modernos e
rebeldes:

“Oh! Que não sei de nojo como o conte!
Que, crendo ter nos braços quem amava,
Abraçado me achei c’um duro monte
De áspero mato e de espessura brava.
Estando c’um penedo fronte a fronte,
Que eu pelo rosto angélico apertava,
Não fiquei homem, não, mas mudo e quedo
E junto dum penedo outro penedo!”
***

Aplausos!


II

Pessoas que se interessavam [e não] por pintura, música,
literatura e pela arte de representar, são as pessoas que ali
se reuniam nas noites de sábado e feriados.

***

Luciana não somente era uma grande amadora das letras e do
jornalismo, era também magnífica, sabia explorar o perfeito perfil
de falcão, os olhos negros franceses, os lábios consumidos pelo
fogo, o rosto ovalado muitas vezes fotografado para as
colunas sociais.

***

Os ouvidos espantados da plateia não sabiam de onde surgia
aquele Rilke:

“Orgulha-te: eu levo o estandarte,
não te preocupes: eu levo o estandarte,
ama-me: eu levo o estandarte.
Depois, mete a carta na túnica, no mais secreto lugar,
junto à pétala de rosa.
E pensa: daqui a pouco estará perfumada.
E pensa: talvez um dia alguém a encontre...
E pensa:...
Porque o inimigo está perto”.

***

Mais aplausos! Bis!

***


III

Se a voz tivesse cor, a voz ganharia cor se não a tivesse.

***

Nada havia nela daquela frivolidade dos antigos exprimida pela
palavra “diletantismo”, às vezes dava a impressão de uma
mulher consumida pela ambição,
ou mesmo por uma doença romântica.

***

Como se a voz fosse possuída de alguma dor.

***

De onde vinha aquele Eliot dramático que abalava os casarões
e as ruas estreitas libertas do limo?

“Em meu princípio está meu fim. Umas após outras
As casas se levantam e tombam, desmoronam, são ampliadas,
Removidas, destruídas, restauradas, ou em seu lugar
Irrompe um campo aberto, uma usina ou um atalho.
Velhas pedras para novas construções, velhas madeiras
para novas chamas,
Velhas chamas em cinza convertidas, e cinzas sobre a terra
semeadas,
Terra agora feita carne, pele e fezes,
Ossos de homens e bestas, trigais e folhas”.

***

Aplausos, palmas, aplausos!

***

IV

A platéia gemia de dor e medo quando Luciana era
anunciada a declamar...

A voz tropical, fervente como o suor dos sovacos das damas,
delatava o ódio nem sempre socialmente debelado pelos
leques rendados.

Ela deturpava Manuel Bandeira, calando o olhar noutro
olhar feminino, a voz morna das manhãs tropicais silenciando o
próprio som do piano grave de Mme. Bourgeois, sexo de tom
mais sensual ainda:

“Olhei para ela com toda a força,
Disse que ela era boa,
Que ela era gostosa,
Que ela era bonita pra burro:
Não fez efeito.

“Virei pirata:
Dei em cima dela de todas as maneiras,
Utilizei o bonde, o automóvel, o passeio a pé,
Falei de macumba, ofereci pó...
À toa: não fez efeito.

“Então banquei A sentimental:
Fiquei com olheiras,
Ajoelhei,
Chorei,
Me rasguei toda,
Fiz versinhos,
Cantei as modinhas mais tristes do repertório de Catulo
Cearense.
Escrevi cartinhas e pra acertar a mão, li Elvira a Morta Virgem:

´Romance primoroso e por tal forma comovente que ninguém pode
lê-lo sem derramar copiosas lágrimas´...

***
Palmas que ela merece!


V

Antes mesmo dos derradeiros aplausos, Luciana anunciava
que iria declamar, como fecho de ouro, os versos de um poeta
mineiro da última geração de modernistas.

Antes que todos murmurarem o nome de Carlos Drummond de
Andrade, declamava quase em transe:

“Se essa orfandade, essa privação de tudo, se esse escuro exercício
do nada
ao menos rebentasse num verso nu, esguio, sujo de terra,
– raiz arrancada em convulso estremecimento,
não da gelada lucidez do pensamento,
mas da viva carne da aflição, –
e a cegueira fora-me outro modo de enxergar.

Mas não. A falta de luz na alma e no olhar,
a perda de tudo (de um tudo que não é meu), menos o náufrago
vivo sempre e para sempre frio,
e tudo apenas isto, este acontecimento que estala os ossos.
Ou estas palavras: sal, areia, surda pedra, geladas lavas
em que não nasce fonte, avaro fruto, espinho amargo.

O escuro, o ralo sol, o sufocamento no vácuo triste,
a forma bem morta, a forma disforme no livro, na carta, no peito
largo, no assoalho, na rua, na lâmpada, na mesa.
Forma que não é forma, nem feiura nem beleza,
Água que não matará nenhuma sede, chão que nada
enterra,
Estacado pensamento, gesto cortado no braço que o fazia,
Obrigatório sono dentro do leito perpétuo e frio”.


E um “Ooohh” de admiração corria quando ela anunciava
como autor dos versos um ilustre desconhecido: Abgar Renault.

A voz límpida de Luciana, de clareza transparente como os
véus de Salomé, líquida como a limpidez dos cristais, renovada
como a voz preta que sambava ao som dos atabaques da Casa das
Minas. Ela festejava ali outros cantos não no minados, por
sempre subversivos devido à natureza erótica ou revolucionária,
eram apenas suspiros nos saraus íntimos e libertários da
sociedade Grêmio Lítero-Recreativo Português.


3
A REBELDIA ELEGANTE 
 


I

Fiz muita coisa neste mundo e vi coisas de arrepiar.
Íncubos e súcubos, lábios roxos trêmulos, o além túmulo.

Maus fluidos, minha gente, maus fluidos.

Muitas vezes pensei que o mundo todo estava contra
quando o mundo todo sangrava em guerras e ódios.

A religiosidade natural e revolucionária de Jesus,
que hoje sobrevive e enriquece, nenhum dos sábios guardou.

Maus fluidos, minha gente, maus fluidos.

Muitas vezes pensei que o mundo todo estava contra mim.

***

A força conservadora e catastrófica atribuída a Jesus,
onde está depositado o amor, o terror, nenhum dos profetas viu.

Maus fluidos, minha gente, maus fluidos.

Muitas vezes reparei que ninguém se importava comigo.

Quem pode competir em qualidade?
Qual dos profetas foi o mais sábio?

Nem Buda nem Omar, nem Abraão nem David,
nenhum deles foi perseguido político, nem acusado de má fé,
ou posto num julgamento indefensável, crucificado entre alguns
ladrões e criminosos comuns.

Então, como sobreviver?

Maus fluidos, minha gente, maus fluidos.

Muitas vezes caminhei dentro das ventanias e da chuva,


II

O Circo Garcia entrou triunfal na Ilha
e desfilou garboso pelas ruas da cidade
toda a troupe de chimpanzés africanos;

a família de malabaristas colombianos,
los increíbles hermanos Martínez
os palhaços Santropê e Santropinho;

o perna-de-pau, o engolidor-de-espadas,
o homem-sapo, a única mulher barbada,
os trapezistas russos Irmãos Kaxaturian,

– na verdade armênios, mas que importa?

***

Foi depois que me apaixonei pela cigana Nadja,
no intervalo entre a 1ª e a 2ª parte do espetáculo;

quando leu-me as linhas das mãos e silenciou;

quando beijou lágrimas de ansiedade masturbatória;

quando o circo se desmanchou em pedaços pelo chão;

quando partiu no comboio ferroviário para Teresina;

quando deu adeus predizendo um futuro nada
brilhante;

quando deixou para sempre eternamente cravados na
minh´alma
os olhos verde-esmeralda mais lindos do mundo.


III

Quem será capaz de fomentar o mundo,
torná-lo aprazível ao corpo e à alma?

Quando agosto passou deixou o rastro
de tragédias e desgraças mínimas.

Que de qualquer modo ocorreriam
se fosse janeiro, novembro ou Carnaval.

O corpo do presidente Getúlio Vargas
estirado na cama no Palácio do Catete.

Uma carta triste que declara o poder
perdido, a eternidade da história.

Um poder inerente ao gesto sobreviverá
nas palavras verdadeiras. Mas por quê?

Canto porque tenho de cantar, mas quase
não se pode andar nas areias das praias.

As dunas estão cercadas, todos os mangues
têm dono, as praias estão dominadas...

Caminhamos por ruas que não são nossas,
nesta terra de ninguém e de todos.

Mude de vida, alguém dirá, mas gastamos
grande parte de nossa energia sonhando.

Suspirar de olhos abertos, revolvendo
no passado sementes que não germinaram.

Idealizando o futuro sob medida que é,
na mais feliz das hipóteses, um desperdício.


IV

Na pior! Entre a cocaína e o ópio! O elo.
Ata-nos aos hábitos que queremos mudar.

Sentimos e sabemos que todos são um.

Porra! A paz da mente será nossa?

Algum temor: teremos de perdê-la?
Planos ambiciosos sempre desmoronam.

É melhor ir devagar, cara, persistentemente.

É errôneo se pensar um prisioneiro do dever.

Tudo é divino, diabólico, como um executado.
Seja calmo, altivo, ativamente calmo, caralho!

É de cortar o pulso, cair em silêncio, enforcar-se.

Alguém transcenderá o pensamento, alma?

A intuição funcionará?
O conhecimento virá à tona?
Afundar o medo? Amar o permitido?
O caminho, o muro?

Vida espiritual sem dependência de pessoa,
de coisa, de felicidade é não transar a comunhão.

Poder curtir a divina dependência, sujeitinho,
é compartilhar a plenitude de Deus e do Diabo.

Irreal é reconhecer-se entre livre e cósmico.
Muito pior pretensão. Muito pior ainda:

Correr o itinerário do álcool ao fogo dos infernos!

Sobreviver na pior.
Cortar os pulsos, cair em silêncio!


OS ARREDORES DO OUTEIRO
 


I

Quando no Outeiro da Cruz a terra virou pólvora
E o sangue dessas raças se transformou em adubo
As garruchas e as espadas estraçalharam as almas
E os cadáveres se amontoaram em nome de Deus.

Os índios e franceses e portugueses e brasílicos,
Entregaram-se a uma guerra de corpos extenuados,
Vencidos, lacerados, infelizes, deram-se as mãos,
Quando no Outeiro da Cruz a terra virou pólvora.

***

Sim, foi milagre aquela guerra sem vencedores,
Pois todos os que lutavam tinha sua própria razão,
Todos morriam pela mesma terra, pela Santa Cruz,
E o sangue dessas raças se transformou em adubo.

***

Os homens tinham para si a Ilha do Éden prometido,
Não faltava nem água, nem sombra, nem o de comer,
As mulheres indagavam: em nome de qual d Rey
As garruchas e as espadas estraçalharam as almas?

Mas a rede de intrigas atravessa as paredes espessas,
Futricas e cochichos murmuram traições políticas,
Toda a degradação irremediável ali está presente,
E os cadáveres se amontoaram em nome de Deus.

***

II

A Ilha era bonita demais,
a Ilha hoje é mais bonita ainda
e a certeza dirá como a Ilha
depois de amanhã será soberba
e ainda muito mais bonita,
pois trará consigo o conjunto
de toda a beleza dos anos
passados, presentes, futuros.

***

Praia Grande, Boqueirão, Anil,
Madredeus, Outeiro da Cruz,
redes de igrejas trespassam
os psius sussurrados nos porões
comensais chefiam rebeldias,
entre paredes espessas do forte,
a palavra de ordem lusitana
ganha espaço em sermões.

***

Antonio Vieira condena futricas,
se cochichos murmuram rezas,
traições conjugais e políticas,
são para alimentar inquisidores,
os filhos bastardos regem as leis
políticas, o golpe militar, a morte,
tudo está aí, passado, o presente
irrevogável: tudo é, já foi, será.

***

III

Toda a degradação irremediável está presente,

Numa festa natalina que se converte em Carnaval.

***

É fevereiro, os negros têm uns dias de folgança,

Os capitães descansam os braços, a chibata dorme.

***

A Praia de Araçagy serve de rota para a fuga,

Que vai desabar na saudade das raízes em Benin.

***

Nuvens negras, carrilhões badalando, as caixeiras

Anunciam: é tempo de eleger o Imperador do Divino.

***

Em Alcântara os rojões festejam uma semana de fé:

Mais um preto chicoteado é esquecido no pelourinho.

***

Um pouco mais adiante, sobre as gramas musgosas,

No seio da ruína, pares de estudantes gemem o amor.


IV

Aliás, não pare em mim,
Não sou um bom porto,
Sou um ímã abominável
Para coisas negativas...

Sou a máscara do mal,
Canibal de criança crua,
Ajo durante o Carnaval,
Nunca pouse em mim.

Não sou bom aeroporto,
Vivo colhendo reveses,
Até mesmo os amores
São eternos detestáveis.

Só os tolos se alegram,
Fiquem longe de mim,
Almejo coisas amargas,
Execrável e infame sou.

Ouça esse rock maldito,
Coisinha reles e banal,
Tenham aversão de mim,
Pobre e vil Rei charlatão.

Gosto da coisa obscura,
Procuro o caos execrável,
O ambiente mais péssimo,
Não cantem comigo, não.

Não é oásis nem deserto,
Ó vento – insuportável ente
Gélido das madrugadas,
Afasta-te deste horror.

Os amores estão latentes,
Neste canto bem velhaco,
Vivo orando imprecações,
Dores lancinantes dores...


V

A misteriosa ilha de São Luís

Quanto mistério esconde São Luís. Muito.
Em cada canto se desemboca numa praia
Ou no mercado velho, cujo odor recende.

Ao do tempo dos tempos desmemoriados
Junto com o cheiro da pimenta-de-cheiro,
O perfume do cajazinho inteiro e maduro.

E faz arder nas gargantas solitárias secas.
O álcool áspero das tiquiras róseo azuladas.

As mulheres de São Luís

Quantas mulheres tem São Luís? Quantas?
Desde as mulheres mais famosas coronelas
Até a formosa Amélia – que me fez homem!

São Luís tem mil mulheres da pecadora à sã
Desde as mulheres santas da 28 de setembro
Às guerreiras de outrora do Outeiro da Cruz...

Até as namoradeiras do Largo dos Amores,
Capazes de transformar a areia em pólvora.

Os bairros e ruas de São Luís

Os bairros de São Luís são vários, nascem
E morrem engolfados pela terra, ar e água,
Desterro, Santaninha, São José, Alemanha,

Tem outros que nem são bairro mas fontes
Que vão desembocar no Cais da Sagração,
Fonte do Ribeirão, das Pedras e dos Leões,

Era naquela Rua da Paz a casa de Gardênia
Amor desfibrava olhos e lábios de carmim.

Rio de Janeiro, Cachambi,
13 a 20 de Novembro de 2003.




---
Iba Mendes Editor Digital. São Paulo, 2023.

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