A GALINHA DA MINHA VIZINHA...
Já
era o sol posto havia um quarto de hora. Tocara a largar o trabalho, e cada
qual recolhera para a sua casa: uns sozinhos, pelas azinhagas fora, se mais
tresmalhados moravam; outros, em rancho, se pousavam juntos em alguma terra próxima.
André
Pimenta, um dos trabalhadores mais falados dos sítios onde este caso aconteceu,
deitara a enxada ao ombro, e enfiara-lhe o cesto do jantar, de maus modos e sem
dizer um Deus os ajude aos companheiros, coisa para estranhar
num homem maneiro e pratico como ele era; entestou para as bandas da casa, sem
dar palavra e com cara de curtir sezões.
Foi
grande falada na malta por causa deste passo. Nunca o tinham visto tão
esquerdo, nem de tão má catadura para os amigos. E daí, andara todo o dia a
fugir com o corpo ao trabalho, e a resmungar com os seus botões, como quem
lhe roía alguma coisa lá por dentro.
Ou
estava doente o pobre do homem; ou lhe tinham dado quebranto.
Porque
até então ninguém lhe pusera o pé adiante no trabalho e ninguém o levara à parede
em alegrias e cantigas. Andava sempre mais contente do que a cigarra e mais
esperto do que o pardal.
O
que teria o André Pimenta?
Nestes
pontos de interrogação viera a gente toda da quinta do Chibanta ao
lugar da Rabiça fazer o farnel para a semana, porque era num sábado e tinham
recebido a feria: em perguntas e conversas deitaram até defronte da casita onde
ele morava e onde estava ainda, muito bem amezendado num poial à entrada da
porta, e tão pasmado, que parecia ter-lhe um ar mau passado por cima, naquele lugar
mesmo.
—
Boas noites, tio André!
—
Adeus, tio André, quer alguma coisa da Rabiça?
Estas
perguntas, com mais ou menos variantes, lhe dirigiam os pobres ganha-pães, sem
que obtivessem resposta, além de um resmungar ininteligível, que de má vontade
saiu do peito de André, e que se fez ouvir sem que abrisse a boca.
Os
malteses olharam-se, encolheram os ombros, entenderam se pelos olhos: e, cada
vez mais admirados, seguiram para o lugar.
O
caso era para dar que fazer até mesmo a um escrivão!
André
fora sempre um bom trabalhador e um honrado chefe de família. Depois de andar
um santo dia na sua labutação, não havia para ele maior regalo, do que vir de
noitinha brincar com os pequenos ou conversar com a mulher, enquanto se lhe não
aprontava a ceia e não tocava a deitar. Ao portal da casa, de verão; de
inverno, sentado ao pé da chaminé num banco que ele arranjara em horas de
sesta.
Naquela
casa não se conhecera nunca cirurgião nem boticário, e não constava pela vizinhança
que se lá tivesse ralhado nunca. Pois a língua daquela gente não perdoava, nem
ao padre prior!
Mas,
quando tocava ao André das Furoas, (assim se chamava ao sítio onde assistia) ou
à Madalena da tia Inácia, todos diziam à uma, que era um casal em que se não
podia por boca, e que viviam tão sossegados, como Deus com os Anjos.
Entretanto
nem só os camaradas haviam estranhado André naquele dia; Madalena e os pequenos
tinham ficado passados, quando o haviam visto chegar ao pé da porta, atirar com
a enxada e o cesto para o meio da casa, como quem atirava com o diabo à rua e
deitar-se para cima do banco, sem dizer nada nem à mulher nem aos filhos.
Pela
primeira vez na sua vida um mau pensamento viera torvar a serenidade daquela
alma. André sentira a inveja, e tinha medo dela e de si. Admirava-se da
mudança, que lhe ia lá por dentro e não tinha alma para deitar fora aquela
tentação. Não se conhecia, por diferente; e não sabia como havia de tornar a
ser o mesmo.
Parecerá
estranho a quem não conhecer a vida apática e rotineira da gente do campo,
André não pensara nunca nas diferenças deste mundo, nem nas gradações de
posição. Parecia-lhe tão natural ser rico o Sr. Manoel Fernandes e ele
trabalhar para o Sr. Manoel Fernandes e ser pobre, como deitar-se à noitinha e
erguer-se de madrugada. Nunca considerara nessas diferenças, e ia trabalhando
todos os dias com a enxada ou com o podão, como já seu pai trabalhara, e o pai de
sua mulher, e como esperava que seus filhos trabalhassem, quando tivessem idade
para isso.
Naquele
dia, porém, a horas de almoço, ouvira uma conversa em que andara a matutar todo
o dia, porque lhe fizera sensação deveras lá por dentro. Dois senhores da
cidade tinham vindo visitar o Sr. Manoel Fernandes e ao dar uma volta pela
fazenda demoraram-se, com a curiosidade de vadios a ver trabalhar os malteses,
que andavam numa cova aos montes.
Admirados
de ver, numa hora, trafego, que os cansaria todo um mês, começaram em voz alta
a fazer comentários, e a lamentar a sorte daqueles homens, que supunham
infelizes.
—
Pobre gente, dizia um, tanto trabalho e por tão pouco dinheiro!
—
Então, respondia-lhe o companheiro, se eles não trabalhassem como havíamos de
comer, bem vês que nem todos podíamos ser iguais.
—
É verdade mas eu morria se cavasse duas horas!
—
Não admira, cada um para o que nasceu.
E
mil cousas como estas que é fácil imaginar. O efeito que produziram, isto é que
nem eles nem ninguém poderia imaginar. Não caíram no chão. Apanhou-as o ouvido
de André a quem abriram um mundo novo. Pois havia homens, que não podiam cavar,
ou que não queriam; e outros eternamente condenados àquele trabalho! Era coisa
em que não pensara nunca, mas que lhe fervilhava agora lá por dentro,
azoinando-o todo o dia. André Pimenta começava, como o anjo caído, a olhar para
cima, e ao ver outros tão altos e a si tão baixo ourou-lhe a cabeça e ficou
estonteado.
Era
quase noite e não cuidava em recolher. As crianças, que andavam numa empreitada
de fazer uns castelinhos de barro ao pé da porta, e que, mal lobrigaram o pai,
tinham deitado a correr a abraçar se lhes com as pernas, sacudidos por ele
haviam vindo de orelha murcha, com as lágrimas nos olhos e corridos de susto
para o pé das suas arquiteturas sentar-se amuados sem compreenderem aqueles
termos diferentes das festas do costume: e mais estranhos ainda continuavam sem
se atreverem a falar com a vista pregada no pai, e com a presciência infantil a
adivinhar-lhe desgraça. A mulher, essa entrava, saia, falava, dizia mil
cousas, fazia mil perguntas e sem obter resposta alguma, não sabia a que santo
se apegasse para lhe fazer o milagre de lhe chamar a ternura antiga, tremia de
entrar a fundo naquele grande desgosto, por fim animou-se, e chegando-se a ele
tocou-lhe no ombro e perguntou-lhe a medo:
—
Não vens cear, homem, é já tão tarde?
—
Não; foi a resposta seca e desabrida como badalada tangida rápida por mão
inexperiente; e ficou-se.
—
Que tens tu, homem, nunca te vi assim?
—
Pois tu não sabes, que há homens que não precisam de andar agarrados a uma enxada
todo o dia para ganhar o pão de seus filhos?
—
Sei, homem, que se lhe há de fazer; são cousas do mundo!
—
E nunca mo disseste?
—
Para quê, André; valha-me a Senhora da Madre de Deus, nunca pensei que te
dessem cuidado essas cousas!
—
Que me não dessem cuidado! Mulher de... não sei que diga! Pois eu, um homem
como os mais, que nunca fiz mal a ninguém, que me tenho feito em postas para os
sustentar a vocês; eu, se amanhã me desse um estupor, ia para o hospital; por
lá morria ao Deus dará, e vocês ficavam por aí a pedir esmola!
—
Mas, que se lhe há de fazer, se nascemos pobres?
—
É em que eu tenho andado todo o dia a matutar, porque hão de uns nascer pobres,
e outros ricos; porque hei de eu não ter nada, e o Sr. Manoel Fernandes, há de
ter mais de uma dúzia de quintas, cada qual maior, cada qual que bastava para
vivermos todos descansados:
—
Queres reformar o mundo? Tens inveja, André, e inveja do patrão, que nos faz
tanto bem?
—
Quem te fala em inveja! Se eu me lembrasse de que era invejoso dava um tiro nestes
miolos. Eu não olho para as mãos do Sr. Manoel Fernandes, que merece...
verdade, verdade, e que é um homem às direitas; mas eu não sou somenos e se
tivesse uma daquelas quintas, ao menos; trabalhava, que não nasci para vadio:
mas sem pensar no dia de amanhã, sem tremer com a ideia do que lhes pode
acontecer.
—
Por amor disso não te rales, homem; respondeu-lhe uma voz meio alegre, meio
repreensiva ao pé dele.
Era
o Sr. Manoel Fernandes, que saindo a dar uma volta parara perto do grupo, e
entrara assim na conversa, pousando a mão direita sobre o ombro de André.
Este
enfiou, Madalena entrou a tremer, e os pequenos, compreendendo que uma nova cena
se ia passar, aproximaram se curiosos do lugar da ação.
Houve
um momento de silêncio geral, enquanto os diversos atores se entre olhavam e
reconheciam. Por fim André, com aquela gíria saloia, que participa da
sagacidade dos selvagens, conhecendo que a defesa era difícil, tomou a ofensiva.
—
Ora, vossa senhoria, assim a escutar o que diz cada um à sua mulher, Sr. Manoel
Fernandes!
—
Qual escutar, nem meio escutar, tornou este entre serio e risonho pois que
percebera a manobra, não ouviste nunca, que, palavras leva-as o vento? Estavas
para aí a parolar alto e bom som, e não querias que ouvisse? Só se viesse pela charneca
adiante com as mãos nos ouvidos.
—
Vossa senhoria tem razão, tornou Madalena interferindo, como o poder moderador
no sistema constitucional, mas vossa senhoria bem disse que palavras leva-as o
vento, e o meu pobre homem apoquentado da sua vida, não admira, que desabafe...
—
Ninguém lhe diz o contrário, santinha, e daí bem fala o rifão: quem escuta...
—
Mas o meu André não pôs boca em vossa senhoria para mal.
—
E que pusesse! El-rei também tem costas, não lhe quisera eu mal por isso,
e tanto que já lhe disse, por amor da Chibanta não há de ser a
duvida.
—
Vossa senhoria também!... observou André, como em recriminação, levou a mal,
uma palavra dita sem maldade nenhuma.
—
Como queres que te diga que não, homem? fazes-te André! Já te disse, que está
na tua mão, ser tua a Chibanta.
—
Ora!...
—
Não há aqui ora, nem meia ora. Amanhã começas a tomar conta da fazenda, e de
caminho descanso eu o meu bocado. Se te avires com ela, e se te mostrares tão pronto
de braço como de língua, virá a ser tua.
—
Vossa senhoria tem vagar de rir, mas um pobre homem como eu, é que nem sempre
está de feição: basta-lhe a sua vida, disse André, que não acreditava em tanta
generosidade.
—
Queres acreditar-me ou não? Bem sabes que não tenho senão uma palavra.
—
Vossa senhoria então!...
—
O dito dito, e até amanhã.
O
Sr. Manuel Fernandes voltou costas e seguiu no seu passeio: apenas desapareceu
no atalho, Madalena e André olharam-se espavoridos e como receosos, e por algum
tempo estiveram sem dar palavra; por fim Madalena voltou-se para o marido, para
o acusar, segundo o costume das mulheres em semelhantes ocasiões.
—
Para que havias de falar, André?
—
Então nem queres ao menos, que desabafe. Anda um homem ralado de trabalho todo
o dia, e nem ao menos há de ser senhor de dizer duas palavras em sua casa!
—
E se ele te despede?
—
Não faltará onde dê cabo do corpo?
—
Ele parecia falar serio!
—
Ainda acreditas! Bem me fio eu no que ele disse: esteve a divertir-se com a
gente. Má raios...
—
Cala-te André, atalhou rapidamente Madalena, cala-te, pode ainda estar por aí,
e quem sabe, talvez o homem faça o que disse.
E
em duvidas decorreu a noite. A pior, que desde que eram casados tinham passado.
Ora a esperança lhes sorria, ora o receio os amedrontava; ora acreditavam, ora
descriam. Pela primeira vez nem Madalena nem André provaram da ceia, e só as crianças,
que não compreenderam nada, comeram como do costume, e adormeceram com o mesmo descanso.
De
madrugada André, com cara de morte de homem, encaminhou se para a Chibanta.
Vergavam-lhe as pernas pelo caminho; não ia contente consigo, nem com a sua
consciência. Parecia outro.
O
Sr. Manuel Fernandes esperava-o ao portão da quinta. Uns quês de ironia
transpareciam no rosto alegre do fazendeiro.
—
Melhor cara traga o dia da amanhã, homem, mofina te deu, que tão amargurado
vens! Parece que não pregaste olho!
—
Eu bem sei que vossa senhoria me vai despedir; mas não é porque eu faltasse à obrigação...
—
Que tens tu homem, mordeu-te bicho?
—
É que vossa senhoria...
—
Bem sei o que vais dizer, mas o que ontem te disse, está dito, hoje começas a
ser meu feitor e para o diante falaremos...
André
duvidou ainda e só depois do fazendeiro o ter apresentado aos trabalhadores,
como seu substituto é que começou a entrar em si, parecia-lhe tudo um sonho.
Em
quanto lhe ia dando as instruções necessárias, e lhe explicava por miúdo o granjeio
da fazenda, o Sr. Manuel Fernandes sorria-se vendo que André meneava a cabeça
com ares de profundo entendedor, e respondia a tudo: já entendi, deixe
estar, não tem duvida. O velho lavrador não acreditava naquela proficiência, e
lá de si para si amolava o caso. Tanta confiança mostrava porém o novo caseiro,
que, depois de acabada a vistoria, mandou o entrar para a casa principal da
habitação, que acumulava as funções de casa de jantar, escritório e cozinha, e
disse-lhe:
—
Oxalá que me enganasse homem, queria-te dar uma lição e mostrar-te que nem tudo
é o que parece, que para grande nau, grande tormenta e que cada qual sabe as
linhas com que se cose. Se a inveja é feio pecado, não é culpa menor julgar as
coisas pelas aparências. Comecei, como tu, pobre, enriqueci por felicidade, mas
sempre honradamente; ainda assim, não poucas vezes me têm lembrado, com
saudade, as noites, em que, ralado com o trabalho, mas sem cuidados, atirava
com o corpo para cima da enxerga, sem deitar contas à vida porque a feria no
fim da semana pagava tudo.
—
Ó senhor Manoel Fernandes, mas a mulher e os filhos?
—
Também se acomodavam como podiam. Olha: uma cava é para o milho, outra para a
vinha; quanto mais se sobe, mais cansado se fica. Hoje tenho mais dinheiro do
que então, lavro muitas jeiras de chão, deito um par de moios à terra, e não
dou pouco que fazer ao lagar; mas, podes acreditar-me, tenho mais vezes falta
de dinheiro, do que quando recebia um quartinho cada semana; e passo mais dias
de amarguras, do que quando era um triste trabalhador.
E
como André meneava a cabeça, com ares de quem não acreditava muito no que ele
dizia, o Sr. Manuel Fernandes tornou-lhe triste:
—
Daqui a tempos me dirás se tinha razão.
Não
tardou que se não realizasse a profecia. André, quanto mais entrava naquela
vida nova, mais espinhos lhe achava. Tinha que repartir a atenção
para mil lados, tinha que cuidar em muitíssimas coisas diferentes ao
mesmo tempo.
Não
descansava, não dormia mesmo. Lembrava-se de noite, que podiam andar ladrões na
fazenda, sentia ladrar os cães ou grasnar os patos, saltava da cama e corria
para fora, de espingarda carregada. Parecia-lhe que se esquecera de dar ordens
para o dia seguinte, que não determinara trabalho, e ei-lo, sem pregar olho, a
espreitar a madrugada para ir acordar os trabalhadores e marcar-lhes a
obrigação; era um suplicio.
Depois
a cultura em ponto maior, os processos da lavoura, de debulha, de vindima, de
sacha, de cava, de poda e de empa, a qualidade das sementes, o tempo da
sementeira e a escolha dos terrenos, o traçar da horta, e a rega das plantas, o
decote das árvores e a colheita dos frutos, o cuidado do gado e da criação, o
fabrico dos instrumentos de lavoura, a guarda do pão, e o meio de o conservar,
reclamavam conhecimentos que lhe faltavam. Quando lhe perguntavam alguma coisa,
é que via na resposta as dificuldades, que à primeira vista não encontrara.
Tinha sempre medo de mandar o contrário, e não poucas vezes lhe aconteceu,
quando errava, ouvir os homens da quinta rirem-se dele, e lá, uns com os
outros, fazerem observações bem desagradáveis. André, por natureza bondoso e
crente, tornara-se irascível e desconfiado de todos.
Nos
seus mais íntimos mesmo se fizera sentir a diferença de posição; Madalena e os
pequenos tinham-se tornado exigentes, nada os contentava, tudo lhes parecia
pouco, e André podia contar todos os dias com uma contenda, quase sempre neste teor:
—
Dantes não me recusavas coisa nenhuma...
—
Se não pode ser, mulher.
—
Estás sovina, para que queres o dinheiro?
—
Mas se o não tenho?
—
Pois sim, a mim não me enganas tu, ainda ontem vendeste isto ou aquilo, é
porque o gastas com outras.
E
seria um nunca acabar referir todas as desavenças, todas as ralações do pobre
homem. Nem em casa nem fora, lhe deixavam um momento de descanso. Andava como
doido.
Entretanto
o Sr. Manoel Fernandes tinha ido à província; demorara se por lá algum tempo e
esperava-se de um momento para o outro.
André
foi ter com ele ao caminho, apenas o avistou a alcance de voz, as suas primeiras
palavras foram como o deitar ao chão um peso que o oprimisse, e com que não pudesse
mais.
—
Aceite a Chibanta, Sr. Manoel Fernandes, quero a minha enxada e o
meu sono descansado; a minha feria e o meu sossego.
O
fazendeiro sorriu-se.
—
Pois já, homem?
—
E é demais. O que lá vai lá vai, aprendi deveras, estes dois meses têm-me
custado anos de vida.
—
Pois não tens as mesmas ideias que tinhas há seis meses, já te não lembras do
hospital?
—
Tenho-me agora lembrado mais ainda, mas é do hospital dos doidos, e lá não
tardaria eu se continuasse naquele inferno. Guarde-a que lhe não invejo o
vagar.
O
Sr. Manoel Fernandes viu o pobre André tão amofinado, que não quis abusar. No
dia seguinte este começava no trabalho antigo e pela primeira vez, havia tanto
tempo, dormia de um sono desde o deitar até ao amanhecer.
Madalena
reagiu, e queixou-se ao principio, depois costumou-se outra vez: e se se
lembrava com saudades dos seus antigos esplendores, não tinha muito tempo para
ter pena, porque o trabalho da casa preocupava-lhe a atenção.
Os
pequenos esses só tiveram desgosto com a mudança. Uma enxurrada havia-lhes
desmanchado o seu castelinho de terra.
De
novo reinou naquela casa o sossego antigo: a alegria, que parecia ter fugido
espavorida das grandezas do rendeiro da Chibanta, tornou a sorrir
no pobre albergue do modesto trabalhador.
O
Sr. Manoel Fernandes entretanto foi ajudando André, que, com o andar dos
tempos, conseguiu comprar um quintalejo que, se não era tão grande como a Chibanta,
correspondia ao menos ao seu saber e não lhe dava grande cuidado.
Mas
tinha-lhe aproveitado a lição, e quando lhe falavam nos haveres dos outros
dizia sempre:
—
Eu bem sei o que isso é; ninguém está contente com o que Deus lhe deu. Por isso
diz o rifão: a galinha da minha vizinha...
---
Iba Mendes Editor Digital. São Paulo, 2023.
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