3/13/2025

As fadas (Charles Perrault), por Monteiro Lobato

 

AS FADAS

Era uma vez uma viúva com duas filhas.

A mais velha, muito má e orgulhosa, parecia com a mãe em tudo. Ver uma moça era ver a outra.

A mais moça, porém, primava pela bondade de coração e pela beleza do rosto. Tinha puxado ao pai, um homem muito bom e sério. Justamente por isso, a viúva tinha-lhe ódio; fazia-a comer na cozinha e forçava-a a trabalhar sem descanso.

Entre outros serviços pesados, a pobre menina era obrigada a trazer duas vezes por dia um grande pote de água duma fonte a meia légua de distância. Verdadeiro castigo.

Certa ocasião em que estava na fonte enchendo o pote, apareceu uma velha que lhe pediu de beber.

– Pois não, minha senhora, respondeu delicadamente a menina – e lavou o fundo do pote, encheu-o da melhor água e ficou segurando-o no ar enquanto a velha bebia.

– Você é tão bonita e boa, disse a velha, que bem merece um dom. (Era uma fada que se disfarçava de velha para experimentar a bondade das meninas.)

– Que dom?

– Cada vez que falar rolará da sua boca uma flor ou uma pedra preciosa.

Disse e sumiu.

A menina voltou para casa muito contente – e levou logo uma descompostura por ter-se demorado mais do que de costume.

– Peço-lhe perdão, minha mãe, por ter-me retardado tanto, disse ela humildemente – e ao falar duas rosas, duas pérolas e dois lindos brilhantes pularam da sua boca.

– Que é isso? exclamou a mãe assombrada, juntando as pedras. De onde vêm tantas riquezas minha filha? (Era a primeira vez que a chamava de filha).

A menina contou o que se passara à fonte – e mais diamantes rolaram pelo chão.

A mulher ficou pensativa.

– Vou mandar minha Fanchon à fonte. Veja, Fanchon, o que está saindo da boca dessa menina. Não quer possuir o mesmo dom? Basta que vá buscar água e que quando uma velha apareça e peça para beber você a atenda com bons modos.

– Era só o que me faltava, eu andar de pote na cabeça! respondeu a orgulhosa.

– Pois tem que ir e já, ordenou a mãe, de cara feia.

A moça má foi, resmungando, mas levou o mais lindo jarro de prata que existia na casa. Enquanto o enchia, viu sair da floresta uma dama ricamente vestida, que lhe veio pedir de beber. Era a mesma velha, agora disfarçada de princesa a fim de ver a até que ponto chegava a ruindade de Fanchon.

– A senhora então acha que vim à fonte para dar água aos outros? respondeu a orgulhosa. Está aqui este jarro de prata. Se quiser, encha-o e beba.

– Você não é boa de coração nem delicada, disse a princesa sem mostrar sinais de zanga. Bem que merece um dom.

– Qual é?

– Cada vez que falar sairá da sua boca um sapo, ou uma cobra.

A moça má mostrou-lhe a língua e voltou para casa furiosa. Assim que a viu chegar, a mãe foi dizendo, de cara alegre:

– Então?

– Então, o quê? respondeu de mau modo a filha – e dois sapos e duas cobras caíram no chão.

– Deus do céu! O que estou vendo! exclamou a mãe, horrorizada. Minha filha querida a vomitar sapos e cobras, e tudo por causa daquela pestinha! Deixa estar que ela me paga…

Disse e avançou para cima da menina boa, a qual fugiu correndo para a floresta, justamente quando por lá ia passando o filho do rei, que saíra à caça. Vendo uma tão bela criaturinha, ele perguntou-lhe o que fazia ali sozinha e por que motivo chorava.

– Ai de mim! suspirou a boa menina. Minha mãe acaba de expulsar-me de casa – e, ao dizer isso, caíram-lhe da boca cinco rosas, cinco pérolas e cinco diamantes.

O filho do rei assombrou-se e perguntou o significado daquilo e, quando soube de tudo, sentiu-se imediatamente apaixonado e levou-a para o palácio e apresentou-a ao rei, dizendo que com outra não se casaria. Casaram-se e foram muito felizes.

E a má? Oh, a má ficou tão mais má depois desse acontecimento, que nem a sua própria mãe pôde aturá-la. Foi expulsa de casa e como ninguém quisesse saber dela, morreu abandonada num lugar escuro do bosque.


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Pesquisa, transcrição e adequação ortográfica: Iba Mendes (2025)

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