JOÃO GRANDE E JOÃO PEQUENO

Havia lá não sei onde dois rapazes
de igual nome. Ambos se chamavam João. Mas um possuía quatro cavalos e o outro
apenas um. Para evitar trapalhadas, o dono dos quatro cavalos passou a
chamar-se João Grande, e o outro, João Pequeno. Vamos agora ver o que aconteceu
aos dois Joões.
João Pequeno trabalhava a semana
inteira para João Grande, ele e o seu cavalo. Como pagamento desse serviço João
Grande lhe cedia aos domingos os seus quatro animais, e como João Pequeno
possuísse umas terras, aproveitava-se desse dia para correr nelas o arado. Era
de ver então o orgulho com que estalava o chicote sobre os cinco animais
atrelados à charrua, pois que João Pequeno tinha naquelas horas a ilusão de que
todos os cavalos fossem seus.
— Vamos, meus cinco cavalos!
gritava ele.
João Grande soube e protestou.
— Você não pode dizer isto, porque
seu mesmo só há um cavalo. Não se esqueça.
Mas foi inútil. João Pequeno não
resistia. Bastava que visse passar pela estrada gente que ia à igreja, de
livrinho debaixo do braço, para repetir aquilo.
— Vamos, meus cinco cavalos!
João Grande ficou danado e veio com
ameaças.
— Se tornar a repetir essa frase,
eu mato o seu cavalo a pau e quero ver! Tome cuidado, está ouvindo?
João Pequeno, amedrontado, prometeu
calar-se.
Prometer, porém, é simples; o
difícil é cumprir e João Pequeno faltou logo ao prometido. No próximo domingo,
ao aproximar-se um grupo de gente endomingada, gritou de novo:
— Vamos, meus cinco cavalos!
João Grande, que estava espiando,
apareceu, furioso, com um pau na mão.
— É agora, seu patife! e pã! — derrubou-lhe o cavalo com uma
formidável cacetada na cabeça.
O pobre João Pequeno pôs a boca no
mundo; chorou a mais não poder. Perdera o cavalo, que era tudo quanto possuía
na vida. Por fim, como não houvesse remédio, teve de conformar-se e então tirou
o couro do cavalo morto e secou-o ao sol. Depois dobrou-o, botou-o num saco,
foi à vila ver se o negociava.
Para chegar à vila tinha de
atravessar uma floresta, na qual foi colhido por uma terrível tempestade. Teve
de parar debaixo duma árvore, pois não enxergava dois passos à frente.
Quando a chuva cessou viu a pequena
distância uma casa de porta e janelas fechadas, mas com luz dentro. Como já ia
anoitecendo João foi lá bater para pedir pousada.
Veio abrir uma mulher de cara feia,
dizendo-lhe que o marido não estava e pois não podia recolhê-lo.
— Dormirei aqui fora, disse João
enquanto a mulher lhe fechava a porta no nariz.
Olhando em redor o rapaz descobriu
um rancho de palha, sobre o qual uma cegonha havia construído um ninho.
"Passarei a noite em cima desse rancho, pensou ele, e espero que a cegonha
não me atrapalhe o sono."
Subiu em cima do rancho e
acomodou-se. De lá podia ver o que se passava dentro da casa, pela bandeira da
porta. E viu sentados à mesa da sala de jantar a mulher e mais um sacristão. O
sacristão trinchava um peixe enquanto a mulher enchia de vinho o copo.
João ficou a espiar aquele gostoso
regabofe, até que ouviu tropel de cavalo. Era o dono da casa que vinha vindo.
Esse homem era um bom homem; só que
tinha grande birra do sacristão e por isso o sacristão só na sua ausência vinha
regalar-se com os bons quitutes que a mulher sabia preparar.
Ao ouvir o tropel do cavalo, a
mulher assustou-se e pediu ao sacristão que se escondesse numa canastra vazia
que estava a um canto da sala. Depois tirou a mesa, escondeu o peixe e o vinho
e deixou tudo como se nada houvesse.
— Que pena! exclamou lá do telhado
João Pequeno ao ver a mesa limpa; mas falou mais alto do que devia e o homem
ouviu.
— Quem está falando aí? indagou ele.
João Pequeno desceu e contou a sua
história, acabando por lhe pedir agasalho por uma noite apenas — e o homem, que
era bondoso, não pôs dúvida. Fê-lo entrar e ainda o convidou para a ceia.
A mulher de novo arrumou a mesa e
serviu um prato de sopa a cada um. O marido tomou a sua com grande apetite, mas
João só pensava no peixe recheado que vira a mulher esconder dentro do forno.
Ao sentar-se ele havia posto
debaixo da mesa o saco de couro do cavalo e como estivesse com os pés em cima,
cada vez que fazia um movimento o couro ringia. E a cada ringido ele exclamava:
— "Bico calado!" — mas
pisava o couro ainda com mais força para que ringisse ainda mais alto. Que é
que há dentro desse saco? perguntou o homem.
— Um couro mágico, respondeu o
rapaz. Está a dizer que não devemos nos contentar com sopa, visto haver
quitutes gostosos escondidos no forno.
O homem levantou-se e foi ver — e
encontrando no forno o peixe recheado convenceu-se de que na realidade o couro
era mesmo mágico. Trouxe tudo para mesa e os dois regalaram-se.
Finda a ceia, João fez o couro
ringir de novo.
— Que diz ele agora? perguntou o
homem.
— Diz que atrás do fogão há três
garrafas de vinho.
Mordendo os lábios de ódio, a
mulher fingiu-se de desentendida e teve de ir lá e trazer as garrafas de vinho.
Depois de bebido o vinho, o homem manifestou desejos de adquirir o couro
mágico.
— Esse couro será capaz de me fazer
aparecer aqui o diabo? indagou ele, já com cabeça meio toldada pelo vinho.
— Como não? Faz tudo quanto a gente
pede. Mas o diabo é tão feio que o senhor vai assustar-se. Não há perigo, não
sou criança. Que jeito tem ele?
— Muitos jeitos, mas gosta
sobretudo de aparecer disfarçado de sacristão.
— Oh, nesse caso deve ser horrível!
exclamou o homem. Eu tenho tal ódio a sacristãos que não posso vê-los nem
pintados. Mas sabendo que não é sacristão de verdade e sim o diabo com forma de
sacristão, creio que não haverá, Faça que apareça o diabo — mas que não se
aproxime de mim.
— Vou consultar o couro, disse o
rapaz e apertando-o com o pé provocou outro ringido.
— Que diz ele?
— Diz que se o senhor abrir aquela
canastra, ali no canto, encontrará o diabo encolhido dentro e disfarçado em
sacristão.
Cautelosamente o homem foi abrir a
canastra — e recuou com um berro, vendo que de fato lá estava um sacristão todo
encolhido e a tremer.
— Irra! exclamou. Já posso gabar-me
de ter visto o diabo em pessoa! E é tal qual o nosso sacristão da aldeia.
Depois, para apagar o mau efeito do
que vira na canastra, bebeu mais vinho e ali ficou até altas horas em companhia
de João Pequeno. Por fim disse: Quanto quer pelo couro mágico? Dou uma quarta
cheia de dinheiro.
O rapaz fez-se de rogado, mas tanto
homem insistiu que afinal cedeu.
— Pois seja. Aceito em troca do
couro uma quarta de dinheiro — mas quero-a bem, bem cheia.
— Está fechado o negócio — com uma
condição, disse o homem: levar daqui a canastra com o diabo dentro. Não quero
saber do diabo em minha casa.
Combinado o negócio, João Pequeno
deu ao sitiante o couro do cavalo, recebendo em troca uma quarta de dinheiro
bem medida. Para que pudesse levar tudo aquilo, recebeu ainda, de lambujem, um
carrinho de mão. E despedindo-se do homem, o rapaz lá se foi com a canastra de
sacristão dentro e a quarta de dinheiro.
Do outro lado da floresta havia um
rio muito largo, atravessado por uma ponte. Ao chegar ao meio da ponte João
parou e disse em voz alta, a fim de ser ouvido pelo sacristão:
— Esta canastra de nada me
serve e só irá dar-me trabalho. Pesa como se estivesse cheia de pedras. O
melhor a fazer é atirá-la ao rio.
E com estas palavras pôs-se a
erguer a canastra, como se realmente fosse arrojá-la às águas.
— Pelo amor de Deus, não faça isso!
implorou lá dentro o sacristão.
— Céus! exclamou João Pequeno,
simulando grande espanto e medo. O diabo ainda está aqui dentro! Toca a atirá-lo
ao rio sem demora para que morra afogado.
— Tenha dó de mim, suplicou o
sacristão. Darei uma quarta de dinheiro em troca da minha vida. -Isso já soa
melhor, disse João Pequeno abrindo a canastra.
Mais morto que vivo, o sacristão
saltou fora, e empurrando a canastra vazia para dentro d’água dirigiu-se à sua
casa, onde mediu uma quarta de dinheiro e deu-a a João em paga do que
prometera. Com o que já havia recebido do sitiante, o rapaz ficou com o seu
carrinho abarrotado de moedas.
— Fui bem pago pelo meu cavalo!
disse ele consigo ao chegar em casa e ao amontoar as moedas no chão do seu
quarto. Só quero ver a cara de João Grande quando souber da fortuna que ganhei
com o couro do meu cavalo. Mas é melhor guardar segredo sobre a minha
esperteza.
Em seguida mandou pedir emprestada
a João Grande uma quarta.
— Que irá fazer com uma quarta?
matutou João Grande desconfiado. E teve a idéia de esfregar visgo no fundo da
medida, na esperança de que na volta ela trouxesse algum vestígio do que fosse
medido.
E foi justamente o que aconteceu.
Ao ser devolvida a quarta vieram três moedas coladas ao fundo.
— Quê?! Não é que o homenzinho
conseguiu dinheiro? exclamou João Grande admirado, e apressou-se em ir indagar
como ele obtivera tanto dinheiro que chegava a medi-lo em quarta.
— Foi o que recebi pelo couro do
meu cavalo, respondeu João Pequeno ao ser interpelado.
— Vou fazer o mesmo, resolveu João
Grande — e correu a matar os seus quatro cavalos. Feito isto tirou-lhes o couro
e levou-os à vila para vender.
— Couros! Couros! Quem compra
couros gritava pelas ruas da povoação.
Vários sapateiros indagaram do
preço, mas ao ser-lhes dito que custavam uma quarta de dinheiro cada um,
riram-se do vendedor.
— Será que este bobo cuida que
dinheiro se mede às quartas? disseram todos.
Certo de obter o preço desejado,
João Grande continuou a percorrer as ruas da aldeia, oferecendo os seus couros.
E a todos que lhe indagavam do custo, respondia invariavelmente:
— Uma quarta de dinheiro, não dou
por menos.
— Ele está mangando conosco!
gritaram os sapateiros e tomando boas guascas deram-lhe uma formidável sova.
"Couro nele, sem dó nem piedade!" berravam. "Vamos pô-lo fora da
cidade a chicote!"
E o pobre homem viu-se obrigado a
correr tanto quanto lhe permitiam as pernas, pois nunca apanhara tal surra em toda
a sua vida.
— Desta vez João Pequeno me
paga! rosnou ele furioso, ao chegar em casa. Pico-o em pedacinhos. Nesse meio
tempo faleceu a avó de João Pequeno, e embora tivesse sido ela muito má para ele,
João sentiu a sua morte. Piedoso como era, colocou o cadáver da ancia na cama,
coberto com um cobertor, a fim de ver se o calor a faria viver novamente.
Depois de bem ajeitar a defunta, preparou-se para passar ali a noite, velando
numa cadeira.
Altas horas entra João Grande, pé
ante pé, de machado em punho. Sabendo perfeitamente onde ficava a cama de João
Pequeno, aproximou-se cautelosamente e com vigorosa machadada abriu a cabeça da
velha, certo de que estava liquidando o rival.
— Toma, para não se fazer de
esperto! exclamou ao retirar-se.
— De que escapei! murmurou João
Pequeno lá com os seus botões. Felizmente minha avó já estava morta, pois do
contrário nem sua alma escaparia!...
Em seguida cuidou de vestir a velha
com o seu melhor vestido e foi pedir emprestado ao vizinho um cavalo. Atrelou-o
ao carrinho e arrumou o cadáver no assento traseiro, de modo que se mantivesse
sentado, mesmo com o veículo em movimento. Feito isto atravessou a floresta. No
dia seguinte pela manhã parou numa hospedaria para tomar qualquer coisa. O
estalajadeiro era homem rico e bondoso, mas irritadiço em extremo, desses que
perdem a cabeça por qualquer coisinha.
— Bom dia, disse ele ao ver João
Pequeno entrar. Que é que procura tão cedo em minha casa?
— Estou de passagem, pois vou levar
minha avó à vila, respondeu João. Deixei-a lá fora, no carrinho. Não poderá o
senhor levar-lhe uma xícara de café? Mas é preciso que lhe fale em voz alta,
pois é surda como uma porta.
O estalajadeiro foi levar o café.
— Aqui está o café, disse ao ouvido
da anciã. Como era de esperar, o cadáver não murmurou palavra.
— Aqui está o café que o seu neto
mandou trazer! repetiu o homem alçando a voz. Mas como a velha continuasse
muda, ele resolveu berrar-lhe ao ouvido. Nada adiantou. A velha permaneceu
imóvel. Na quarta vez, perdendo a paciência, o estalajadeiro arrumou-lhe com a
xícara na cabeça. A violência do choque fez que o cadáver perdesse o equilíbrio
e tombasse de lado.
— Meus Deus! exclamou João Pequeno,
que só esperava por aquilo. O senhor matou minha avó! Olha só a brecha que
abriu na testa da pobre velha! Coitada da minha avó!...
O estalajadeiro lamentou
profundamente o acontecido, e para evitar que o caso fosse parar na polícia
prometeu dar a João Pequeno uma quarta de moedas e ainda fazer o enterro,
contanto que tudo ficasse por isso.
João Pequeno, após alguma
relutância, acabou aceitando a proposta. Recebeu uma quarta de dinheiro,
assistiu aos funerais da velha custeados pelo estalajadeiro e voltou para casa.
Lá chegando, a primeira coisa que fez foi mandar pedir a João Grande uma quarta
para medir o dinheiro.
— Que diabo! exclamou o outro surpreso.
Teria ele ressuscitado? Vamos ver o que é isso, e resolveu ele mesmo levar a
medida a João Pequeno.
Grande foi o seu espanto ao
encontrar o outro de perfeita saúde, sem um arranhão, e maior foi o assombro ao
vê-lo ainda mais rico.
— Estas moedas são o resultado de
um engano, dis— se João Pequeno. Certo de que me assassinava, você matou minha
avó, e para não ter trabalho com o enterro eu vendi o cadáver por uma quarta de
moedas.
Entusiasmado ante a perspectiva de
ótimo lucro, João Grande correu à sua casa e passando a mão no machado abriu a
cabeça da sua avó. Em seguida rumou para a cidade vizinha, onde sabia existir
um médico que adquiria cadáveres para experiências.
— Quem é o morto e como o obteve?
indagou o médico.
— É o cadáver da minha avó. Matei-a
para vender o cadáver por uma quarta de dinheiro.
— Santo Deus! exclamou o médico
horrorizado. Este homem está maluco! Não diga tal disparate, se tem amor à vida
e não quer ver-se pendurado a uma forca.
E tanto fez ver a João Grande a
hediondez do seu ato e a grave pena em que incorrera, que o rapaz saltou do seu
trole e saiu na disparada. Como o estivesse tomando por louco, o doutor
deixou-o fugir em paz.
— Desta vez ele me paga! rosnou
João Grande logo que se viu longe da aldeia. Mostrarei a João Pequeno quem sou
eu!
— Chegando em casa arranjou um
enorme saco e saiu em procura de João Pequeno, ansioso por vingar-se.
Encontrou-o, agarrou-o e dirigiu-se com ele às costas ao rio para atirá-lo n’água.
Se ele, João Grande, perdera quatro cavalos e a avó, João Pequeno iria perder a
vida — morreria afogado.
Para alcançar o rio, João Grande
tinha de caminhar vários quilômetros, e o fardo que transportava não era dos
mais leves. Passando por uma igreja e ouvindo o badalar dos sinos que chamava
os fiéis, resolveu entrar e rezar uma oração, deixando o saco à porta do
templo, certo de que o prisioneiro não escaparia.
Ao ver-se só João Pequeno pôs-se a
suspirar, lamentando-se em voz alta e fazendo esforços sobre-humanos para
escapulir. Um velho pastor, que na ocasião ia passando a conduzir algumas
ovelhas, ouviu as lamentações e veio averiguar do que se tratava.
— Ai de mim! suspirou João Pequeno.
Tão moço e já condenado a ir para o reino dos céus!
— Pois eu, já sou velho, só sonho
com essa ventura, suspirou o ancião.
— Nesse caso a felicidade eterna
está ao seu alcance, disse o rapaz. Basta que abra o saco e se ponha no meu
lugar. Num abrir e fechar de olhos estará no paraíso.
Sem esperar por mais o pastor
desatou o cordel que amarrava a boca do saco e João Pequeno saltou fora. O
pastor, então, pediu-lhe que tomasse conta das suas ovelhas e entrou para o
saco. João atou sòlidamente o cordel e tratou de afastar-se depressa, levando
por diante as ovelhas.
Momentos depois João Grande sai da
igreja e repõe o saco às costas. Achou-o mais leve, pois o velho pastor pesava
menos que João Pequeno, e atribuiu isso à oração que acabara de rezar. Chegando
ao rio, que era largo e profundo, arrojou o fardo às águas, exclamando:
— Desta vez não escapará, e dentro
em pouco estará ajustando contas com o demo.
Feito isto vinha voltando para casa
muito satisfeito quando, numa encruzilhada, topou João Pequeno a tanger
calmamente um rebanho de gordas ovelhas.
— Que diabo! Eu então não o
afoguei? Responda!...
— Sim, respondeu João Pequeno. Você
atirou-me ao rio, deve fazer aí uma meia-hora.
— Mas como se salvou e onde obteve esses
carneiros?
— São ovelhas aquáticas. Vou
contar-lhe toda a história, pois foi graças a você que consegui estes belos
animais que me vão dar muito dinheiro.
Quando me vi arrojado ao rio, senti
a queda vertiginosa e quase desmaiei de medo. Mas assim que o saco encostou no
fundo, apareceu uma linda donzela, envolta num manto de gaze branca como a neve
e tendo à cabeça uma coroa de louros. Chegou e pôs-me em liberdade, dizendo num
sorriso: "Oh, é João Pequeno? Que agradável surpresa! Eis aqui alguns
carneiros para você. Mais adiante encontrará muitos outros mais. É um presente
que lhe faço." Olhei em torno e vi grande número de animais aquáticos
andando de um lado para outro. O fundo do rio estava atapetado de flores.
Pequeninos peixes passavam rente aos meus ouvidos, como fazem os pássaros aqui
na terra. Que belas mulheres vivem lá embaixo! E que lindas e gordas ovelhas
pastam a relva aveludada que nasce nos remansos...
— Se tudo era assim tão bonito, por
que não ficou morando lá? É o que eu teria feito.
— Tenho cá as minhas razões. Mas,
como ia contando, a ninfa avisou-me de que alguns quilômetros rio abaixo eu
poderia juntar outras ovelhas ao meu rebanho. Conhecendo de sobejo o rio, e não
ignorando as inúmeras voltas que ele dá, achei mais conveniente sair em terra e
tomar por um atalho. Assim encurtaria de meio quilômetro a minha caminhada e
entraria ainda mais cedo na posse dos carneiros.
— Que homem de sorte! exclamou João
Grande tomado de inveja. Acha que também poderei obter algumas ovelhas se
chegar até ao fundo do rio?
— Sem dúvida. Sinto não poder
transportá-lo. Se, porém, estiver disposto a ir comigo até a ponte e meter-se
num saco, poderei jogá-lo ao rio. O prazer será todo meu.
— Fico-lhe desde já muito grato.
Mas advirto-o de que se não encontrar nada do que me falou, farei você ir para
o inferno antes do tempo, entendeu?
Depois de garantir ao outro que só
havia dito a verdade, João Pequeno dirigiu-se para o rio, acompanhado do rival.
Logo que os carneiros avistaram o
rio apressaram a marcha, sequiosos que estavam por matar a sede.
— Veja como correm! disse João
Pequeno. É que já estão com saudades do fundo d’água.
— Vamos! Depressa com isso, se não
quiser levar uns trancos! rosnou João Grande enfiando-se num enorme saco que um
dos carneiros trazia ao lombo. Amarre uma boa pedra ao saco para que afunde bem
depressa.
— Não tenha medo. Embora não seja
preciso, farei a sua vontade.
João Pequeno amarrou a pedra e
depois amarrou fortemente a boca do saco — e empurrou-o ponte abaixo. Segundos
depois o fardo desaparecia sob as águas, com estrondo.
E acabou-se João Grande. João
Pequeno ficou sozinho no mundo e lá se foi calmamente com os seus carneiros
pela estrada afora.
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Pesquisa, transcrição e adequação ortográfica: Iba Mendes (2025)
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