3/15/2025

As Cegonhas (Hans Christian Andersen), por Monteiro Lobato


AS CEGONHAS

Um casal de cegonhas havia construído o ninho no telhado duma casa de aldeia. Lá estava a cegonha-mãe ao lado de seus quatro filhotes, cujos bicos escuros só mais tarde ficariam vermelhos como os bicos das cegonhas. Um pouco mais além, na parte mais alta do telhado, a cegonha-pai montava guarda, muito séria e tesa, de pé num pé só. Parecia feita de pau.

— É uma grande honra para minha esposa ter sentinela ao lado, murmurava ele. Os que não sabem que sou o marido pensarão que fui contratado para montar guarda e isso dá muita importância à nossa família.

Nisto apareceu na rua, embaixo, um grupo de meninos vadios. Ao verem as cegonhas puseram-se a cantar uma cantiga muito velha. Essa cantiga dizia que pouco adiantava a cegonha-pai estar montando sentinela, porque o primeiro filhote tinha de acabar preso num laço; o segundo, caído num braseiro; o terceiro, morto por uma carga de chumbo e o último, assado ao espeto.

— Escutem! exclamaram os filhotes assustadíssimos. Estão dizendo que vamos ser enforcados e assados!...

— Bobagem! exclamou a mãe-cegonha. Nada disso acontecerá.

Os meninos continuaram a cantar e apontavam para as cegonhas com o dedo. Apenas um, de nome Peter, não gostou da brincadeira e disse que não deviam estar atropelando as pobres aves que não lhes tinham feito mal nenhum. Mas os meninos insistiram e a cegonha--mãe continuou a dizer aos filhotes que não fizessem caso.

— Não se assustem com as bobagens desses vadios. Não sabem o que dizem. Veja o vosso pai como não liga nenhuma importância e continua imóvel numa perna só.

— Estamos com medo! piavam os filhotes encolhendo-se no ninho.

No dia seguinte os mesmos meninos voltaram a brincar por ali e repetiram a cantiga, assustando ainda mais as cegonhinhas recém-nascidas.

— Seremos mesmo enforcadas e assadas? indagavam elas arregalando os olhos cheios de pavor.

— Nunca! respondia com firmeza a mãe-cegonha. Eu ensinarei vocês a voar, e quando estiverem práticas iremos todas para os brejos em visita às rãs que fazem creque! creque! antes de serem devoradas.

— E depois? quiseram saber os filhotes.

— Depois nos reuniremos a todas as cegonhas desta terra para a viagem do outono. Por esse tempo vocês já devem estar voando perfeitamente e o que não voar direito será espetado pelo enorme bico do general do bando. Tratem pois de aplicar-se da melhor maneira, aproveitando bem as minhas lições.

— Mas que adianta isso, se temos de acabar no espeto? Lá estão os meninos com a mesma cantiga, outra vez...

— Eles não sabem o que dizem; só o que eu digo é certo. Depois de nos reunirmos num grande bando, voaremos para um país quente para o Egito, onde as casas são de pedra, e enormes as tais pirâmides. Nesse país há um rio que todos os anos alaga as duas margens até muito longe. Não há melhor lugar no mundo para a caçada de rãs.

— Que bom! exclamaram os filhotes entusiasmados.

— É um lugar maravilhoso! E enquanto por lá estivermos, quentinhas ao sol, por aqui todas as árvores ficarão peladas, sem uma só folha nos galhos. O frio cá é terrível no inverno. As nuvens do céu viram gelo e caem como farinha branca. É o que os homens chamam neve. Tudo fica gelado.

— E os meninos também gelam?

— Não. Mas para isso têm que ficar dentro das casas, vestidos de grossas roupas de lã ou de peles. E vocês, lá longe, gozando o bom sol e vendo tudo verdinho e florido!...

E desse modo a cegonha-mãe consolou-os.

Correu o tempo. Os filhos da cegonha já estavam crescidotes e já sabiam ficar de pé no ninho, para espiar em redor. Todos os dias o pai-cegonha trazia-lhes no bico rãs e outros bichinhos. Depois fazia trejeitos cômicos para diverti-los; revirava a cabeça até encostar na cauda, estalava o bico como se estivesse tocando castanholas e também contava casos engraçados.

Afinal chegou a época de deixar o ninho, e os quatro filhotes saíram a passeio pelo telhado, muito sem jeito e cambaleantes; ao tentarem voar quase caíram no chão.

— Muito atentos agora, disse a cegonha-mãe. Vejam como eu faço. O pescoço deve conservar-se bem esticado, assim. E o pé nesta posição — primeiro o esquerdo; depois o direito. Vamos ver.

E isto dizendo ela alçou o vôo. Entusiasmados, os filhotes tentaram fazer o mesmo — mas foi uma série de tombos, um atrás do outro.

— Não quero mais aprender a voar, disse um deles voltando ao ninho. Prefiro continuar aqui em vez de voar para o tal país quente.

— Quer então morrer entanguido no inverno ou ser assado no espeto pelos meninos?

— Não! Não! gritou o filhote assustado e veio de novo para o exercício.

No terceiro dia já sabiam voar um pouquinho; um deles experimentou pairar no espaço sem bater as asas e o resultado foi um boléu. Felizmente bateu as asas a tempo e evitou de chegar ao chão, onde os meninos, numa gritaria, o estavam esperando.

— Não acha bom darmos umas bicadas nesses meninos? perguntou outro.

— Não, já disse que só façam o que eu mandar. Temos agora de voar em redor da chaminé, da direita para a esquerda e depois da esquerda para direita. Vamos! Um, dois e três!... Bravos! Muito bem! creio que amanhã já poderão acompanhar-me ao brejo das rãs. Quero que se comportem muito direitinhos, para serem admirados, e que andem com imponência, para se tornarem respeitados.

— Mas então iremos daqui sem nos vingarmos desses meninos maus?

— O frio vingará vocês. Enquanto estiverem bem quentes lá no Egito, eles aqui vão tiritar de frio.

— Isso não basta, disse o mais valente dos quatro. Queremos tomar a nossa vingança — e todos concordaram.

O menino mais assanhado em judiar das cegonhas era um de seis anos apenas, um pirralho, mas que parecia enorme para as cegonhinhas.

E as cegonhinhas resolveram que ele pagaria por todos. E tanto amolaram a mãe-cegonha com essa história de vingança, que tempos mais tarde ela lhes deu a licença pedida — mas com uma condição.

— Primeiro quero ver como vocês se comportam no ensaio geral antes da partida para o Egito. Se se comportarem mal, o chefe os atravessará com o bico e ficarei sabendo que os meninos têm razão. Por isso quero que esperem o ensaio. Depois, se tudo correr bem, darei licença de se vingarem dos meninos.

Com medo das bicadas do chefe, as cegonhinhas aplicaram-se aos exercícios com todo o afinco e acabaram por voar tão bem como os pais. Nisto chegou o outono, e os quatro irmãos foram mandados voar sobre florestas e cidades a fim de demonstrarem o seu grau de adiantamento. Foram aprovados com distinção e receberam como prêmio uma rã e uma cobra, petiscos que muito apreciavam.

— Ora graças que chegou o momento da nossa vingança! disseram eles ao chegar.

— Isso mesmo, concordou a cegonha-mãe, e tenho cá um plano excelente. Sei onde fica a floresta na qual as cegonhas vão buscar os bebês que distribuem pela cidade. Porque somos nós que fornecemos os bebês a este povo. Ora, os pais querem sempre bebês bem bonitinhos e nós podemos trazer dos mais lindos para as casas dos meninos que não caçoaram de nós e não nos ameaçaram.

— E para os que nos ameaçaram? Para aquele que queria nos assar ao espeto?

— Para a casa desse levaremos um dos bebês mortos que existem na floresta — e ele terá de chorar quando souber que perdeu um irmãozinho. Será um bom castigo.

— E para o menino bom, que nos defendeu, o Peter?

— Para esse levaremos um casal de lindos bebês, um irmãozinho e uma irmãzinha. E em homenagem a ele vocês, cegonhinhas, ficarão com esse nome — Peter.

E foi assim que apareceram na Dinamarca as cegonhas de nome Peter.


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Pesquisa, transcrição e adequação ortográfica: Iba Mendes (2025)

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