3/18/2025

O pequeno patriota ("Histórias da Baratinha"), por Figueiredo Pimentel



O PEQUENO PATRIOTA

Um paquete francês fazia viagem, de Barcelona, cidade espanhola, para Gênova, na Itália. Vinham à bordo passageiros franceses, espanhóis, suíços e italianos. Entre eles notava-se um rapazinho de onze anos, mal vestido, sozinho, sempre afastado dos outros, como se fosse um animal selvagem olhando para todos com ar sombrio.

Tinha razão, de certo, para conservar aquela fisionomia carrancuda. Havia dois anos que o pai e a mãe, camponeses dos arredores de Pádua, o tinham vendido ao diretor de uma companhia, de cavalinhos.

Esse diretor, malvado e explorador, depois de lhe haver ensinado ginástica, à custa de muita pancada, socos e pontapés, levara-o a percorrer a França e a Espanha exibindo-o nos circos.

Chegando à Barcelona, e não podendo mais aguentar a fome e os maus tratos, reduzido à miséria o pequeno Giovani tomou a resolução de fugir.

Foi pedir a proteção do cônsul italiano, que, comovido, o fez embarcar no vapor, dando-lhe uma carta para as autoridades policiais de Gênova, a fim de que o enviassem à sua família — sua família que o vendera como um escravo ou um bicho.

O pobre rapaz estava esfarrapado e doente. Deram-lhe um "beliche" de segunda classe. A bordo todos o encaravam e alguns passageiros mesmo faziam-lhe perguntas. Ele, porém, não lhes dava resposta e parecia desprezar e odiar toda a gente, tanto as privações e a fadiga o tinham aborrecido e exasperado.

Três viajantes insistiram de tal forma com indagações, que chegaram a fazê-lo falar. Giovani narrou a sua história ràpidamente, numa mistura de veneziano, espanhol e italiano.

Esses passageiros, embora não fossem da Itália, conseguiram compreendê-lo. Movidos talvez por compaixão, ou talvez um pouco embriagados deram-lhe alguns vinténs, gracejando e incitando-o a que contasse mais alguma coisa. Nessa ocasião, entrando algumas senhoras, os três, para se mostrarem, deram-lhe ainda novas moedas, gritando:

— "Toma lá, apanha! Mais esta!"

E lançavam-lhe cobre, níquel, prata, que caíam tinindo sobre a mesa.

Giovani guardou o dinheiro no bolso, resmungando palavras de agradecimento com os seus modos grosseiros, mas já agora com o olhar jovial e meigo.

E começou a pensar. Com aquele dinheiro compraria ali mesmo a bordo do navio alguma coisa boa para comer; logo que desembarcasse em Gênova, procuraria uma jaqueta. Havia dois anos que não comia qualquer gulodice, nem possuía uma roupa decente!

Poderia ainda, ao ir para casa, fazer com que os pais o recebessem mais humanamente e mais carinhosamente, vendo que ele não regressava com as mãos abanando.

Aquele dinheiro representava para ele uma pequena fortuna.

Estava assim a cismar consolado com tudo isso, por detrás da cortina do beliche.

Na sala de jantar, sentados em torno da mesa, os três viajantes conversavam, bebendo e fumando.

Falavam de viagens, discorrendo sobre as terras que tinham visitado.

De conversa em conversa, referiram-se à Itália.

E logo um começou a queixar-se dos hotéis, outro das estradas de ferro e todos juntos, animando-se, principiaram a dizer mal de tudo. Um asseverava que preferia viajar no deserto; outro garantia que na Itália só havia tratantes; o último, que os empregados nem sabiam ler.

  "Um povo ignorante", disse o primeiro.

 "E lad..." exclamou o último.

Mas nem pôde terminar. Uma chuva de moedas bateu-lhe sobre a cabeça, caindo, rolando, espalhando-se pelo chão.

O marquês de Santos soube de tudo.

A princípio zangou-se; afinal sereno, e, quase comovido, mandou à viúva uma nota de cem cruzeiros, cinquenta por ele e cinquenta pela filha.

— "Mas, ouve bem, menina. Nunca mais saias de casa sem licença de teu pai!"


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Pesquisa, transcrição e adequação ortográfica: Iba Mendes (2025)

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