Inácio Raimundo era um pobre
pescador que tinha quatro filhos.
A mulher morrera-lhe havia pouco
tempo, de modo que o infeliz pai não tinha quem o ajudasse nas canseiras da
vida.
Trabalhava muito para sustentar os
pequerruchos, e não havia dia em que não pescasse, qualquer que fosse o tempo e
o mar.
Um dia, em que havia ido à pesca,
como de costume, desencadeou-se repentinamente medonha tempestade, revoltas as
águas, ameaçando tragar a sua canoinha.
Já lutava havia muito tempo com a
fúria do oceano, quando, de súbito, uma onda maior virou a embarcação.
Sentindo-se prestes a morrer,
Raimundo bradou:
— "Valha-me São Pedro, pai dos
pescadores, que já não posso mais. E se não me puder valer, socorra meus
inocentes filhinhos!..."
Extenuado, sem forças, já não mais
podendo nadar, o pobre pescador afundou-se e morreu.
São Pedro não foi surdo à súplica
do infeliz homem do mar.
Nesse mesmo dia apareceu um
lugarejo, tomando a figura de um velho, e recolheu as quatro criancinhas.
Saindo dali dirigiu-se ao lavrador
mais abastado daquelas redondezas e pediu-lhe que tomasse conta dos desgraçados
órfãos.
O lavrador, em extremo sovina e
avarento negou-se a fazer tal obra de caridade, fingindo pobreza, e alegando
ter muitas despesas.
São Pedro, antes de ser retirar,
falou-lhe:
— "Pense bem no caso. Não se
decida por hoje. Amanhã voltarei para saber a sua resposta definitiva. Até
então, Deus cuidará destes inocentes. Mas deixe-me fazer-lhe uma profecia:
"A primeira coisa que fizer amanhã, quando se levantar da cama, fará todo
o dia".
Continuando o caminho em companhia
dos infelizes meninos, São Pedro passou perto de uma lavadeira, que ensaboava
roupa à beira do rio.
Sentindo passos, a boa mulher
voltou a cabeça, e exclamou:
— "Ah! que lindas crianças!
Porque estão elas vestidas de luto?"
— "É que lhes morreu o
pai", respondeu São Pedro.
— "E a mãe?"
— "Essa faleceu há mais
tempo".
— "Coitados!" suspirou a
generosa criatura, levantando-se. "Eu sou muito pobre e viúva; a lavagem
de roupa mal chega para sustentar três filhinhos pequenos. Em todo o caso, se o
senhor não tiver a quem confiar estes quatro anjinhos, eu me encarregarei deles".
E começou a beijar os pequerruchos,
que também lhe faziam festa.
— "Querem ir para minha
casa?" perguntou.
— "Queremos", respondeu o
mais velho.
— "Vejo que tem excelente
coração", interrompeu São Pedro, e "Deus nunca desampara os
bons". Tome, pois conta destes pobres meninos; e lembre-se boa mulher
"que a primeira coisa que fizer amanhã, quando se levantar da cama, fará
todo o dia".
O lavrador reparara que na ocasião
do velho se ir embora com as quatro crianças, lhe pairava grande resplendor de
ouro.
Aquilo deu-lhe que pensar até que,
por fim, começou a crer que o homem podia ser algum santo disfarçado.
À noite não pôde conciliar o sono,
virando-se e revirando-se na cama.
— "Se é na verdade um
santo", pensou ele" "pode muito bem sair certo o que me disse...
Que demônio hei de fazer quando me levantar?"
E assim passou toda a noite, até
que se ergueu ao romper da aurora.
— "Chegou a ocasião de ter
muito juízo", disse ele. "O que eu fizer agora repetir-se-á durante
todo o dia. É necessário aproveitar. Eu sou rico, mas a riqueza nunca é
demais... Eu podia ir trabalhar... passear... contar o meu dinheiro..."
E nestas indecisões, começou a
coçar brandamente a cabeça.
Depois, quis retirar, a mão, mas
não pôde: os dedos continuaram a arranhar a cabeça, e cada vez mais depressa...
As unhas foram-se-lhe enterrando no crânio. Por fim, correu o sangue e abrindo-lhe
o crânio, apareceram os miolos.
Assim o desventurado passou o dia
inteiro. A noite quando o santo voltou a procurar o lavrador, só encontrou um
cadáver.
* * *
Com a lavadeira o caso foi outro.
A caridosa mulher levou os órfãos
para sua casinha, deu-lhes de comer, fez-lhe muitas festas para os distrair das
saudades que tinham do pai e à noite, deitou-os juntamente com os seus
filhinhos".
Dormiu sossegadamente, sem mais se
lembrar da profecia do santo.
Quando amanheceu, levantou-se. O
seu primeiro cuidado foi ir ver se os orfãozinhos estavam sossegados.
Ao vê-los aconchegados uns aos
outros, dormindo serenos, com um meigo sorriso nos lábios, a virtuosa lavadeira
principiou a chorar de alegria. A primeira lágrima que lhe rolou pelas faces,
caiu ao chão e fez barulho.
Abaixando-se para ver o que era,
deu um grito de espanto.
A lágrima transformou-se numa
pérola.
E quando mais chorava mais caíam
pérolas, brilhantes, rubis e esmeraldas, todas as pedras preciosas.
— "Louvado seja Deus!"
disse ela ajoelhando-se. "Agora sou rica, posso sustentar meus filhos e os
orfãozinhos que o céu me enviou!..."
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Pesquisa, transcrição e adequação ortográfica: Iba Mendes (2025)
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