3/18/2025

Os filhos do pescador ("Histórias da Baratinha"), por Figueiredo Pimentel


OS FILHOS DO PESCADOR

Inácio Raimundo era um pobre pescador que tinha quatro filhos.

A mulher morrera-lhe havia pouco tempo, de modo que o infeliz pai não tinha quem o ajudasse nas canseiras da vida.

Trabalhava muito para sustentar os pequerruchos, e não havia dia em que não pescasse, qualquer que fosse o tempo e o mar.

Um dia, em que havia ido à pesca, como de costume, desencadeou-se repentinamente medonha tempestade, revoltas as águas, ameaçando tragar a sua canoinha.

Já lutava havia muito tempo com a fúria do oceano, quando, de súbito, uma onda maior virou a embarcação.

Sentindo-se prestes a morrer, Raimundo bradou:

— "Valha-me São Pedro, pai dos pescadores, que já não posso mais. E se não me puder valer, socorra meus inocentes filhinhos!..."

Extenuado, sem forças, já não mais podendo nadar, o pobre pescador afundou-se e morreu.

São Pedro não foi surdo à súplica do infeliz homem do mar.

Nesse mesmo dia apareceu um lugarejo, tomando a figura de um velho, e recolheu as quatro criancinhas.

Saindo dali dirigiu-se ao lavrador mais abastado daquelas redondezas e pediu-lhe que tomasse conta dos desgraçados órfãos.

O lavrador, em extremo sovina e avarento negou-se a fazer tal obra de caridade, fingindo pobreza, e alegando ter muitas despesas.

São Pedro, antes de ser retirar, falou-lhe:

— "Pense bem no caso. Não se decida por hoje. Amanhã voltarei para saber a sua resposta definitiva. Até então, Deus cuidará destes inocentes. Mas deixe-me fazer-lhe uma profecia: "A primeira coisa que fizer amanhã, quando se levantar da cama, fará todo o dia".

Continuando o caminho em companhia dos infelizes meninos, São Pedro passou perto de uma lavadeira, que ensaboava roupa à beira do rio.

Sentindo passos, a boa mulher voltou a cabeça, e exclamou:

— "Ah! que lindas crianças! Porque estão elas vestidas de luto?"

— "É que lhes morreu o pai", respondeu São Pedro.

— "E a mãe?"

— "Essa faleceu há mais tempo".

— "Coitados!" suspirou a generosa criatura, levantando-se. "Eu sou muito pobre e viúva; a lavagem de roupa mal chega para sustentar três filhinhos pequenos. Em todo o caso, se o senhor não tiver a quem confiar estes quatro anjinhos, eu me encarregarei deles".

E começou a beijar os pequerruchos, que também lhe faziam festa.

— "Querem ir para minha casa?" perguntou.

— "Queremos", respondeu o mais velho.

— "Vejo que tem excelente coração", interrompeu São Pedro, e "Deus nunca desampara os bons". Tome, pois conta destes pobres meninos; e lembre-se boa mulher "que a primeira coisa que fizer amanhã, quando se levantar da cama, fará todo o dia".

O lavrador reparara que na ocasião do velho se ir embora com as quatro crianças, lhe pairava grande resplendor de ouro.

Aquilo deu-lhe que pensar até que, por fim, começou a crer que o homem podia ser algum santo disfarçado.

À noite não pôde conciliar o sono, virando-se e revirando-se na cama.

— "Se é na verdade um santo", pensou ele" "pode muito bem sair certo o que me disse... Que demônio hei de fazer quando me levantar?"

E assim passou toda a noite, até que se ergueu ao romper da aurora.

— "Chegou a ocasião de ter muito juízo", disse ele. "O que eu fizer agora repetir-se-á durante todo o dia. É necessário aproveitar. Eu sou rico, mas a riqueza nunca é demais... Eu podia ir trabalhar... passear... contar o meu dinheiro..."

E nestas indecisões, começou a coçar brandamente a cabeça.

Depois, quis retirar, a mão, mas não pôde: os dedos continuaram a arranhar a cabeça, e cada vez mais depressa... As unhas foram-se-lhe enterrando no crânio. Por fim, correu o sangue e abrindo-lhe o crânio, apareceram os miolos.

Assim o desventurado passou o dia inteiro. A noite quando o santo voltou a procurar o lavrador, só encontrou um cadáver.

* * *

Com a lavadeira o caso foi outro.

A caridosa mulher levou os órfãos para sua casinha, deu-lhes de comer, fez-lhe muitas festas para os distrair das saudades que tinham do pai e à noite, deitou-os juntamente com os seus filhinhos".

Dormiu sossegadamente, sem mais se lembrar da profecia do santo.

Quando amanheceu, levantou-se. O seu primeiro cuidado foi ir ver se os orfãozinhos estavam sossegados.

Ao vê-los aconchegados uns aos outros, dormindo serenos, com um meigo sorriso nos lábios, a virtuosa lavadeira principiou a chorar de alegria. A primeira lágrima que lhe rolou pelas faces, caiu ao chão e fez barulho.

Abaixando-se para ver o que era, deu um grito de espanto.

A lágrima transformou-se numa pérola.

E quando mais chorava mais caíam pérolas, brilhantes, rubis e esmeraldas, todas as pedras preciosas.

— "Louvado seja Deus!" disse ela ajoelhando-se. "Agora sou rica, posso sustentar meus filhos e os orfãozinhos que o céu me enviou!..."


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Pesquisa, transcrição e adequação ortográfica: Iba Mendes (2025)

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