3/16/2025

O Gênio Misterioso ("Histórias da Baratinha"), por Figueiredo Pimentel


O GÊNIO MISTERIOSO

Certo mercador de Bassora no reino da Pérsia, depois de gozar de grande fortuna, arruinou-se, e, vendo-se na miséria, foi residir em uma chácara longe da cidade.

Adoecendo, ao sentir-se às portas da morte, chamou seus quatro filhos e lhes disse:

— "Nada mais possuo senão esta casa, que vos deixo por herança. Quero, porém, confiar-vos um segredo importante que vos dará felicidade. No tempo de minha opulência tive por amigo um gênio, chamado Alzim, que me prometeu proteger-vos. Ide procurá-lo, mas tomai bem sentido em não acreditar no...”

Não pôde acabar. A morte surpreendeu-o no meio da confidência, e ele expirou sem poder acrescentar palavra.

Os filhos, logo no dia seguinte, foram procurar Alzim, que morava numa floresta, perto.

O gênio era bem conhecido. Socorria os pobres, recebia com bondade todos que o procuravam, e sua bolsa estava sempre aberta. Entretanto, tinha uma mania esquisitamente original; a ninguém favorecia senão depois de haver feito essa pessoa jurar que seguiria cegamente o conselho.

Os três filhos mais velhos do mercador não se importaram com aquela singular extravagância. O mais jovem, porém, que tinha por nome Ali, achou o caso por demais curioso.

Como lhe era necessário jurar primeiro, antes de ser admitido à presença de Alzira, e não querendo se comprometer, tapou os ouvidos com cera, de modo a ficar absolutamente surdo, e dirigiu-se com seus irmãos para a palácio do gênio.

Este reconheceu logo os quatro moços; e, acolhendo-os com demonstrações de afeto, distribuiu-lhe grandes riquezas, enquanto ia conversando amavelmente.

Ali não ouvia nada do que ele dizia, mas, reparando bem, notava-lhe na fisionomia, sobretudo nos olhos e no sorriso, certo ar de malícia e de ironia, que o fazia desconfiar.

Terminando a distribuição das riquezas aos quatro irmãos, assim lhes falou:

— "A felicidade de cada um de vós depende somente de encontrar um homem, chamado Bathmendi, de quem toda a gente fala mas que raríssimos conhecem. Procurai-o; eu vou dizer a cada um em particular onde poderá ele ser encontrado".

Chamando de parte Beymi, que era o mais velho, disse-lhe baixinho ao ouvido:

— "Vai à capital do reino: alista-te no Exército; toma parte na guerra; aí acharás Bathmendi".

A Bekyr, o segundo dos rapazes, segredou o gênio:

— "Tens talento e és vivo. Faze-te poeta: escreve para o público: torna-te conhecido, que fácil-mente saberás quem é Bathmendi".

Alzim, chamando o terceiro moço, que era Mohamed, aconselhou:

— "Vai a corte do rei; mete-te com os fidalgos e os grandes senhores, que, entre eles, Bathmendi te aparecerá".

Chegou finalmente a vez de Ali. O gênio misterioso levou-o para um canto, e falou durante algum tempo. Ali, com os ouvidos tapados, nada escutou do que lhe foi aconselhado.

Chegando a casa, os três irmãos trataram imediatamente de partir, cada um para seu destino, a procura de Bathmendi, que lhes devia dar a ventura.

Mas prudente, Ali resolveu ficar. Comprou aos irmãos a parte da habitação paterna, que lhes to, cara, por herança, e aí estabeleceu-se.

Bekir, Beymi e Mohamed partiram na madrugada seguinte.

 

II - HISTÓRIA DO ALI

Ficando na casinha onde seu pai morrera, Ali começou a realizar um plano que tinha concebido.

Com o dinheiro que lhe dera o gênio, Alzim comprou algumas terras que confinavam com o da chácara; adquiriu instrumentos de lavoura; admitiu jornaleiros, obteve bois vacas, porcos, carneiros e aves domésticas, e constituiu, assim, uma pequena lavoura.

Apaixonado desde muito pela jovem Magdá, filha de um lavrador seu vizinho, pediu-a, e poucos meses depois casava-se.

Desde então, ele, sua família, rebanhos, plantações, todos os seus bens, começaram a prosperar cada vez mais.

Magdá dava-lhe um filho por ano — crianças fortes robustas, alegres, que enchiam de satisfação a sua existência, e lhe animavam o lar.

Prosperando sempre, em pouco tornou-se um dos fazendeiros mais ricos do lugar ; estimado por toda a gente, louvado pelos pobres, de quem era protetor e arrimo.


III - PROESAS DE BEYMI

Enquanto Mi vivia serenamente a existência calma e venturosa de chefe de família honesto e exemplar, seu irmão Beymi alistava-se nas fileiras do Exército persa.

Como soldado operou prodígios de valor.

A Pérsia estava em guerra com a Turquia.

Desde o primeiro combate, Beymi mostrou-se militar disciplinado e corajoso, valente até a temeridade, afrontando sem melo as armas inimigas.

Os seus brilhantes feitos, foram notados pelos chefes, e seguiram-se promoções sobre promoções, até que conquistou o Visto de general.

Em um dos combates em que tomou parte, com tal denodo se houve, tantas bravuras fez, que aprisionou o comandante em chefe do Exército contrário.

A sua fama voou, então, de boca em boca, aclamado por todo o reino, festejado, adulado, cheio de importância e de poder.

Beymi agradecia Intimamente o bom conselho do gênio Alzira, que o fizera partir e assentar praça. Vendo-se naquela posição, no pináculo da glória militar, não duvidou poder encontrar Bathmendi, a misteriosa, personagem em que lhe devia dar a felicidade absoluta.

Entretanto, a sua elevadíssima posição ia-lhe granjeando invejas e antipatias aos centos. Todos os oficiais, os velhos generais, a quem havia preterido, murmuravam surdamente. Inventavam nele mil defeitos, caluniavam-no, deprimiam-no sempre que podiam...

O ódio foi tanto, tamanha foi a inveja que os maus sentimentos explodiram na primeira batalha.

No meio da peleja, quando mais encarniçada era a luta, no momento decisivo da vitória, viu-se só: as suas ordens não eram obedecidas; as tropas recuavam; debandavam os soldados deixando-o no centro das falanges inimigas.

Perdeu a batalha, e ficou prisioneiro, sendo levado a ferros para uma fortaleza úmida e doentia, sem nenhuma atenção pelas suas estrelas de general.

Quinze anos, quinze longos anos de cativeiro, passou Beymi encarcerado, sofrendo horrores e suplícios.

Ao cabo desse tempo, concluída a paz, foi posto em liberdade.

Dirigindo-se para falar ao rei, trataram-no como impostor, não querendo reconhecê-lo.

E ele, outrora tão aclamado, tão festejado, rico, feliz, importante, sentiu-se abandonado, sendo-lhe até necessário mendigar de porta em porta para não morrer de fome.


IV - AVENTURAS DE BEKIR

Talentoso e bem apessoado, Bekir obedeceu com prazer aos conselhos de Alzim.

Saindo do lar paterno, procurou a alta sociedade, conviveu com fidalgos, e fêz-se poeta.

As suas primeiras composições foram imensamente aplaudidas, e, em breve tempo, tornou-se popular. Os versos que compunha eram lidos e decorados, para depois serem recitados.

Apareceram inúmeros editores, que compravam a peso de ouro todos os trabalhos da sua pena; e as obras por ele assinadas vendiam-se por milheiros milheiros de exemplares.

A sua nomeada chegou até o palácio real. O rei quis conhecê-lo, e a rainha nomeou-o seu poeta favorito.

Bekir vivia no paço, sem ocupação, entretido apenas em rimar versos, mas sempre endinheirado, vestido à última moda.

Uma vez, tendo a rainha brigado com o primeiro conselheiro da coroa, escreveu ele contra o válido uma sátira tremenda, em que o ridicularizava.

Não houve quem não a lesse e cantasse pelas ruas.

Entretanto, o conselheiro dispunha de grande influência, e começando a fazer oposições, o rei chamou-o novamente, cumulou-o de honras, e fez-lhe todas as concessões.

Extremamente ferido no seu orgulho, o conselheiro pediu a deportação do insolente poeta, e Bekir, de um momento para outro, viu-se desprezado.

Todos aqueles que ainda na véspera o aclamavam, como o primeiro e mais ilustre literato, começaram a criticar as suas obras, nelas descobrindo defeitos sem conta.

Deportado, sem recursos, tendo ordem de nunca mais aparecer na corte, Bekir resolveu voltar para sua terra.


V - O INTRIGANTE

Brilhante foi a posição social que Mohamed conquistou.

Encaminhando-se para a cidade principal de uma das províncias persas, entabulou relações com os criados do vizir governador.

Por meio de intrigas habilmente urdidas, adulando a todos que via em boa posição, praticando vilanias, foi subindo pouco a pouco.

De simples criado, passou a secretário do vizir, confidente particular, e homem de confiança.

Anos e anos decorreram. Sucediam-se os governadores da província, e o intrigante Molhamed sempre achava meios de conservar a sua posição, insinuando-se habilmente no espírito dos vizires.

Aproveitando a sua influência, não perdia ensejo de procurar saber de Bathmendi, mas não encontrava o menor indício sequer.

Não se achando ainda satisfeito com as honras que soubera apanhar, Mohamed ambicionou ser vizir por sua vez.

Escreveu cartas anônimas ao rei e aos conselheiros, caluniou o velho e honrado governador a quem servia, e procurou comprometê-lo, abusando da confiança que nele depositava.

Descoberta em tempo a sua miserável maquinação, o vizir expulsou-o, não o prendendo, nem mandando matá-lo, por piedade.

Corrido por todos, repelido de todas as partes, Mohamed lembrou-se de sua terra natal.


VI - OS TRES IRMÃOS

No bosque onde outrora se erguera o deslumbrante palácio de Alzim, o gênio misterioso, três viajantes encontraram-se uma tarde.

Eram três velhos mendigos, de longas barbas brancas, trajando sórdidos andrajos, que mal os resguardavam do frio. Pareciam doentes, tão magros, tão macilentos, abatidos e fracos estavam ele!

Vendo que buscavam a mesma coisa naquele sítio estranho, e ermo, sentindo-se miseráveis e desgraçados, entabularam conversa.

Deram-se a conhecer, ao fim de alguns minutos. Eram os três irmãos, Beymi, Bekir, e Mahamed.

Todos três voltaram à terra natal, mas quiseram antes de tudo, procurar Alzim, que os enganara, fazendo-os acreditar na existência de Bathmendi legendária personagem, de cuja existência nenhuma das pessoas com quem haviam lidado, jamais ouvira falar sequer.

Depois de muito tempo de conversa, tendo-se narrado mutuamente as suas aventuras e infelicidades, os três irmãos resolveram ir procurar o mais moço.


VII - O GENIO DO MAL

Já havia anoitecido, quando Beymi, Bekir e Mohamed chegaram à casa de Ali.

Não a reconheceram.

Em lugar da velha casinha de seu pai, erguia-se um soberbo palacete.

Em torno, as terras estavam cultivadas, e árvores e plantações mostravam-se de todos os lados. O gado mugia nos currais. Reinava uma paz serena e tranquila.

Os três mendigos chegaram até à casa. Aí, através das janelas do pavimento térreo, viram um quadro delicioso, que os comoveu.

Ali, já com perto de cinqüenta anos, gordo bem nutrido, lia os "Contos da Carochinha", em voz alta, para os seus filhinhos ouvirem, sentado à cabaceira da mesa de jantar.

Em volta, dezesseis filhos escutavam-no atentos, alguns crescidos, rapazes e raparigas, outros menores, e um pequerrucho a mamar.

Magdá, alegre e radiante, enquanto acalentava o filhinho, sorria.

Sentia-se ali a alegria, a paz, a virtude. Bateram palmas.

O dono da casa foi ver quem era, e atirou-se nos braços dos três velhos mendigos.

Foi só então que Beymi, Bekir e Mohamed viram ao lado de Ali, sua esposa e filhos, figura, que logo reconheceram, embora jamais a tivessem visto.

Era Bathmendi o gênio do lar, a Felicidade.


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Pesquisa, transcrição e adequação ortográfica: Iba Mendes (2025) 

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