Certo mercador de Bassora no reino
da Pérsia, depois de gozar de grande fortuna, arruinou-se, e, vendo-se na
miséria, foi residir em uma chácara longe da cidade.
Adoecendo, ao sentir-se às portas
da morte, chamou seus quatro filhos e lhes disse:
— "Nada mais possuo senão esta
casa, que vos deixo por herança. Quero, porém, confiar-vos um segredo
importante que vos dará felicidade. No tempo de minha opulência tive por amigo
um gênio, chamado Alzim, que me prometeu proteger-vos. Ide procurá-lo, mas
tomai bem sentido em não acreditar no...”
Não pôde acabar. A morte surpreendeu-o
no meio da confidência, e ele expirou sem poder acrescentar palavra.
Os filhos, logo no dia seguinte,
foram procurar Alzim, que morava numa floresta, perto.
O gênio era bem conhecido. Socorria
os pobres, recebia com bondade todos que o procuravam, e sua bolsa estava
sempre aberta. Entretanto, tinha uma mania esquisitamente original; a ninguém
favorecia senão depois de haver feito essa pessoa jurar que seguiria cegamente
o conselho.
Os três filhos mais velhos do
mercador não se importaram com aquela singular extravagância. O mais jovem,
porém, que tinha por nome Ali, achou o caso por demais curioso.
Como lhe era necessário jurar
primeiro, antes de ser admitido à presença de Alzira, e não querendo se
comprometer, tapou os ouvidos com cera, de modo a ficar absolutamente surdo, e
dirigiu-se com seus irmãos para a palácio do gênio.
Este reconheceu logo os quatro
moços; e, acolhendo-os com demonstrações de afeto, distribuiu-lhe grandes
riquezas, enquanto ia conversando amavelmente.
Ali não ouvia nada do que ele
dizia, mas, reparando bem, notava-lhe na fisionomia, sobretudo nos olhos e no
sorriso, certo ar de malícia e de ironia, que o fazia desconfiar.
Terminando a distribuição das
riquezas aos quatro irmãos, assim lhes falou:
— "A felicidade de cada um de
vós depende somente de encontrar um homem, chamado Bathmendi, de quem toda a
gente fala mas que raríssimos conhecem. Procurai-o; eu vou dizer a cada um em
particular onde poderá ele ser encontrado".
Chamando de parte Beymi, que era o
mais velho, disse-lhe baixinho ao ouvido:
— "Vai à capital do reino:
alista-te no Exército; toma parte na guerra; aí acharás Bathmendi".
A Bekyr, o segundo dos rapazes,
segredou o gênio:
— "Tens talento e és vivo.
Faze-te poeta: escreve para o público: torna-te conhecido, que fácil-mente
saberás quem é Bathmendi".
Alzim, chamando o terceiro moço,
que era Mohamed, aconselhou:
— "Vai a corte do rei; mete-te
com os fidalgos e os grandes senhores, que, entre eles, Bathmendi te
aparecerá".
Chegou finalmente a vez de Ali. O
gênio misterioso levou-o para um canto, e falou durante algum tempo. Ali, com
os ouvidos tapados, nada escutou do que lhe foi aconselhado.
Chegando a casa, os três irmãos
trataram imediatamente de partir, cada um para seu destino, a procura de
Bathmendi, que lhes devia dar a ventura.
Mas prudente, Ali resolveu ficar.
Comprou aos irmãos a parte da habitação paterna, que lhes to, cara, por
herança, e aí estabeleceu-se.
Bekir, Beymi e Mohamed partiram na
madrugada seguinte.
II - HISTÓRIA DO ALI
Ficando na casinha onde seu pai
morrera, Ali começou a realizar um plano que tinha concebido.
Com o dinheiro que lhe dera o
gênio, Alzim comprou algumas terras que confinavam com o da chácara; adquiriu
instrumentos de lavoura; admitiu jornaleiros, obteve bois vacas, porcos,
carneiros e aves domésticas, e constituiu, assim, uma pequena lavoura.
Apaixonado desde muito pela jovem
Magdá, filha de um lavrador seu vizinho, pediu-a, e poucos meses depois
casava-se.
Desde então, ele, sua família, rebanhos,
plantações, todos os seus bens, começaram a prosperar cada vez mais.
Magdá dava-lhe um filho por ano —
crianças fortes robustas, alegres, que enchiam de satisfação a sua existência,
e lhe animavam o lar.
Prosperando sempre, em pouco
tornou-se um dos fazendeiros mais ricos do lugar ; estimado por toda a gente,
louvado pelos pobres, de quem era protetor e arrimo.
III - PROESAS DE BEYMI
Enquanto Mi vivia serenamente a
existência calma e venturosa de chefe de família honesto e exemplar, seu irmão Beymi
alistava-se nas fileiras do Exército persa.
Como soldado operou prodígios de
valor.
A Pérsia estava em guerra com a
Turquia.
Desde o primeiro combate, Beymi
mostrou-se militar disciplinado e corajoso, valente até a temeridade,
afrontando sem melo as armas inimigas.
Os seus brilhantes feitos, foram
notados pelos chefes, e seguiram-se promoções sobre promoções, até que
conquistou o Visto de general.
Em um dos combates em que tomou
parte, com tal denodo se houve, tantas bravuras fez, que aprisionou o comandante
em chefe do Exército contrário.
A sua fama voou, então, de boca em
boca, aclamado por todo o reino, festejado, adulado, cheio de importância e de
poder.
Beymi agradecia Intimamente o bom
conselho do gênio Alzira, que o fizera partir e assentar praça. Vendo-se
naquela posição, no pináculo da glória militar, não duvidou poder encontrar
Bathmendi, a misteriosa, personagem em que lhe devia dar a felicidade absoluta.
Entretanto, a sua elevadíssima
posição ia-lhe granjeando invejas e antipatias aos centos. Todos os oficiais,
os velhos generais, a quem havia preterido, murmuravam surdamente. Inventavam nele
mil defeitos, caluniavam-no, deprimiam-no sempre que podiam...
O ódio foi tanto, tamanha foi a
inveja que os maus sentimentos explodiram na primeira batalha.
No meio da peleja, quando mais
encarniçada era a luta, no momento decisivo da vitória, viu-se só: as suas
ordens não eram obedecidas; as tropas recuavam; debandavam os soldados
deixando-o no centro das falanges inimigas.
Perdeu a batalha, e ficou
prisioneiro, sendo levado a ferros para uma fortaleza úmida e doentia, sem
nenhuma atenção pelas suas estrelas de general.
Quinze anos, quinze longos anos de
cativeiro, passou Beymi encarcerado, sofrendo horrores e suplícios.
Ao cabo desse tempo, concluída a
paz, foi posto em liberdade.
Dirigindo-se para falar ao rei,
trataram-no como impostor, não querendo reconhecê-lo.
E ele, outrora tão aclamado, tão
festejado, rico, feliz, importante, sentiu-se abandonado, sendo-lhe até
necessário mendigar de porta em porta para não morrer de fome.
IV - AVENTURAS DE BEKIR
Talentoso e bem apessoado, Bekir
obedeceu com prazer aos conselhos de Alzim.
Saindo do lar paterno, procurou a
alta sociedade, conviveu com fidalgos, e fêz-se poeta.
As suas primeiras composições foram
imensamente aplaudidas, e, em breve tempo, tornou-se popular. Os versos que
compunha eram lidos e decorados, para depois serem recitados.
Apareceram inúmeros editores, que
compravam a peso de ouro todos os trabalhos da sua pena; e as obras por ele
assinadas vendiam-se por milheiros milheiros de exemplares.
A sua nomeada chegou até o palácio
real. O rei quis conhecê-lo, e a rainha nomeou-o seu poeta favorito.
Bekir vivia no paço, sem ocupação,
entretido apenas em rimar versos, mas sempre endinheirado, vestido à última
moda.
Uma vez, tendo a rainha brigado com
o primeiro conselheiro da coroa, escreveu ele contra o válido uma sátira
tremenda, em que o ridicularizava.
Não houve quem não a lesse e
cantasse pelas ruas.
Entretanto, o conselheiro dispunha
de grande influência, e começando a fazer oposições, o rei chamou-o novamente,
cumulou-o de honras, e fez-lhe todas as concessões.
Extremamente ferido no seu orgulho,
o conselheiro pediu a deportação do insolente poeta, e Bekir, de um momento
para outro, viu-se desprezado.
Todos aqueles que ainda na véspera
o aclamavam, como o primeiro e mais ilustre literato, começaram a criticar as
suas obras, nelas descobrindo defeitos sem conta.
Deportado, sem recursos, tendo ordem
de nunca mais aparecer na corte, Bekir resolveu voltar para sua terra.
V - O INTRIGANTE
Brilhante foi a posição social que
Mohamed conquistou.
Encaminhando-se para a cidade
principal de uma das províncias persas, entabulou relações com os criados do vizir
governador.
Por meio de intrigas habilmente
urdidas, adulando a todos que via em boa posição, praticando vilanias, foi
subindo pouco a pouco.
De simples criado, passou a
secretário do vizir, confidente particular, e homem de confiança.
Anos e anos decorreram. Sucediam-se
os governadores da província, e o intrigante Molhamed sempre achava meios de
conservar a sua posição, insinuando-se habilmente no espírito dos vizires.
Aproveitando a sua influência, não
perdia ensejo de procurar saber de Bathmendi, mas não encontrava o menor
indício sequer.
Não se achando ainda satisfeito com
as honras que soubera apanhar, Mohamed ambicionou ser vizir por sua vez.
Escreveu cartas anônimas ao rei e
aos conselheiros, caluniou o velho e honrado governador a quem servia, e
procurou comprometê-lo, abusando da confiança que nele depositava.
Descoberta em tempo a sua miserável
maquinação, o vizir expulsou-o, não o prendendo, nem mandando matá-lo, por
piedade.
Corrido por todos, repelido de
todas as partes, Mohamed lembrou-se de sua terra natal.
VI - OS TRES IRMÃOS
No bosque onde outrora se erguera o
deslumbrante palácio de Alzim, o gênio misterioso, três viajantes
encontraram-se uma tarde.
Eram três velhos mendigos, de
longas barbas brancas, trajando sórdidos andrajos, que mal os resguardavam do
frio. Pareciam doentes, tão magros, tão macilentos, abatidos e fracos estavam ele!
Vendo que buscavam a mesma coisa
naquele sítio estranho, e ermo, sentindo-se miseráveis e desgraçados, entabularam
conversa.
Deram-se a conhecer, ao fim de
alguns minutos. Eram os três irmãos, Beymi, Bekir, e Mahamed.
Todos três voltaram à terra natal,
mas quiseram antes de tudo, procurar Alzim, que os enganara, fazendo-os acreditar
na existência de Bathmendi legendária personagem, de cuja existência nenhuma
das pessoas com quem haviam lidado, jamais ouvira falar sequer.
Depois de muito tempo de conversa,
tendo-se narrado mutuamente as suas aventuras e infelicidades, os três irmãos
resolveram ir procurar o mais moço.
VII - O GENIO DO MAL
Já havia anoitecido, quando Beymi,
Bekir e Mohamed chegaram à casa de Ali.
Não a reconheceram.
Em lugar da velha casinha de seu
pai, erguia-se um soberbo palacete.
Em torno, as terras estavam
cultivadas, e árvores e plantações mostravam-se de todos os lados. O gado mugia
nos currais. Reinava uma paz serena e tranquila.
Os três mendigos chegaram até à
casa. Aí, através das janelas do pavimento térreo, viram um quadro delicioso,
que os comoveu.
Ali, já com perto de cinqüenta
anos, gordo bem nutrido, lia os "Contos da Carochinha", em voz alta,
para os seus filhinhos ouvirem, sentado à cabaceira da mesa de jantar.
Em volta, dezesseis filhos
escutavam-no atentos, alguns crescidos, rapazes e raparigas, outros menores, e
um pequerrucho a mamar.
Magdá, alegre e radiante, enquanto
acalentava o filhinho, sorria.
Sentia-se ali a alegria, a paz, a
virtude. Bateram palmas.
O dono da casa foi ver quem era, e
atirou-se nos braços dos três velhos mendigos.
Foi só então que Beymi, Bekir e
Mohamed viram ao lado de Ali, sua esposa e filhos, figura, que logo
reconheceram, embora jamais a tivessem visto.
Era Bathmendi o gênio do lar, a
Felicidade.
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Pesquisa, transcrição e adequação ortográfica: Iba Mendes (2025)
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