4/20/2025

Um casamento retumbante (Conto histórico), de Paulo Setúbal


UM CASAMENTO RETUMBANTE

"O BANDO"

Nunca se vira coisa igual! O povo abria olhos tontos. De todos os becos, em chusma, corria gente num alvoroço. E toda a gente pasmava-se diante do bando. Era, realmente, um bando luzidíssimo o que lá ia, com rojão e música, pelas ruazinhas emosquitadas daquele pobre Rio de 1810. Que fausto! Os dois almotacés anunciadores do pregão vinham montados nos cavalos brancos das cavalariças do Rei. Ladeavam-nos, muito garridos, os oficiais da Câmara, com as suas capas "bandadas de seda branca" e os seus chapéus de plumas vistosas, rebrilhando de lentejoulas. Duas bandas de música. Atrás, um esquadrão de cavalaria. Vinham afinal, fechando o acompanhamento, "treze azemolas carregadas de fogo do ar".

Tudo aquilo, festivo e estrepitoso, ondeava pelo Rio afora. De quando em quando, em frente à Igreja da Lampadosa, ou rente ao chafariz do Largo do Moura, o cortejo estacava. Um criado de galão tomava das azêmolas grande um molho de rojões. Logo, no ar luminoso, estouravam, derramando-se em lágrimas, os fogos do ar. Que era aquilo? Os almotacés, alto e a bom som, apregoavam então o edital do Rei:

Desposórios do Sereníssimo Senhor D. Pedro Carlos de Bourbon e Bragança, Infante de Espanha, com a Sereníssima Senhora D. Maria Tereza de Bragança, Princesa de Portugal!

E lia o edital em que se anunciava ao povo, para o dia 13 de maio, a realização das bodas. O povo ouvia. Estrondavam palmas. A música rompia. Rojões de novo. E o bando, sob aquele zabumba, rumava para a Rua do Piolho.

 

O INFANTE

D. João VI trouxera de Portugal a família inteira. Vieram os dois filhos varões: o Príncipe D. Pedro, herdeiro do trono; e D. Miguel, filho segundo, apenas infante. Vieram também as filhas: D. Maria Tereza, Princesa da Beira, a primogênita; e as infantas: D. Maria Isabel, D. Maria Francisca, D. Isabel Maria, D. Maria de Assunção, D. Ana de Jesus Maria.

Ora, com os príncipes e as princesas, também aportara aqui um rapaz encantador, muito galhardo, vinte e dois anos, olhos romanticamente verdes: era D. Pedro Carlos de Bourbon, infante de Espanha, sobrinho de D. Carlota Joaquina. O moço irradiava simpatias vencedoras. Chocava pelo desgarre do porte atrevidamente viril. Tipo lindo. Um verdadeiro derrubador de corações!

D. João VI, contam as crônicas, teve para com este sobrinho ternuras comovidas. Amava-o como a um filho. Fê-lo Almirante General da Marinha Real Portuguesa. Cobriu-o de honras. D. Pedro Carlos, na corte do Rei, foi o mais valido dos infantes.

 

A PRINCESA

Tinha D. Maria Tereza o renome de princesa fascinante. Todos os que a viram, sem discrepar, traçaram dela um retrato galantíssimo.

Lá diz o cronista:

"D. Maria Thereza, princeza da Beira, era linda. Era mesmo lindissima. Muito elegante. O ar soberano, parecendo à primeira vista soberba! Seus olhos, quando se fixavam, eram encantadores. Tinha muito espirito. Falava corrente o francez e o hespanhol. Sustentava com graça qualquer conversação. Tinha muitas habilidades; era perfeita em obras de agulha. Chegou ao Rio de Janeiro com quinze annos já era uma beleza!".

D. Maria Tereza não foi apenas bela. Foi, acima de tudo, a filha amada, a princesa do coração de D. João VI. Foi a confidente mais íntima do pai. Conta Mello Moraes:

"D. João VI amava-a muito; amava-a com destaque. Conversava com ella as coisas mais reservadas. Discutia com ella negocios de Estado. E, muytas vezes, fazia-a sua secretaria, por ser preguiçoso em escrever".

Tal era D. Maria Tereza. Tal era a encantadora princesa que ia se casar com D. Pedro Carlos, rapaz de olhos verdes, o mais belo dos infantes de Espanha. 


A PAIXÃO

D. Maria Tereza não fora destinada para o primo. Quando viera de Portugal, toda a gente sabia, a Princesa da Beira já viera noiva. E noiva de quem? Noiva de Fernando VII, rei de Espanha!

O casamento não tivera outra razão a não ser a "razão d'Estado". Mero ajuste de gabinetes. Não entrara nele sombra de afeição.

Mas a Princesa da Beira era, mais do que princesa, profundamente mulher. Criaturazinha deliciosa, muito trêfega, tinha D. Maria Tereza um coração de fogo dentro do peito.  E o coração bateu-lhe desabalado por D. Pedro Carlos. O primo fascinara-a. Aqueles olhos verdes, aquele garbo, aquele... D. Maria Tereza não pôde recalcar a sua flama: amou-o com doidice. Amou-o largadamente, perdidamente. D. João notou aquilo. Que fazer? O Rei teve dó da filha. E condescendeu.. .

É o bisbilhoteiro das intimidades de S. Cristóvão quem nos conta:

"O casamento de D. Maria Thereza estava contractado com o tio Fernando VII. Mas depois que aqui chegou enamorou-se muito do primo, o infante de. D. Pedro Carlos, que tinha vinte e dois annos de edade. E se quizeram tanto que D. João VI, como era muito amigo da filha e do sobrinho, não se mostrava zangado pelo namoro de ambos".

D. Carlota Joaquina, ao contrário, enfurecera-se com a paixão. Aquilo era desnorteio. Era falta de juízo. A filha estava talhada para rainha: que loucura essa de casar com infante! Mas não houve razão que abalasse a princesa. O capricho de D. Maria Tereza tomou proporções assustadoras. D. João não teve por onde sair: quebrou o casamento da filha com Fernando VII e ajustou-o com D. Pedro Carlos.  Eis o caso:

"D. Carlota desesperava porque não queria o casamento. Dizia que a filha não tinha pressa e esperaria pela restauração da Hespanha, porque o dominio de Bonaparte não duraria muyto. E dizia mais que a sua filha, podendo ser rainha de Hespanha, não era para ser mulher de infante. Mas nada disso foi capaz de destruir a paixão da filha pelo primo. O pae, vendo que ambos se amavam muito, concordou no casamento. E este se realizou no dia 13 de Maio de 1810, tendo a princesa dezesete annos e o infante vinte e cinco por completar".

Assim, como se vê, a princesinha desdenhou um trono. Preferiu casar-se liricamente. Foi um dos mais típicos casamentos por paixão de que há memória na crônica dos príncipes.


13 DE MAIO

A 13 de maio, aniversário de D. João, realizaram-se as bodas. O regente, segundo o protocolo, recebeu, no beija-mão clássico, os cumprimentos da corte. Depois, com pompas desmedidas, começaram as festas dos esponsais. Conta o padre Gonçalves dos Santos na suas Memórias:

"Findo o beija-mão, armou-se ás pressas uma riquissima "teia", ligando o Paço á Capella Imperial. Era uma teia de seiscentos e cincoenta palmos de  comprido e dezeseis de largura. Nella só se divisavam sedas, galões de ouro, alcatifas da Persia. De espaço a espaço pendiam nella lampeões de vidro, que eram em numero de noventa e oito, com duas vellas de cera cada um. Na Praça, por toda a quadra, as janelas estavam  guarnecidas de cortinados de seda, e tambem as portas, o que tudo fazia muito agradavel vista, parecendo recinto um magnifico Salão. As paredes do interior do Paço estavam forradas de damasco; finos tapetes se estenderam até a porta. A Capella Real tambem estava ricamente alcatifada. Soberbos lustros de crystaes ornavam o pateo do Paço. E tanto aqui, como na Capella, viam-se muitos tocheiros com grandes tochas de cera. Levantaram-se quatro coretos: dois na porta do Paço, dois na porta da Capella. Em frente ao mar erigiu-se uma grande machina de architectura para servir á iluminação e aos fogos. Emfim tudo respirava grandeza e magnificencia, como convinha a uma Festividade Nupcial e Real, a primeira que o novo Mundo viu realizar na corte do Brasil".


O SÉQUITO

Cinco horas da tarde. As fortalezas estrondam. Repicam todos os campanários. Anda por tudo uma alacridade férvida. É a hora dos desposórios. Pela teia, magnífico, ondula o séquito real. Ei-lo, como o fixou o cronista.

"Uma banda de musicos, precedida de soldados da Guarda Real, rompia a marcha. Após ella, seguiamse os Porteiros da Canna, indo seis delles com as maças de prata ao hombro. Logo depois, mui luzidos, os Reis d'Armas, os Arautos, os Passavantes. Vinham em seguida as Pessoas de Nobreza, que não são convidadas por aviso da Secretaria d'Estado. Depois, os Moços de Camara, os Officiaes da Casa Real, o Corregedor do Crime. Seguiam-se, emfim, os Grandes do Reino, que foram convidados por aviso, e a quem o Principe Regente mandou cobrir, segundo a etiqueta. Vinha, nesse passo, todo o Corpo Diplomatico, em grande gala".


OS NOIVOS

O séquito ondeia luminosamente. Vai pela "teia" um farfalho de sedas. Chispam afogadeiras e borboletas cravejadas. Entrecruzam-se, num burburinho elegante, becas e dragonas, fardões bordeaux e casacos de riço verde.  É aí, no meio desses fulgores e louçanias, que passam os noivos. Acompanha-os luzidíssima guarda de honra. Fale o padre cronista:

"Finalmente, após tão magnifico cortejo D. João, o Principe Regente, Nosso Senhor, trazia pela mão o Serenissimo Noivo, Senhor Infante D. Pedro Carlos, acompanhado dos Senhores: D. Pedro, Principe da Beira, e D. Miguel, Infante de Portugal.

Logo após, D. Carlota Joaquina, Serenissima Senhora Princeza do Brasil, tambem trazia pela mão a Serenissima Noiva, a Senhora D. Maria Thereza. E a Noiva, pela sua formosura rara, pela riqueza dos ves-tidos, preciosidades das joias, belleza do taxa a todos. E encantava tanto que levava após si olhos e corações, tudo enlevado.

Suas Altezas tinham de um lado o Conde de Caparica, do outro, o Exmo. D. Manuel de Souza.

Sustentava a cauda a Excellentissima Camareira-mór.

Seguiam-se as Infantas; e eram ellas: D. Maria Izabel. D. Maria Francisca, D. Izabel Maria. Vinha, tambem, a Sereníssima Princeza D. Maria Francisca Benedicta, irman de D. João, Nosso Senhor, levada pelo braço do Exmo. Marquez do Lavradio. Sustentava-lhe a cauda a Excellentissima Marqueza de Luminares: ia esta senhora seguida de quatro Damas, as Excellentissima D. Maria Eugenia, da casa do Redondo, D. Maria do Resgate, da casa Valladares, D. Maria de Almeida, da casa do Lavradio, D. Barbara da Cunha, da casa do Povolide. Fechav o sequito a Guarda-Real".

Impossível maior pompa, nem mais rigorosa etiqueta, nem grandeza mais pasmosa. Aquele pobre Rio, aquela cidadezinha colonial, suja e triste, viu assombrada os desposórios estonteantes E o ato, na Capela Real, teve lustre de embasbacar. Assim:


O ATO

O cortejo magnífico alcança enfim a Capela Real. D. José Caetano, o bispo capelão, mitrado e solene, espera à porta as Pessoas Reais. D. João VI traz pela mão o infante D. Pedro Carlos; D. Carlota Joaquina traz a Princesa D. Maria Tereza. Entram. Rompe no coro a música de Marcos Portugal.

Os Regentes ajoelham-se. Toda a gente ajoelha-se. Um minuto de oração.

D. João e D. Carlota, com protocolos severíssimos, sentam-se em seguida no trono. O trono é todo de damasco e prata. É nesse instante que o senhor Bispo Capelão desce do seu sólio. O mestre de cerimônias põe-lhe a mitra à cabeça. Entrega-lhe o báculo de ouro. Serve de assistente do grande ato o Monsenhor Decano; servem de acólitos todos os monsenhores. É o momento.

D. João, erguendo-se, toma o noivo pela mão e vai apresentá-lo ao bispo. D. Carlota Joaquina, ao mesmo tempo, toma a noiva pela mão condu-la até o altar.

O senhor Bispo levanta-se. Levantam-se os monsenhores. Levanta-se a corte.

Lá diz o cronista: "Os Reaes contrahentes puzeram-se as mãos uma sobre a outra em cima da estola do Excellentissimo Bispo Capellão-Mor e pronunciaram as palavras do seu mutuo consentimento; ao depois, pondo-se os Serenissimos Desposados de joelhos, lhes deu o Excellentissimo Bispo as bençãos nupciaes em canto sollene; findas as quaes, voltaram os regentes para o throno e principiou o Te Deum.


AS FESTAS

O séquito Real tornou para o Paço. D. João e D. Carlota vinham alumiados por grandes tochas, que os Moços da Câmara soerguiam. Eram oito horas da noite. O terreiro do Paço cintilava. "Estava tão esclarecido, diz a chronica, pela profusão de luzes, que não se invejava a claridade do dia".

Foi então, após tão alta cerimônia, que D. João encaminhou os noivos aos aposentos da mãe.

D. Maria I, a Louca, recebeu-os. A rainha tinha o ar estúpido. D. João disse-lhe:

A Maria Tereza acaba de se casar com o Pedro Carlos...

E a louca:

Ahn! ahn!

Eles vieram beijar a mão de Vossa Majestade.

A louca estendeu-lhes a mão idiotamente.

Ahn!

Os noivos beijaram a mão da rainha. Iam sair. Nisto, muito séria, D. Maria I gritou para D. João:

Queres as minhas joias? É para Maria Tereza? É? Pode dá-las... Pode dá-las...

E riu-se com um riso alvar.

Os três personagens, com as suas galas, deixaram os aposentos entristecedores da louca.

Eram nove horas. Suas Altezas seguiram para o teatro. Iam assistir ao estrondoso espetáculo da noite. Prossegue o cronista:

"O theatro estava ornado com magnificencia. Achava-se alli toda a Nobreza, convidada por especial convite; e, acima de tudo, dava na vista o grande numero de Senhoras ricamente adornadas. Logo após a entrada dos Serenissimos Noivos, os comicos passaram a desempenhar um novo Drama intitulado "Triumpho da America", drama esse expressamente composto para ser representado nessa faustissima noite".


OS DIAS SEGUINTES

"Os dias seguintes (vae expondo o padre Gonçalves) segunda e terça-feira, continuaram a ser de grande gala na corte. As fortalezas e os vasos de guerra embandeiraram-se de novo. Houve salvas ao amanhecer, salvas ao meio-dia, salvas á noite. As luminarias foram geraes; os sinos repicaram sem cessar. No Paço houve, nestas duas noites, grande Serenata na Sala do Cravo, em presença do Principe, Nosso Senhor, e de toda a familia real. Concorreram a ellas toda a Fidalguia, os Ministros Extrangeiros, assim como as Pessoas de maior representação da corte, além das Damas do Paço, e muitas senhoras illustres, que para isso tiveram licença".

No dia seguinte, quarta-feira, realizou-se um beija-mão em honra dos desposados. Houve então, para o povo, grandissimas festas no Terreiro do Paço.


NO TERREIRO DO PAÇO

Construiu-se, no Terreiro, imenso bosque. Viam-se nele bizarras arquiteturas "enfeitadas de bambolins de velludo carmezim com forro de arminho", onde se destacavam em cores fortes o retrato de D. João e de D. Carlota. Rebrilhavam por toda parte dísticos em versos. Eram deste teor:

Ouves Príncipe, soando
Do teu povo as aclamações?
Elas irão redobrando
Nas futuras gerações:
Faz-se imortal quem, reinando,
Reina sobre os corações.

Aí, para júbilo do poviléu, armaram-se divertimentos mirabolantes. Todas as noites subiam ao céu fogos de artifício. Acendiam-se luminárias faustosíssimas. Exibiu-se e isto foi nota de alto destaque exibiu-se uma congada pitoresca.

Os negros dançaram diante dos regentes. A corte achou muitíssima graça "nesses africanos, enfeitados ao uso do seu paiz natal, que, ao som de seus instrumentos estrepitosos e barbaros, applaudiram, como puderam, o feliz consorcio de suas altezas".

Mas os regozijos não ficaram apenas no Paço. Todas as cidades timbraram em solenizar as bodas com pompas únicas. Mas a que mais brilhou, a que deu festas verdadeiramente memoráveis, foi, como era natural, a cidade do Rio de Janeiro.


A CIDADE DO RIO

Conta-nos o cronista:

"Querendo a cidade do Rio de Janeiro festejar os Reaes Desposorios, o illustrissimo conselheiro, Inten dente Geral da Policia, Paulo Fernandes Vianna, tomou a seu cargo a direcção e a execução de todo o festejo; e assim se construíu, debaixo de suas ordens, no campo de Sant'Anna, uma praça que levou a palma a todas quantas já se fizeram nesta cidade. Basta dizer que os camarotes occupavam dois andares e eram em numero de trezentos e quarenta e oito. O Camarim Real, com cincoenta e dois palmos de frente, era, no exterior, pintado a oleo com muito primor, e, no interior, rica mente forrado de damasco, velludo e ouro".

Marcou-se para 12 de outubro a festa da cidade. Chegou o dia.

Que dia! D. João passou no seu coche dourado, ao som das trombetas da guarda real. D. Carlota Joaquina seguia-o. Todos os principais e todas as princesas também seguiam-no com estrondo. A corte inteira correu a festa atordoante.

"As damas, pelo seu ornato e pela sua riqueza, realçavam a magnificencia do amphitheatro, e tudo fazia um espectaculo muytissimo brilhante, superior a tudo quanto se tinha visto até então".

Começaram os divertimentos. Os numeros eram bizarrissimos. Constavam eles de carros alegóricos, os mais fantasiosos, animados de danças extravagantes.

Assim, representava o primeiro carro um repuzo enorme. Este repuxo esguichava água caprichosamente por todo o lado. Vinha à frente um magote de índios, com seu cacique, todos enfeitados de plumas, dançando e pulando ao fragor de inúbias e de maracás.

O segundo carro, confeccionaram-no os "Ourives do ouro e da prata".

"Vinham nelle uns Chinas, vestidos de ricas sedas do seu paiz, uns de azul claro e outros de amarello. Estes Chinas, descendo do carro, executaram no meio da praça dansas muito engraçadas...

Os negociantes de molhados, por seu turno, ofereceram um carro "muy elegante, conduzindo uns dansarinos, que no traje imitavam os antigos portuguezes, os quaes pelo asseio e riqueza do vestuario, mereceram geraes applausos".

E lá vai o cronista: "Após delle, entrou o quarto carro, representando uma Ilha do Mar Pacifico, com dansa de Indios proprios, que os Caldeireiros, Latoeiros e Ferreiros offertáram. Entrou logo o quinto carro, fingindo um Castello, sobre o qual tremulava a Real Bandeira Portugueza: deu este Castello uma salva Real na Augusta Presença de Suas Altezas; e sahindo de dentro delle um militar executou com muita certeza varías evoluções. Este carro foi offertado por dois Officiaes de Carpinteiro, que fizeram a obra do Curro".

"Rematou esta pomposa entrada dos carros, um grande escaller, cuja maruja vinha cantando; e, havendo desembarcado, fizeram uma muy divertida dansa. Finalmente entráram pela Praça os Ciganos a cavallo, trazendo as mulheres na garupa; trajavam todos ricos vestidos agaloados de ouro e prata; e, descendo dos cavallos, formaram na frente do Camarim Real, uma dansa ao som de instrumentos, que foi grandemente applaudida pelo acerto e prímor de sua execução".


OS MACACOS

Os carros passavam. E por todo o anfiteatro, ruidosamente, espalhafatosamente, corriam mascarados. Mas os mascarados não tiveram grande êxito. O chiste da festa, o chiste de suprema graça, foram os macacos. Nem houve nada igual. Apareceram a fazer trejeitos, a pular, a guinchar, tão cômicos! Arrancavam gargalhadas de toda gente. No final dos seus saracoteios, trepando uns sobre os ombros dos outros, desenrolaram eles ao público, imprevistamente, os retratos dos dois noivos. Eis o caso:

"Entre outras muytas dansas, que se apresentaram no Curro, deu muito prazer a dos macacos, não só pelo ridiculo das suas figuras, saltos e tregeitos pantomimicos, mas tambem pelo desenvolvimento da mesma dansa, que, sendo toda ella de mimica, rematou com formarem um circulo, e sobre os hombros de quatro, se puzeram em pé outros quatro, fazendo um grupo, sobre o qual se firmou um pequeno macaco: e este então desenrolou os Retratos dos Serenissimos Consortes, e os mostrou aos Espectadores entre repetidos applausos, em que rompeu toda a nobilissima Assembléa".


AINDA FESTAS!

Mas os regozijos não pararam aí. Houve mais festas. Ainda festas! Durante quatro dias o anfiteatro retumbou com as mesmas pompas. Correu-se uma cavalhada famosíssima. Lidaram nela pimpões e galhardos, trinta e dois cavalheiros. Todos riquissimamente vestidos, "uns com bordaduras de ouro, outros com bordaduras de prata sobre as casacas, que era de fino belbutim". Depois, com o maior successo, tourearam-se vários touros "animaes muy ageis e bravos". Nelas, fez prodigios o Neto, famoso toureiro. Todos os espectadores prorrompiam em delirios quando "apparecia o Neto, muy bem montado, com o sequito dos capinhas".

Queimaram-se depois os mais fulgurantes fogos de artifício, fogos do ar, como diz o cronista.

Assim, com esses festejos desmedidos, famosos, seria enfadonho, seria não mais acabar, o relembrar aqui as pompas que, além da corte, se organizaram no Brasil inteiro. D. João, como para popularizar-se, timbrou em dar ao povo, com esbanjamento, estrondosos regozijos. Panem et circenses.


O EPÍLOGO

D. Pedro Carlos e D. Maria Tereza viveram dois anos em lua-de-mel. Foi-lhes a vida sem arrepios nem brusquezas. Nasceu-lhe um filho: D. Sebastião. D. João sonhou dar ao netinho um reino. Seria, segundo projetos abortados, o Reino da Província Cisplatina.

Ao fim, porém, de dois anos, o destino subitamente quebrou a felicidade do casal amoroso: D. Pedro Carlos foi atacado de bexigas. Não houve meio de salvá-lo. Morreu a 26 de maio de 1812.

D. Maria Tereza passou quase toda a sua viuvez na corte do Pai. Em 1817, foi pedida em casamento pelo grão duque da Toscana, Fernando, irmão do Imperador da Áustria.

"D. João VI não aprovou porque o pretendente tinha filhos do primeiro matrimonio e o rei não queria que os de sua filha fossem filhos segundos. Demais, tendo ella de ir para a Europa, podia fazer vantajoso casamento".

Conta Mello Moraes que D. Pedro não tolerava a irmã. Lá está:

"D. Maria Thereza soffreu muito do irmão D. Pedro que lhe fazia as maiores desfeitas".

Por que esse rancor à viúva de Pedro Carlos? Não se sabe. Coisas de família. E lá remata o escritor, na sua Crônica Geral, o fim de D. Maria Thereza:

"A casa real sentiu muito essa perda (a morte de D. Pedro Carlos). Mas correu o tempo... E a viuva, para matar saudades, passou-se para a fazenda do Macaco, hoje Villa Izabel, onde achou consolação e conforto à sua viuvez".

 
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Um projeto de:
Iba Mendes Editor Digital. São Paulo, 2025.

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