5/01/2025

A baba do passarinho (Conto), de Figueiredo Pimentel

A BABA DO PASSARINHO

Um rei muito estimado por sua bondade, depois de terrível doença, cegou de ambos os olhos. Em extremo piedoso, dirigiu fervorosas preces a Deus, para que lhe restituísse a vista, até que, numa das ocasiões em que orava, ouviu uma voz que lhe falou:

— No fim do teu reino, longe, muito longe, há uma fada encantada, fechada numa casa de ferro, e guardada por um dragão. No quarto imediato há um passarinho, que, quando canta, escorre pelo bico uma baba muito fina e perfumada.

Essa baba, aparada num pouco de algodão, e passada por três vezes sobre os olhos, restitui a vista a qualquer cego. Concita o teu povo a ir desencantar a fada, que ela entregará o passarinho, também encantado, ao ousado aventureiro que a libertar; e, como premio de sua coragem, receberá a mão de esposo e todas as riquezas extraordinárias da fada, que é uma princesa.

Anunciada a vontade do rei e o premio colossal a quem se saísse bem da empresa não faltaram pretendentes, que se puseram logo a caminho.

Em frente ao palácio real, morava um pai, que tinha três filhos, dos quais, o último, chamado Lúcio, era muito jovem.

Propondo-se os dois mais velhos a concorrer ao premio, também o mais moço quis acompanhá-los, e com eles partiu, levando muitas bênçãos e conselhos paternais.

Durante a viagem, calculando os dois mais velhos que o irmão lhes era pesado, abandonaram-no, tirando-lhe o dinheiro que restava.

Apesar dos magros recursos com que ficara, Lúcio, continuou a viagem até que chegou à margem de um rio, onde viu um pobre, muito velhinho, coberto de andrajos e feridas.

O ancião, ao avistar o moço, ergueu-se, estendeu a mão, e pediu-lhe uma esmola.

O jovem, condoído da miséria do velho, dividiu o farnelzinho que ainda lhe restava, e mudou-lhe a roupa, depois de lhe ter lavado e pensado as feridas, privando-se da única vestimenta que tinha.

O velhinho, olhando para ele com amor, disse:

— Bom menino, quem dá aos pobres, empresta a Deus. Bem sei que vais buscar o passarinho encantado, para curar o rei. Vais te expor ao maior de todos os perigos, mas nada receies, que eu te ajudarei. Teus irmãos que aí vão, e me recusaram uma esmola, lá não chegarão, por serem maus e sem religião.

— Quem és tu, bom velho, que assim me falas com tanto amor? — perguntou o menino.

— Sou o protetor dos bons. Agora, vou te guiar, meu filho, para que sejas feliz. Perto daqui há uma herdade muito rica onde irás dormir. Como estás sem dinheiro, vende este cavalo, que nada vale, e compra o mais magro que houver no campo, caindo de velhice e já rodeado de urubus. Monta-o; e, logo que saíres do campo, se transformará num animal muito bonito, que voa, em vez de correr. Ele te levará ao palácio de ferro. Logo que ali chegares, verás à entrada um formidável dragão com asas. As chaves do palácio estão guardadas dentro das fauces da terrível serpente. Se estiver com os olhos fechados, está acordada; se os tiver abertos, está dormindo, e nesse caso, podes afoitamente tirá-las, e abrir o palácio. Aberta a porta, verás aí essa linda fada, que desencantarás tirando-lhe do pescoço a chave de ouro, que abre a porta onde está o passarinho em uma gaiola de brilhantes. Não te deixes, meu filho, seduzir pela beleza da fada; faze tudo rapidamente, e foge com a gaiola, deixando a fada, que desencantada, não corre mais risco. O dragão, despertando, voará em tua perseguição; quando estiver já próximo a ti, apeia; com esta espada que te entrego, corta o cavalo pelo meio, entra-lhe na barriga, exclamando: A mim, bom velho! Logo que o dragão tiver voltado, sai, cose-lhe a barriga com esta agulha e linha que te dou, e verás que ele continuará a voar. A serpente há de voltar, assim que o vir nos ares; quando se aproximar, grita de novo por mim, e lança ao ar este punhado de alfinetes; depois este punhado de cinzas; e finalmente este de sal. Quando chegares ao campo, vende o bonito cavalo que não te há de servir, compra o teu e parte sem parar, até receberes as bênçãos de seu velho pai, que tanto teme por ti.

Lúcio beijou a mão do velho, e seguiu viagem.

Chegando à fazenda, vendeu o cavalo gordo e comprou o magro; mas quando o viu, mal pode acreditar no que dissera o velho. No entanto, cumpriu o que lhe fora ordenado.

De fato, ficou espantado, quando a alguns passos da fazenda, o animal repentinamente engordou, criou asas, e começou a voar.

No fim de algumas horas, chegou ao palácio de ferro. O dragão tinha os olhos abertos, e, portanto, estava dormindo, com a boca enorme bem escancarada.

O moço, com muito jeitinho, tirou-lhe a chave, e depressa abriu a porta que dava entrada para o palácio.

Atônito ficou ao ver a fada, e, por mais esforços que fizesse, não podia despregar dela os olhos, até que, ouvindo o cavalo bater com os pés, como aviso, se lembrou dos conselhos do velho; mal teve tempo de arrancar a chave de ouro do pescoço, e abrir a porta, e tirar a gaiola, saltar por cima do dragão sobre o cavalo, e já este, voando rapidamente era perseguido pela serpente.

Quando viu que o dragão vinha muito perto, saltou ao chão, cortou o cavalo em dois com a espada, e ocultou-se com o passarinho dentro da barriga. O dragão, ao chegar, vendo o cavalo morto e já podre, voltou desesperado para se vingar da fada.

O rapaz saiu logo, coseu o cavalo, montou e de novo voaram.

O dragão voltou por sua vez, e, com mais rapidez, voou ainda. Ia já pega-não-pega o cavalo, quando o menino lançou ao ar o punhado de alfinetes, bradando: — A mim, bom velho!

Imediatamente formou-se um espinhal tão cerrado, tão denso, que a serpente ficou presa nele e nos terríveis espinhos, e só no fim de muito tempo, conseguiu transpô-lo.

O cavalo ia longe, mas o dragão voava mais, e depressa o alcançou.

O menino atirou o punhado de cinzas, gritando: — A mim bom velho!

Fez-se logo tal cerração, que o dragão perdeu o rumo, ficou desnorteado, e só com muita dificuldade passou e continuou a perseguir os fugitivos.

Em breve alcançou de novo o cavalo, mas o jovem, agarrou no punhado de sal, deixou-o cair no chão, bradando como sempre: — A mim, bom velho!

Então surgiu de repente um mar enorme, e o dragão, molhando as asas, não pode mais voar, e afogou-se.

Chegando Lúcio à fazenda, com o passarinho, vendeu o cavalo, readquiriu o primitivo, e partiu.

Já muito longe, em um bonito campo viu dois cavalheiros, nos quais reconheceu os irmãos.

Abraçaram-se muito contentes; mas, quando eles viram a gaiola com o passarinho encantado, tiraram-lha, furaram-lhe os olhos e deram-lhe tanta pancada, que o deixaram como morto.

Voltaram com a gaiola para casa, e levaram o passarinho ao monarca.

O rei, muito contente, esperava a todos os momentos. que o passarinho cantasse, mas este mudo, silencioso, nem cantava, nem comia.

O rei, desesperado, maldisse a sua sorte, e amaldiçoou os portadores e a fada que dele zombara.

Gemia o menino, à beira da estrada, ceguinho e todo ensanguentado, quando se lembrou do velho.

Pôs-se a chorar, e exclamou, com as mãos postas:

— A mim, bom velho!

Sentiu que alguém se aproximava, e ficou com o coração cheio de esperanças, quando uma voz, que reconheceu ser a do velho lhe disse:

— Meu filho, eu te disse que andava pelo mundo a escolher os bons, para os proteger. Tu és bom, foste caritativo para mim, eu o serei para contigo.

Levou-o para uma casa próxima, e depois de lhe pensar as feridas, disse:

— Agora, meu filho, não te aflijas por teres perdido a vista, porque em breve a recobrarás; o passarinho não cantará, não deitará a baba salutar, sem que chegues ao palácio real, para onde te vou conduzir. Ficarás curado, e também o rei.

O velhinho deu a mão ao mancebo, até que chegaram ao palácio.

Logo que o menino entrou, o pássaro pôs-se a cantar, abriu a porta da gaiola com o biquinho, esvoaçou em torno da cabeça do seu salvador, e pousando-lhe sobre a mão, começou a cantar; a sala rescendeu do delicioso perfume que dele se desprendia.

Fez o mesmo nos olhos do rei e, este, inteiramente bom, deu graças a Deus!

No dia seguinte, quando iam começar os festejos em honra do rei, apareceu sem que ninguém soubesse como, um palácio encantado para o qual se entrava por três estradas, cada qual mais rica — uma de ouro, outra de prata e a terceira de veludo.

De repente saiu dele uma carruagem, puxada por seis cavalos brancos, toda de ouro e brilhantes. Dentro vinha a fada desencantada.

O rei veio recebê-la e abraçou-a:

Ela então lhe disse que era o premio anunciado para o valoroso mancebo que a libertara e restituíra a vista ao seu caritativo rei.

Este, não sabendo qual dos três era, pediu conselhos à fada, que lhe falou:

— Só um foi meu salvador; mandai meu carro buscar os três irmãos, um de cada vez, visto que todos disputam a posse do premio prometido. O mais humilde, escolherá a estrada mais pobre, e esse será saudado pelo companheiro de prisão, que o reconhecerá. O valor sempre está reunido à bondade e à humildade.

O rei mandou, pois, buscar o primeiro, ordenando que indicasse ele a estrada por onde devia chegar ao palácio encantado.

O primeiro, o mais velho, gritou logo ao cocheiro:

— Pela estrada de ouro!...

Chegou junto à fada, beijou-lhe a mão, e o passarinho não cantou.

O segundo veio pela de prata, e o mesmo lhe aconteceu.

O terceiro, quando parou o carro na bifurcação dos caminhos, viu o bom velho, que a ele se chegando, disse:

— As bênçãos dos pais para os bons filhos, valem mais do que todo o ouro do mundo: são pérolas, com que Deus engrinalda a fronte dos humildes. Vai receber o fruto de tua caridade, e, em todas as tuas horas de venturas ou tristezas, lembra-te do teu pobre velho, e Jesus Cristo será contigo.

Apontou-lhe para o caminho de veludo, o mais pobre, e logo o passarinho, fugindo da gaiola, veio cantando afagar com as asinhas a fronte do seu salvador.

Quando ele tocou com os lábios a mão da fada, sobre a qual descansara o passarinho, este pousou sobre a cabeça dela, e transformou-se no mais rico diadema que o mundo tem visto.

Casaram-se. Houve grandes festejos, e Lúcio obteve perdão para seus irmãos, já condenados à força.

 

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Iba Mendes Editor Digital. São Paulo, 2025.

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