Um rei muito estimado por sua
bondade, depois de terrível doença, cegou de ambos os olhos. Em extremo piedoso,
dirigiu fervorosas preces a Deus, para que lhe restituísse a vista, até que,
numa das ocasiões em que orava, ouviu uma voz que lhe falou:
— No fim do teu reino, longe, muito
longe, há uma fada encantada, fechada numa casa de ferro, e guardada por um
dragão. No quarto imediato há um passarinho, que, quando canta, escorre pelo
bico uma baba muito fina e perfumada.
Essa baba, aparada num pouco de algodão,
e passada por três vezes sobre os olhos, restitui a vista a qualquer cego.
Concita o teu povo a ir desencantar a fada, que ela entregará o passarinho,
também encantado, ao ousado aventureiro que a libertar; e, como premio de sua
coragem, receberá a mão de esposo e todas as riquezas extraordinárias da fada,
que é uma princesa.
Anunciada a vontade do rei e o premio
colossal a quem se saísse bem da empresa não faltaram pretendentes, que se
puseram logo a caminho.
Em frente ao palácio real, morava
um pai, que tinha três filhos, dos quais, o último, chamado Lúcio, era muito
jovem.
Propondo-se os dois mais velhos a
concorrer ao premio, também o mais moço quis acompanhá-los, e com eles partiu,
levando muitas bênçãos e conselhos paternais.
Durante a viagem, calculando os
dois mais velhos que o irmão lhes era pesado, abandonaram-no, tirando-lhe o
dinheiro que restava.
Apesar dos magros recursos com que
ficara, Lúcio, continuou a viagem até que chegou à margem de um rio, onde viu
um pobre, muito velhinho, coberto de andrajos e feridas.
O ancião, ao avistar o moço,
ergueu-se, estendeu a mão, e pediu-lhe uma esmola.
O jovem, condoído da miséria do
velho, dividiu o farnelzinho que ainda lhe restava, e mudou-lhe a roupa, depois
de lhe ter lavado e pensado as feridas, privando-se da única vestimenta que
tinha.
O velhinho, olhando para ele com
amor, disse:
— Bom menino, quem dá aos pobres,
empresta a Deus. Bem sei que vais buscar o passarinho encantado, para curar o
rei. Vais te expor ao maior de todos os perigos, mas nada receies, que eu te
ajudarei. Teus irmãos que aí vão, e me recusaram uma esmola, lá não chegarão,
por serem maus e sem religião.
— Quem és tu, bom velho, que assim
me falas com tanto amor? — perguntou o menino.
— Sou o protetor dos bons. Agora,
vou te guiar, meu filho, para que sejas feliz. Perto daqui há uma herdade muito
rica onde irás dormir. Como estás sem dinheiro, vende este cavalo, que nada
vale, e compra o mais magro que houver no campo, caindo de velhice e já rodeado
de urubus. Monta-o; e, logo que saíres do campo, se transformará num animal
muito bonito, que voa, em vez de correr. Ele te levará ao palácio de ferro.
Logo que ali chegares, verás à entrada um formidável dragão com asas. As chaves
do palácio estão guardadas dentro das fauces da terrível serpente. Se estiver com
os olhos fechados, está acordada; se os tiver abertos, está dormindo, e nesse
caso, podes afoitamente tirá-las, e abrir o palácio. Aberta a porta, verás aí
essa linda fada, que desencantarás tirando-lhe do pescoço a chave de ouro, que
abre a porta onde está o passarinho em uma gaiola de brilhantes. Não te deixes,
meu filho, seduzir pela beleza da fada; faze tudo rapidamente, e foge com a
gaiola, deixando a fada, que desencantada, não corre mais risco. O dragão,
despertando, voará em tua perseguição; quando estiver já próximo a ti, apeia;
com esta espada que te entrego, corta o cavalo pelo meio, entra-lhe na barriga,
exclamando: A mim, bom velho! Logo
que o dragão tiver voltado, sai, cose-lhe a barriga com esta agulha e linha que
te dou, e verás que ele continuará a voar. A serpente há de voltar, assim que o
vir nos ares; quando se aproximar, grita de novo por mim, e lança ao ar este
punhado de alfinetes; depois este punhado de cinzas; e finalmente este de sal.
Quando chegares ao campo, vende o bonito cavalo que não te há de servir, compra
o teu e parte sem parar, até receberes as bênçãos de seu velho pai, que tanto
teme por ti.
Lúcio beijou a mão do velho, e
seguiu viagem.
Chegando à fazenda, vendeu o cavalo
gordo e comprou o magro; mas quando o viu, mal pode acreditar no que dissera o
velho. No entanto, cumpriu o que lhe fora ordenado.
De fato, ficou espantado, quando a
alguns passos da fazenda, o animal repentinamente engordou, criou asas, e
começou a voar.
No fim de algumas horas, chegou ao
palácio de ferro. O dragão tinha os olhos abertos, e, portanto, estava
dormindo, com a boca enorme bem escancarada.
O moço, com muito jeitinho,
tirou-lhe a chave, e depressa abriu a porta que dava entrada para o palácio.
Atônito ficou ao ver a fada, e, por
mais esforços que fizesse, não podia despregar dela os olhos, até que, ouvindo
o cavalo bater com os pés, como aviso, se lembrou dos conselhos do velho; mal
teve tempo de arrancar a chave de ouro do pescoço, e abrir a porta, e tirar a
gaiola, saltar por cima do dragão sobre o cavalo, e já este, voando rapidamente
era perseguido pela serpente.
Quando viu que o dragão vinha muito
perto, saltou ao chão, cortou o cavalo em dois com a espada, e ocultou-se com o
passarinho dentro da barriga. O dragão, ao chegar, vendo o cavalo morto e já
podre, voltou desesperado para se vingar da fada.
O rapaz saiu logo, coseu o cavalo,
montou e de novo voaram.
O dragão voltou por sua vez, e, com
mais rapidez, voou ainda. Ia já pega-não-pega o cavalo, quando o menino lançou
ao ar o punhado de alfinetes, bradando: — A
mim, bom velho!
Imediatamente formou-se um espinhal
tão cerrado, tão denso, que a serpente ficou presa nele e nos terríveis espinhos,
e só no fim de muito tempo, conseguiu transpô-lo.
O cavalo ia longe, mas o dragão
voava mais, e depressa o alcançou.
O menino atirou o punhado de
cinzas, gritando: — A mim bom velho!
Fez-se logo tal cerração, que o
dragão perdeu o rumo, ficou desnorteado, e só com muita dificuldade passou e
continuou a perseguir os fugitivos.
Em breve alcançou de novo o cavalo,
mas o jovem, agarrou no punhado de sal, deixou-o cair no chão, bradando como
sempre: — A mim, bom velho!
Então surgiu de repente um mar
enorme, e o dragão, molhando as asas, não pode mais voar, e afogou-se.
Chegando Lúcio à fazenda, com o
passarinho, vendeu o cavalo, readquiriu o primitivo, e partiu.
Já muito longe, em um bonito campo
viu dois cavalheiros, nos quais reconheceu os irmãos.
Abraçaram-se muito contentes; mas,
quando eles viram a gaiola com o passarinho encantado, tiraram-lha, furaram-lhe
os olhos e deram-lhe tanta pancada, que o deixaram como morto.
Voltaram com a gaiola para casa, e
levaram o passarinho ao monarca.
O rei, muito contente, esperava a
todos os momentos. que o passarinho cantasse, mas este mudo, silencioso, nem
cantava, nem comia.
O rei, desesperado, maldisse a sua
sorte, e amaldiçoou os portadores e a fada que dele zombara.
Gemia o menino, à beira da estrada,
ceguinho e todo ensanguentado, quando se lembrou do velho.
Pôs-se a chorar, e exclamou, com as
mãos postas:
— A mim, bom velho!
Sentiu que alguém se aproximava, e
ficou com o coração cheio de esperanças, quando uma voz, que reconheceu ser a
do velho lhe disse:
— Meu filho, eu te disse que andava
pelo mundo a escolher os bons, para os proteger. Tu és bom, foste caritativo
para mim, eu o serei para contigo.
Levou-o para uma casa próxima, e
depois de lhe pensar as feridas, disse:
— Agora, meu filho, não te aflijas
por teres perdido a vista, porque em breve a recobrarás; o passarinho não
cantará, não deitará a baba salutar, sem que chegues ao palácio real, para onde
te vou conduzir. Ficarás curado, e também o rei.
O velhinho deu a mão ao mancebo,
até que chegaram ao palácio.
Logo que o menino entrou, o pássaro
pôs-se a cantar, abriu a porta da gaiola com o biquinho, esvoaçou em torno da
cabeça do seu salvador, e pousando-lhe sobre a mão, começou a cantar; a sala
rescendeu do delicioso perfume que dele se desprendia.
Fez o mesmo nos olhos do rei e, este,
inteiramente bom, deu graças a Deus!
No dia seguinte, quando iam começar
os festejos em honra do rei, apareceu sem que ninguém soubesse como, um palácio
encantado para o qual se entrava por três estradas, cada qual mais rica — uma
de ouro, outra de prata e a terceira de veludo.
De repente saiu dele uma carruagem,
puxada por seis cavalos brancos, toda de ouro e brilhantes. Dentro vinha a fada
desencantada.
O rei veio recebê-la e abraçou-a:
Ela então lhe disse que era o premio
anunciado para o valoroso mancebo que a libertara e restituíra a vista ao seu
caritativo rei.
Este, não sabendo qual dos três
era, pediu conselhos à fada, que lhe falou:
— Só um foi meu salvador; mandai
meu carro buscar os três irmãos, um de cada vez, visto que todos disputam a
posse do premio prometido. O mais humilde, escolherá a estrada mais pobre, e esse
será saudado pelo companheiro de prisão, que o reconhecerá. O valor sempre está
reunido à bondade e à humildade.
O rei mandou, pois, buscar o
primeiro, ordenando que indicasse ele a estrada por onde devia chegar ao
palácio encantado.
O primeiro, o mais velho, gritou
logo ao cocheiro:
— Pela estrada de ouro!...
Chegou junto à fada, beijou-lhe a
mão, e o passarinho não cantou.
O segundo veio pela de prata, e o
mesmo lhe aconteceu.
O terceiro, quando parou o carro na
bifurcação dos caminhos, viu o bom velho, que a ele se chegando, disse:
— As bênçãos dos pais para os bons
filhos, valem mais do que todo o ouro do mundo: são pérolas, com que Deus
engrinalda a fronte dos humildes. Vai receber o fruto de tua caridade, e, em
todas as tuas horas de venturas ou tristezas, lembra-te do teu pobre velho, e
Jesus Cristo será contigo.
Apontou-lhe para o caminho de
veludo, o mais pobre, e logo o passarinho, fugindo da gaiola, veio cantando
afagar com as asinhas a fronte do seu salvador.
Quando ele tocou com os lábios a
mão da fada, sobre a qual descansara o passarinho, este pousou sobre a cabeça
dela, e transformou-se no mais rico diadema que o mundo tem visto.
Casaram-se. Houve grandes festejos,
e Lúcio obteve perdão para seus irmãos, já condenados à força.
---
Iba Mendes Editor Digital. São Paulo, 2025.
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