5/01/2025

Jacques e os seus companheiros (Conto), de Figueiredo Pimentel

JACQUES E OS SEUS COMPANHEIROS

Dona Isabel era uma pobre viúva que só tinha um filho, por nome Jacques. Durante um inverno muito rigoroso, que assolou o país onde viviam, viram-se tão pobres que só chegaram a possuir uma galinha e um pouco de farinha de trigo.

Jacques, em vista disso, resolveu sair de casa e correr mundo, para tentar fortuna.

D. Isabel fez um pouco de pão com a farinha que lhe restava, matou a galinha e disse:

— Que preferes, tu? Ter a metade destas provisões, juntamente com a minha bênção ou tudo com a minha maldição?

— O! minha mãe — respondeu Jacques, — como é que a senhora pode perguntar isso? Com a sua maldição não desejaria possuir todos os tesouros da terra.

— Bem, meu filho — replicou docemente a mãe, — toma tudo isso, e que Deus te abençoe.

Jacques partiu. Tanto tempo quanto pode avistá-lo, sua mãe, de pé, à porta da casinha, segui-o com a vista, abençoando-o.

O mocinho seguiu em linha reta, caminhando sempre em frente.

A sua intenção era dirigir-se a alguma fazenda e aí pedir emprego.

Pouco depois de estar viajando avistou um burro que caíra dentro de um brejo e que, atolado até à barriga, não conseguia sair.

— Ó Jacques — exclamou o animal, — ajuda-me a desembaraçar-me daqui, senão morrerei afogado.

— Pois não! — respondeu Jacques. — Não precisas pedir-me duas vezes; vou auxiliar-te.

Então, ajuntando ramos de árvores e pedras, construiu uma espécie de ponte sobre a qual o pobre quadrúpede conseguiu pousar uma pata, depois outra, e finalmente as quatro, livrando-se, assim do perigo de que estava ameaçado.

— Obrigado — disse ele, aproximando-se de Jacques. — Pelo meu lado, se achar ocasião, prestar-te-ei serviços. Onde vais?

— Vou procurar ganhar a vida, até à época da colheita.

— Queres que vá contigo? Quem sabe se não teremos algum encontro feliz?

Ambos se puseram a caminho.

Ao passarem por uma aldeia viram um cão perseguido por alguns meninos de colégio que lhe haviam atado uma panela à cauda.

O pobre animal correu para Jacques, que o tomou sob sua proteção, ao passo que o burro começou a zurrar com tanta força que os meninos fugiram amedrontados.

— Obrigado — disse o cachorro a Jacques. — Pelo meu lado, se achar ocasião, prestar-te-ei serviços. Onde vais?

— Vou procurar ganhar a vida até à época da colheita.

— Queres que vá contigo?

— Vamos.

Quando chegaram fora da cidade pararam ao pé de uma fonte.

Jacques tirou do saco as suas parcas provisões, deu parte delas ao cão, e começou a comer, enquanto o burro pastava a erva que crescia em torno.

Momentos depois chegou-se perto deles um gato, tão faminto, que teria comovido, com o seu miar doloroso, os mais endurecidos corações.

— Ah! pobre desgraçado! — exclamou Jacques, — dir-se-ia que percorreu todos os telhados da cidade depois do seu último alimento!

— Obrigado! — disse o gato, depois que o rapaz lhe deu um pouco de comida. — Por meu lado, se achar ocasião, prestar-te-ei serviços. Onde vais?

— Vou procurar ganhar a vida, até à época da colheita.

— Queres que vá contigo?

— Vamos.

Os quatro viajantes continuaram a caminhar.

Pela tarde ouviram subitamente um grito desesperado, e avistaram uma raposa que corria levando um galo. — Pega, cachorro!— gritou Jacques.

O cão caiu ao encalço da raposa que, vendo-se naquele perigo, deixou a presa a fim de correr melhor.

O galo voou alegremente para junto do moço e falou-lhe:

— Obrigado salvaste-me a vida, e eu nunca o esquecerei. Agora, onde é que vais?

— Procurar trabalho, até à época da colheita. Queres ir conosco?

— Com todo o prazer.

— Pois então vem. Se estiveres cansado, repousar-te-ás nas costas do burro.

Os viajantes continuaram a caminhar com esse novo companheiro.

Entretanto, todos sentiram grande necessidade de repousar. Em torno deles, até onde a vista alcançava, não avistaram uma só choupana por mais miserável que fosse.

— Vamos — disse Jacques, — seremos mais felizes em qualquer outra ocasião. Hoje não temos remédio senão nos resignarmos a dormir ao ar livre. Além disso a noite está serena e formosa, e a terra neste lugar coberta de macia relva.

Deitou-se a fio comprido no chão; o burro imitou-o, estendendo-se a seu lado; o cão e o gato colocaram-se entre as patas do complacente animal; e o galo empoleirou-se numa árvore.

Achavam-se dormindo profundamente, quando, de súbito, o galo começou a cantar.

— Que aborrecimento! — murmurou o burro, — ser acordado assim bruscamente. Porque é que estás gritando tanto?!

— Para anunciar o nascer do dia — respondeu o galo. — Não estás vendo a luz que brilha lá longe?

— Vejo uma luz — disse Jacques, — mas é a de uma lanterna e não a do sol. Provavelmente existe ali uma habitação qualquer, e nós poderíamos ir pedir agasalho para o resto da noite.

A proposta foi aceita.

A caravana partiu. Caminhou através dos campos, através dos penhascos, e parou perto de uma casa de onde saíam grandes e ruidosas gargalhadas, gritos confusos, cantos grosseiros e blasfêmias.

— Atenção — murmurou Jacques, — caminhemos devagarzinho, passo a passo, para espiar que espécie de gente mora aqui.

Eram seis ladrões, armados de punhais e pistolas, sentados em torno de uma mesa coberta de esquisitas iguarias, banqueteando-se alegremente, bebendo suco, vinho e champagne.

— Que bela expedição acabamos de fazer ao palácio de lord Dunlavin, graças ao auxílio do seu porteiro. Que excelente homem! À sua saúde!—

— À saúde desse esplêndido criado!— repetiram em coro os bandidos.

E de uma assentada esvaziaram os copos.

Jacques voltou-se para os companheiros e falou-lhes em voz baixa:

— Reúnam-se uns aos outros, do melhor modo que puderem, e, ao primeiro sinal que eu fizer, façam ouvir todas as vozes juntas.

O burro, firmando-se nas patas traseiras, pousou as duas da frente na janela. Os outros enfileiraram-se e aguardaram o sinal.

Jacques bateu palmas. Escutou-se o zurrar prolongado e forte do animal, o latir do cão, o miar do gato, e o canto estridente do galo.

— Agora — gritou Jacques, — armem-se os soldados! apontem as espingardas! fogo aos ladrões!

O burro meteu os pés nas janelas, fazendo-as voas em mil pedaços, e os gritos dos animais recomeçaram mais fortes.

Os salteadores amedrontados, fugiram para a floresta, escapando-se pela porta dos fundos.

O moço e seus companheiros entraram no aposento abandonado, fizeram uma excelente refeição, e deitaram-se.

Jacques ocupou uma cama, o burro foi para a estrebaria; o cão deitou-se, guardando a porta, o galo ficou no poleiro, e o gato perto do fogão.

Os ladrões, quando se apanharam sãos e salvos na floresta, ficaram satisfeitíssimos.

Mas logo depois começaram a refletir e a lastimarem-se.

— Em lugar da terra úmida — disse um deles, — preferia estar agora deitado na minha cama.

— Eu — disse um outro, — lastimo a carne assada que estava começando a saborear.

— Quanto a mim — acrescentou o terceiro, — sinto falta das ótimas garrafas de vinho ainda cheias.

— O que é mais para lastimar — falou o quarto bandido, — é todo aquele ouro, toda aquela prata, o dinheiro que roubamos com o auxílio do criado de lord Dunlavin e que abandonamos.

— Quero — disse o capitão, — tentar penetrar outra vez na casa, e certificar-me se tudo está ou não perdido.

— Bravo! — exclamaram os companheiros.

O chefe pôs-se a caminho.

Todas as luzes estavam apagadas na casa onde ele penetrou às apalpadelas. Encaminhando-se para o fogão, o gato saltou-lhe à cara, arranhando-a com as unhas. O bandido deu um grito e correu para a porta. Aí, por infelicidade, pisou no rabo do cachorro, que lhe ferrou os dentes na perna. De novo fugiu, conseguindo finalmente transpor a porta. Mas o galo lançou-se sobre ele e picou-o com as unhas e o bico.

— Oh! — exclamou ele. — Que raça de demônios tomou conta desta casa! Como poderei sair dela?

Esperou achar refúgio na estrebaria, mas o burro deu-lhe tão tremendo coice, que o lançou por terra, semimorto.

Poucos momentos depois recuperou os sentidos. Apalpou o corpo, e vendo que nem as pernas nem os braços estavam quebrados, levantou-se e voltou para a floresta.

— E então?!... e então?!... gritaram os companheiros assim que o viram. — Podemos reconquistar as nossas riquezas?

— Não — exclamou ele. — Tudo está perdido; mas, primeiro que tudo, arranjem-me uma cama e preparem infusões e cataplasmas para as minhas feridas. Não podem imaginar o que padeci por causa de vocês. Na cozinha, fui assaltado por uma velha feiticeira que estava fiando na roca e pôs-me o rosto no estado em que estão vendo. Perto da porta, um sapateiro do diabo feriu-me as pernas; e, do outro lado, Satanás em pessoa atirou-se a mim com as suas garras. Na estrebaria recebi uma cacetada, da qual quase morri. Se não acreditam, vão certificar-se pelos seus próprios olhos.

— Acreditamos!— exclamaram os companheiros olhando para o rosto e o corpo ensanguentados. — Não tentaremos mais penetrar nessa maldita casa. Tratemos de ver se descobrimos outra.

Pela manhã, Jacques e seus companheiros, com as provisões dos bandidos, fizeram um excelente almoço.

Depois partiram, a fim de restituir a lord Dunlavin o ouro e o dinheiro que lhe foram roubados.

Jacques encerrou cuidadosamente todas as riquezas em dois sacos, que colocou no burro e partiram transpondo vales, rochedos, colinas, planícies, em demanda ao castelo senhorial.

Diante do majestoso portão do palácio, encontraram o tratante do porteiro, em grande libré, de meias brancas, calções vermelhos e cabelos empoados.

Olhou com um ar de desprezo para a pequena caravana e disse a Jacques:

— Que queres aqui? Nesta casa não há lugar para ti.

— Entretanto, nós contamos ser bem recebidos. Mas, certamente, não é a você que nos devemos dirigir.

— Passem fora, vagabundos!— gritou ele encolerizado. — Tratem de sair já e já, do contrário soltarei os cães.

— Um instante — replicou o galo, que se achava empoleirado na cabeça do burro. — Poderá nos dizer quem foi que abriu, na noite passada, a porta aos seis ladrões.

O guarda-portão empalideceu.

Lord Dunlavin, que estava à janela, gritou:

— Eh! Barnabé! responda à pergunta que está fazendo tão linda avezinha.

— Senhor — respondeu Barnabé, — este galo é um miserável. De certo, não fui eu quem abriu a porta aos seis ladrões.

— E como sabes tu, meu rapaz — retorquiu lord Dunlavin, — que eram seis?

— O que é fato, milord — falou então Jacques — é que nós trazemos a Vossa Excelência todas as riquezas que lhe foram roubadas, e que só desejamos o favor de nos mandar dar alguma coisa para cear e uma pousada por esta noite, porque fizemos longa caminhada e estamos com fome e cansados.

— Fiquem tranquilos que serão bem recebidos.

O cão, o burro e o galo foram na verdade excelentemente instalados, e o gato ficou na cozinha.

Quanto a Jacques, o castelão reconhecido, vestiu-o ricamente, dos pés à cabeça, pôs-lhe um relógio e cadeia de ouro no bolso do colete, e disse-lhe:

— Queres ficar em minha companhia? És honesto, e vejo que és inteligente. Serás meu mordomo.

Jacques aceitou com prazer aquela proposta e mandou buscar sua velha mãe.

Mais tarde, desposou uma linda rapariga e viveu sempre feliz.


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Iba Mendes Editor Digital. São Paulo, 2025.

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